Um ano de desgoverno golpista: muitos anos de retrocesso

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Um ano de desgoverno golpista

Completa-se um ano desde o fatídico dia 12 de maio de 2016. Um ano de desaniversário da democracia, duramente golpeada, expondo o quanto, além de recente, é ainda tão pouco consolidada no país. Nesta data, o Senado Federal votou pela admissibilidade do processo de impeachment por suposto crime de responsabilidade fiscal da Presidenta eleita, Dilma Rousseff, o que provocou o seu afastamento para julgamento pelo Congresso. Michel Temer, então vice-presidente, ao assumir o cargo interinamente anunciou novo programa de governo, o “Ponte Para o Futuro”, que passou a ser executado sem que tenha sido submetido ao voto popular. Primeiro interinamente e depois empossado, o governo ilegítimo vem implementando medidas que consolidam o desmonte de políticas e programas sociais, bem como retrocessos em direitos conquistados, mesmo aqueles dos quais se pensava que jamais poderiam retroceder, como o direito à aposentadoria ou à saúde pública. Sob o argumento de que o Estado está em crise, de que gasta demais e de que não há alternativa a não ser cortar políticas públicas e impor sacrifícios à população, aliam Executivo e Legislativo em jogadas ensaiadas e extremamente rápidas, que desestabilizam de forma generalizada, praticamente impedindo qualquer tipo de contraposição.

Governando a base de Medidas Provisórias (MP), Michel Temer já possui o título de presidente que mais editou MPs desde Fernando Collor de Mello, com o seu dramático plano de enfrentamento a inflação que levou ao confisco da poupança. As medidas provisórias, que têm força de lei e efeito imediato, devem ser usadas em casos de relevância e urgência. No entanto, o ilegítimo Temer vem usando deste dispositivo para implementar reformas estruturantes em consonância com o novo programa de governo imposto. Dentre elas estão, por exemplo, aquela que reduziu o número de ministérios com grande impacto para as pastas sociais (MP 726), aquela que cria o Programa de Parcerias de Investimento com o objetivo de aprofundar as concessões (MP 727), aquela que reforçou o roteiro privatizador para o setor elétrico (MP 735) e a de reforma do Ensino Médio (MP 746).

No âmbito do Legislativo, o governo interino encaminhou Projeto de Emenda Constitucional (PEC), a PEC 241/2016, aprovada como EC 95/2016, que prevê o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Com objetivo explícito de assegurar a manutenção do sistema financeiro, as medidas contidas nesta EC recairão sobre a/os trabalhadora/es, a/os servidora/es e os serviços públicos com tamanha austeridade jamais imposta no país. Serão impactos drásticos em áreas essenciais à população brasileira, como a educação e a saúde, visto que a EC altera os critérios para cálculo das despesas mínimas nessas áreas que serão corrigidos pela variação da inflação do ano anterior, sem aumento real, mesmo que a demanda seja sempre crescente. Isso tudo mantendo livremente o orçamento para pagamento de juros da dívida pública até hoje não auditada, apesar da previsão constitucional para isso. As reformas trabalhista e da previdência, além da lei da terceirização – que estraçalham os direitos trabalhistas, praticamente gerando o fim do vínculo empregatício como existe hoje – também seguem ou seguiram sem grandes obstáculos, ainda que o placar no congresso esteja começando a apontar alguns limites no apoio da base aliada ao governo golpista…

Também são incalculáveis os danos causados por exonerações, desmontes de setores e nomeações inescrupulosas. Tais exonerações abarcaram cargos técnicos ocupados por servidores/as, em muitos casos, com larga experiência e comprometimento, muitos dos quais ainda não substituídos, implicando na descontinuidade das políticas públicas.  Ao mesmo tempo o gabinete golpista trabalha para esvaziar e desarticular os espaços de participação social, tais como conselhos e fóruns, como o Conselho Nacional de Educação.

O descaso com espaços de participação social é explícito, tanto quanto com as manifestações da população de forma geral. Com índices de apenas 9% de aprovação do governo e a ocorrência de incontáveis manifestações populares, com diversos tamanhos, formatos e pautas, bem como a maior greve geral já feita no país, no dia 28 de abril de 2017, em que estima-se que 40 milhões de brasileiros/as cruzaram os braços, Temer segue implacável, destruindo direitos e políticas construídos historicamente, com muita luta.

Defensores do afastamento da presidenta afirmam não haver golpe porque o processo transcorreu de acordo com o rito estabelecido na legislação e referendado pelo Superior Tribunal Federal (STF). Entretanto, o golpe não está na forma, mas sim no conteúdo, na motivação e no casuísmo deste processo, que foi forjado com a finalidade específica de derrubar o mandato de uma presidenta democraticamente eleita e levar adiante uma agenda política oposta à plataforma vencedora nas eleições.

Esse golpe parlamentar, jurídico e midiático se caracteriza, assim, como atentado à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, sendo cada vez mais evidentes quem foram os financiadores, as intenções e métodos: votações no congresso em tempo recorde e ferindo rituais regimentais; diversos ministros e outros ocupantes de cargos de alto escalão citados em delações e outras situações constrangedoras e inexplicadas; leis sendo aprovadas e políticas sendo direcionadas de forma a beneficiar explicitamente o setor financeiro, o setor do agronegócio e o grande empresariado, todos notáveis financiadores do golpe. Vale lembrar ainda o famigerado áudio envolvendo o então ministro do Planejamento, Romero Jucá, no qual explicitamente é falado que é preciso um “acordão”, envolvendo judiciário e tudo mais, para “estancar a sangria” e que Temer no poder seria uma saída…

Neste contexto, a Esplanada parece seguir sua rotina, ao olhar mais superficial e despercebido mantendo a ordem institucional. Qualquer olhar mais aprofundado, entretanto, entrando neste formigueiro de programas, políticas, siglas, poderes – dos grandes aos pequenos – evidencia que NÃO ESTÁ TUDO BEM. Seja pelas substituições de comandos de pastas inteiras, cortes orçamentários indiscriminados até mudanças sutis, quase imperceptíveis mas que levam ao desmonte de construções conquistadas historicamente e com enorme peso simbólico, não há papel, parede ou pessoa  nesta Esplanada que saia ileso deste desmonte da democracia.

Diante disso, trabalhadoras/es do Serviço Público se reuniram para denunciar o golpe em curso e seus efeitos nas políticas públicas brasileiras, formando a Frente Ampla de Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público pela Democracia. Esta Frente compôs-se por trabalhadoras e trabalhadores de diversos órgãos públicos, com diferentes ideologias e referências políticas, tendo em comum o pensamento de que as escolhas dos rumos das políticas públicas no Brasil devem ser tomadas com base na democracia.

Tendo em vista a implementação de agenda de retrocessos no âmbito da previdência, da infraestrutura, da educação, da saúde, da cultura, das políticas sociais e trabalhistas, da política tributária, da política fiscal e do orçamento, este documento apresenta uma coletânea de diversas análises produzidas com o objetivo de evidenciar os ataques aos direitos sociais ocorridos neste um ano de desgoverno golpista, bem como suas consequências para o desmonte das diversas políticas públicas.

NÃO ESTÁ TUDO BEM. ESTÁ CADA VEZ PIOR.

1 Comunicação

Mudanças significativas nas políticas públicas e normas que regulam os setores de telecomunicações e de radiodifusão brasileiros têm sido feitas, de forma rápida e antidemocrática, pelo governo ilegítimo de Michel Temer. Também de forma abrupta, forma tomadas várias medidas que esvaziam o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), como a emblemática extinção do Conselho Curador, principal instrumento de constituição do caráter público e democrático da Empresa.

A internet também vem sendo ameaçada por esta gestão: os três pilares do Marco Civil da Internet (MCI), lei internacionalmente reconhecida como modelo para a regulação da web, também correm o risco de ser destruídos – liberdade de expressão, privacidade e neutralidade de rede –, além da universalização do acesso e da governança participativa da internet. Assim, medidas com impactos profundos para o acesso à informação e à liberdade de expressão da sociedade brasileira vêm sendo tomadas, nos fazendo concluir que o golpe avança, a passos largos, também no campo da comunicação.

1.1 Radiodifusão

Na segunda quinzena de dezembro, no apagar das luzes do ano de 2016, foi publicada, no Diário Oficial da União, portaria do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que modifica o Regulamento de Sanções Administrativas previstas para os canais que descumprirem a legislação em vigor no Brasil. A mudança torna bem mais difícil suspender ou cassar uma emissora de radiodifusão que cometa irregularidade: agora, todos os canais de rádio e TV comerciais terão a possibilidade de ter a pena de cassação de sua licença convertida em multa. Anteriormente, um canal de rádio ou uma retransmissora de TV perderia esse benefício da conversão da pena de cassação em multa se tivesse totalizado 20 pontos no rol de infrações praticadas. Agora, precisam alcançar 80. Ou seja, o limite foi multiplicado por quatro, de forma que um canal de rádio e TV precisa cometer muito mais infrações, de maneira recorrente, para perder o direito de explorar o serviço de radiodifusão.

Sobre o licenciamento de outorgas de rádio e TV, num país em que as concessões sempre foram usadas como moeda de troca política, foi possível piorar ainda mais o procedimento das licenças. A MP 747, enviada para o Congresso Nacional no final de 2016 e sancionada em março de 2017, torna o empresariado da radiodifusão livre de obrigações, de modo que o interesse público não tenha centralidade entre os critérios que levam à concessão dessas licenças, que são públicas.

Com a aprovação da MP, radiodifusores que haviam perdido o prazo para renovação de concessões foram anistiados e ainda ganharam 90 dias para fazê-lo. A renovação também tornou-se mais que automática: obrigações que tinham de ser respeitadas – pelo menos segundo a letra da lei – desapareceram. Foi excluído do texto da lei a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisito para o direito à renovação das outorgas.

1.2 Comunicação pública

O caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) também foi atingido pelo golpe político. No dia 2 de setembro, foi publicada a Medida Provisória 744/2016, de reestruturação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A MP, aprovada pelo Senado em fevereiro de 2017, alterou substancialmente a Lei nº 11.652 de 2008, que criou a EBC, e consolida um verdadeiro esvaziamento do caráter público da empresa.

Dentre as alterações estão a extinção do Conselho Curador da empresa, órgão composto por 22 membros, sendo 15 representantes da sociedade civil, que conferia à empresa seu caráter público e democrático; a extinção da garantia de mandato de quatro anos para o diretor-presidente, que agora passa a ser livremente nomeado e exonerado pelo presidente da República; e a mudança na composição do Conselho de Administração da EBC, que passa a ser composto por seis indicados do governo e um dos empregados (antes, eram quatro do governo e um dos funcionários da Empresa).

A dissolução de instrumentos legalmente criados para promover participação democrática e assegurar minimamente a independência da EBC diante do poder estatal são um golpe na autonomia da empresa. O sistema público de comunicação torna-se ainda mais vulnerável, pois um sistema público não sobrevive sem independência e autonomia perante qualquer interferência política, e, por consequência, contribui ainda mais para a fragilização da democracia brasileira. Por fim, a MP e as consequências que dela decorrem ferem o princípio constitucional da complementaridade trazido no Art. 223, que determina a existência dos sistemas privado, público e estatal na prestação de serviços públicos de radiodifusão. Mais um golpe na constituição.

1.3 Internet

A “Coalizão Direitos na Rede” vem denunciando as principais ameaças do governo ilegítimo aos direitos dos usuários da internet. Entre elas está o estabelecimento de limites de franquia na banda larga fixa: as operadoras, para aumentar seus lucros, propuseram colocar a mesma regra de limite de dados já utilizada na banda larga móvel na banda larga fixa também, alegando que a rede está congestionada e o perfil de uso aumentando muito (devido à utilização de filmes e jogos online). A medida, porém, pode acabar ampliando a exclusão digital, pois estabelecimentos comerciais ou públicos, como uma biblioteca municipal, teriam seus dados limitados e muito provavelmente deixariam de abrir suas redes wi-fi para a conexão de visitantes. Quem não tem acesso à rede hoje por limitações econômicas seria ainda mais excluído digitalmente. O número de envios e downloads de arquivos como vídeos, imagens, textos ilustrativos e áudios passaria, por exemplo, a ser controlado pelo usuário e sua família com a limitação. Empreendedores autônomos que utilizam a internet como trabalho e pequenas escolas e projetos sociais que se conectam através de redes domésticas também seriam limitados.

Há ainda várias iniciativas que põem em risco os direitos estabelecidos pelo Marco Civil da Internet – legislação brasileira reconhecida internacionalmente como modelo de regulação para a internet. Um exemplo é o relatório resultante da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Crimes Cibernéticos e suas respectivas propostas de projetos de lei que, assim como outros PLs em tramitação no Congresso Nacional, põem em risco os direitos estabelecidos pelo Marco Civil da Internet, em especial a privacidade, a liberdade de expressão e de informação nas redes. A ameaça é reforçada com a aprovação, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, de projeto de lei que autoriza o acesso sem ordem judicial a dados cadastrais (qualificação pessoal, endereço e filiação) pela polícia e pelo Ministério Público em qualquer investigação.

A liberdade de expressão também tem sido atacada com a prática do bloqueio a sites e aplicativos em decisões judiciais de primeira instância, como já aconteceu com Whatsapp, em um evidente desequilíbrio entre os direitos da maioria dos usuários e a necessidade de investigação e punição de uma minoria deles.

Também configura um grave retrocesso a aprovação do Decreto Nº 8.789, de 29 de junho de 2016, que trata do compartilhamento de bases de dados na administração pública federal sem nenhuma consideração de privacidade ou anonimização dos dados, deixando cidadãs e cidadãos completamente desprotegidos.

A neutralidade de rede, terceiro pilar do Marco Civil da Internet, é cotidianamente desrespeitada pelas empresas que ofertam banda larga móvel, com a prática do zero-rating (alguns aplicativos, em detrimento de outros, seguem disponíveis quando acaba a franquia de dados) associada a franquias de dados extremamente reduzidas e ao bloqueio do acesso. Diante do desrespeito a tantas outras legislações, inclusive à própria Constituição, o Marco Civil da Internet, aprovado em um processo extremamente rico, de ampla discussão com a sociedade, é mais um que tende a deixar de existir como consequência do golpe.

1.4 Referências

2 Desenvolvimento Agrário

O desenvolvimento agrário e as políticas para agricultura familiar foram possivelmente as áreas mais atingidas pelas ações do governo ilegítimo. Após a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário em maio, seguiu-se uma série de retrocessos e arbitrariedades que revelam o descaso do governo interino com a agricultura familiar, afetando toda a população rural brasileira, que chega a aproximadamente 70 milhões de pessoas.

A decisão inicial de fundir a pasta ao Ministério do Desenvolvimento Social denunciou uma visão simplista e assistencialista do governo ilegítimo sobre a agricultura familiar como mero beneficiário de proteção social. Essa visão é superada em quase todo o mundo, pois ignora o potencial socioeconômico, cultural e ambiental do setor, além de negar o conjunto de direitos de cidadania desse segmento. Ao mesmo tempo, há sérias dúvidas sobre o futuro de importantes ações para o aprofundamento da reforma agrária, como o Cadastro de Imóveis Rurais e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), afetando milhões de famílias.

Com a subsequente decisão de criar a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (SEAD) ligada à Casa Civil, o órgão recebeu todas as competências e estruturas do extinto MDA e provisoriamente alocadas no então MDSA. O que essa alteração significou de fato foi a mudança do grupo político que passaria a dominar o tema do desenvolvimento agrário, revelando que a disputa por cargos e espaço, no governo ilegítimo, supera em muito uma preocupação de fato em relação ao papel do governo federal com as políticas públicas de desenvolvimento agrário.

Além disso, a subordinação das políticas da agricultura familiar à Casa Civil traz problemas estruturais à condução do tema, dada a falta tanto de capacidade técnica quanto de compromisso político do órgão com relação a essa agenda. Hoje, a SEAD ocupa, dentro da Casa Civil, o mesmo nível que diversas sub-chefias, a Secretaria Especial de Comunicação Social e a Imprensa Nacional, sendo absolutamente nebulosa a total extensão das suas atribuições e grau de legitimidade das suas decisões. Ainda que o discurso seja da manutenção da estrutura, programas e da autonomia da Secretaria, o que se revela é a desvalorização da agenda e uma ingerência em temas estratégicos. Um exemplo deste último foi o posicionamento favorável da SEAD com relação à liberação de variedades de milho transgênico em reunião recente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), contrariando diversos pareceres técnicos e seu próprio posicionamento histórico, marcado pelo princípio da cautela e contrário a atual tendência de liberação irrestrita de culturas transgênicas. Especula-se que a razão para tal inflexão tenha sido a pressão de autoridades da Casa Civil sobre os representantes da SEAD na Comissão.

E de forma ainda mais grave, a disputa interna dos partidos que compõem o governo ilegítimo com relação a pauta do extinto MDA, e a demora na estruturação do novo órgão inviabilizaram ou retardaram a execução de políticas públicas centrais para milhões de brasileiras e brasileiros que produzem alimentos para o país. Como exemplo desse desmonte, podemos destacar: a) a paralisação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em Maio; b) o cancelamento do edital de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Mais Gestão, afetando quase mil cooperativas; c) a perda do espaço físico para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; d) demissão massiva de 62 ocupantes de cargos do antigo MDA; e) exoneração do presidente da ANATER, apesar deste contar com mandato fixo; f) nepotismo na Superintendência do INCRA de São Paulo a favor do partido Solidariedade; g) a exclusão do Desenvolvimento Agrário na Câmara de Comércio Exterior (Camex); h) o fim de fato do programa de substituição dos cultivos do tabaco, um dos mais emblemáticos dos últimos anos, com a suspensão de assistência técnica aos produtores (enquanto a SEAD estuda realizar chamada de ATER para os fumicultores) e a desvinculação do programa a qualquer área técnica da Secretaria; entre outros.

Mais recentemente, com o Decreto 8.889/2016, que dispõe sobre a estrutura da Secretaria, ficou claro que a suposta manutenção da estrutura não passava de retórica. Dentre as mudanças, chamou atenção a extinção e rebaixamento de diversos departamentos chave na construção de políticas públicas, como no caso do Departamento de Geração de Renda e Agregação de Valor (responsável, entre outras atividades, pelo programa de aquisição de alimentos), e da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, transformada genericamente em Sub-Secretaria de Desenvolvimento Rural, que por sua vez, passou a abrigar as Secretarias de Mulheres Rurais, de Juventude e de Povos e Comunidades Quilombolas, todas fundidas como uma única coordenação-geral. A (re)existência dessas agendas só pôde ser verificada devido à nova distribuição de cargos promovida pelo decreto, uma vez que ele não dispõe sobre as atribuições das áreas remanejadas.

No âmbito da reforma agrária, também se verificam retrocessos preocupantes. A proposta de orçamento do governo ilegítimo para 2017 trouxe um grande corte em aspectos fundamentais relativos a essa agenda, atingindo vários ministérios, órgãos responsáveis pela questão, pequenos agricultores, indígenas e comunidades tradicionais. Além disso, a versão que circula da medida provisória sobre a reforma agrária, cuja edição tem sido anunciada de maneira insistente pelo governo ilegítimo, traz dispositivos que, se aplicados, podem representar um direcionamento perigoso da política de reforma agrária, ainda que haja provisões que poderão ser benéficas às famílias assentadas. Dos pontos preocupantes, vale destacar: a) o aumento da mercantilização da terra; b) a desoneração das obrigações do INCRA junto às famílias assentadas e a tendência de municipalização das ações de reforma agrária; c) a inclusão dos desapropriados como beneficiários prioritários de reassentamento; d) o estabelecimento de critérios de seleção que ignoram as demandas sociais de acampamentos e assentamentos organizados; entre outros. De qualquer forma, tal agenda deveria passar por um debate amplo entre governo e sociedade – a sua aprovação via MP, a exemplo de outras matérias sobre as quais o governo ilegítimo tenta legislar impositivamente, revela mais uma vez a sua falta de disposição ao diálogo.

Somado a isso está o recrudescimento da criminalização dos movimentos do campo – como no caso da Operação Castra, deflagrada pela PF, que resultou em uma ação absurda e desproporcionalmente violenta na Escola Nacional de Formação Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – e da violência e conflitos agrários em 2016. Por fim, com a aprovação da PEC 55/EC 95, as políticas para o desenvolvimento agrário correm enorme risco de ter seu orçamento reduzido a quase nada. Segundo levantamento do INESC, a área será uma das mais atingidas pelos cortes nos próximos anos, principalmente considerando a pressão de outras áreas cujos gastos têm vinculação constitucional, como saúde e educação. No caso da agricultura familiar, um dos cenários resultantes disso é a fragilização ainda maior da base produtora de alimentos, e o maior vínculo de dependência desses agricultores ao capital usurário.

A profundidade do desmonte e desgoverno representado pelas ações acima, que ainda não configuram a totalidade dos retrocessos vividos, joga o Brasil algumas décadas no passado, no qual se imaginava que a política agrícola no Brasil deveria consistir unicamente no apoio e subsídio irrestrito ao agronegócio. Essa atividade, desenvolvida em grandes propriedades rurais voltada à exportação de commodities, com grande prejuízo socioambiental, vem reiteradamente demonstrando que não responde aos desafios do abastecimento interno no Brasil. No entanto, seus expoentes seguem com grande destaque na estrutura política do governo ilegítimo – a constrangedora participação do Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, na última conferência do clima em Marrakesh (que não contou com representação da SEAD) passou virtualmente despercebida.

Uma política de desenvolvimento agrário que pense o campo para além de uma visão economicista, respeitando a diversidade e as especificidades que este público tem e com vistas à garantia constitucional do direito à alimentação adequada é pilar fundamental da construção democrática. Toda a sociedade brasileira já reconhece a importância da agricultura familiar para o país, responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos consumidos no Brasil, de 77% dos empregos no trabalho rural e por cerca de 10% do PIB nacional, mesmo em um contexto de enorme concentração fundiária e de acesso a recursos. Nos últimos anos, o fomento deste setor estratégico dependeu de um conjunto de políticas públicas específicas, elaboradas em um esforço conjunto entre governo e sociedade. As tentativas cada vez mais expressas de desmonte real das estruturas dedicadas a elaborar e implementar as políticas para a agricultura familiar, demonstram a intenção clara deste governo em solapar as conquistas do povo do campo nas últimas décadas.

2.1 Referências

3 Habitação

Após a extinção do BNH, em 1986, estabelece-se um vácuo de quase 20 anos, com políticas e programas dispersos, reflexos da grande instabilidade econômica e política do período da redemocratização. Algumas experiências foram resultantes da ação isolada de alguns municípios. No plano da política nacional, o financiamento habitacional estava associado à falta de subsídios, tornando inviável o pagamento do saldo devedor dos contratos, que crescia mais que a renda dos mutuários.

Em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade, marco regulatório das novas políticas urbanas e culminância de um processo iniciado na elaboração da Constituição de 1988, que inclui dois artigos que tratam da questão urbana, e que fortalece um sistema de municipalização das políticas públicas. Em 2003 é criado o Ministério das Cidades, que recebe destaque no início do primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Este novo processo é respaldado pelo caráter participativo, implementado pelas primeiras conferências das cidades, ainda em 2003, que reúnem os diversos segmentos do poder público e da sociedade civil para discutir as bases de formulação das políticas públicas urbanas, e a instituição do Conselho das Cidades, quando é resgatado um acúmulo técnico e político que resulta em importantes regulações para uma nova sistemática de atuação na área. Essa nova política traz na sua concepção a perspectiva da descentralização de recursos, da gestão e dos sistemas de produção.

No bojo dessa nova política, e no quadro de crise econômica internacional que desponta a partir de 2008, visando a aceleração do crescimento econômico e com o fortalecimento da produção no país, é lançado pelo governo federal, em 2009, o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que começa a implantar fortes subsídios à produção para as camadas de baixa renda da população. Outra característica predominante nesse programa é a ampla descentralização territorial da produção, que se instala para além das metrópoles, expandindo-se numa ampla gama de municípios, inclusive os de médio e pequeno porte.

Nas faixas de menor renda, muitas famílias passaram a ter acesso ao crédito e à moradia por meio da concessão de subsídios pelo OGU e FGTS. O programa prevê o atendimento da demanda por moradia nas áreas urbana e rural, a fim de enfrentar um déficit habitacional de mais de 5,4 milhões de unidades habitacionais.1 O Minha Casa, Minha Vida subdivide-se em 3 Faixas, conforme a renda familiar bruta dos beneficiários a serem atendidos:

  • Faixa 1 – até R$ 1.800,00 de renda familiar bruta mensal;
  • Faixa 2 – de R$ 1.800,01 a R$ 3.600 de renda familiar bruta mensal;
  • Faixa 3 – de R$ 3.600,01 a R$ 6.500,00 de renda familiar bruta mensal.

Até 30/11/2016 o programa Minha Casa Minha Vida já havia contratado 4.478.949 unidades habitacionais (UH), das quais já entregou 3.150.224 (70,33%). São mais de 12 milhões de pessoas beneficiadas pelo programa ao longo de mais de 7 anos, nos governos Lula e Dilma. O programa beneficiou prioritariamente o atendimento da Faixa 1, ou seja, os de menor ou nenhuma renda, que sobrevivem da forte rede de proteção social construída ao longo dos últimos 13 anos.

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Contratações do programa Minha Casa Minha Vida.

3.1 10 principais retrocessos na habitação durante um ano do desgoverno golpista:

  1. Criminalização dos movimentos sociais, com suspensão de portarias e das contratações nos programas Minha Casa Minha Vida Entidades e Minha Casa Minha Vida Rural. Ministro das Cidades demonstra desconhecer o processo de produção social da moradia, com forte participação dos movimentos populares, conquista de mais de 30 anos de luta a partir da redemocratização pós ditadura militar.
  2. Alteração de regras para cobrança das prestações do programa Minha Casa Minha Vida Entidades, inclusive para os contratos já assinados com as Entidades Organizadoras, o que invalida milhares de termos de adesão assinados por beneficiários que acompanham seus empreendimentos desde a formulação das propostas.
  3. Não reconhecimento do Conselho das Cidades e suas instâncias de participação como parte da gestão do Ministério das Cidades. Não reconhecem a importância da gestão democrática das cidades, retornando com velhas práticas clientelistas e de troca de favores. A agenda da Reforma Urbana e do Sistema Nacional de desenvolvimento Urbano está sob ameaça.
  4. Preparação de medidas para vetar a utilização de instrumentos urbanísticos de acesso à terra, previstos no Estatuto das Cidades e legislação específica, como CDRU – Concessão de Direito Real de Uso e reconhecimento da desapropriação por interesse público com imissão na posse.
  5. Suspensão da contratação do Faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida, nas modalidades FAR Empresas, Entidades e Rural, ou seja, os que mais precisam ficarão sem atendimento.
  6. Com a suspensão das faixas que atendem os mais pobres, o Minha Casa Minha Vida (MCMV) vai deixar de gerar R$ 70 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) em três anos, até 2018. Em 2016, o PIB da construção registrou retração de 7,6% e o total de empregos com carteira assinada atingiu 2,9 milhões de trabalhadores, patamar semelhante ao do início de 2010.
  7. A redução dos investimentos tem impacto direto no nível de emprego do setor com saldo de menos 441 mil vagas no acumulado nos últimos 12 meses. De outubro de 2014 a novembro de 2016 a perda acumulada já é de 930 mil postos de trabalho. O Produto Interno Bruto (PIB) da construção fecha 2016 com queda aproximada de 5,30%, em projeção do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP).2
  8. Desaceleração do crédito imobiliário devido à paralisia do setor e falta de confiança dos mercados. Com a queda da renda e o poder de compra das famílias, as empresas estão com maior dificuldade de comercialização das unidades produzidas, gerando estoques em algumas faixas valor de UH e unidades comerciais, acarretando a diminuição da liquidez das empresas.
  9. Retrocessos irreparáveis na indústria de insumos e tecnologias inovadoras para construção civil. Retração no setor que criou novas alternativas para construção de unidades habitacionais em larga escala, com menor custo e com mais qualidade.
  10. O governo golpista não assumiu a meta do MCMV 3, de pelo menos 2 milhões de unidades habitacionais até 2018. Segundo o Ministério das Cidades, em 2016, deveriam ser contratadas 400 mil unidades das faixas 2 e 3, ou seja, apenas para os trabalhadores com renda e capacidade de endividamento. Nem mesmo esta meta foi cumprida, pois até 30/11/2016 foram contratadas apenas 288.956 unidades nas Faixas 2 e 3 do programa Minha Casa Minha Vida.

4 Educação

Desde o primeiro dia do governo golpista de Temer ocorre o desmonte da educação no país, quando os brasileiros acordam impactados pela notícia de unificação dos Ministérios da Cultura e Educação, além da extinção de diversos outros ministérios ligados à questões sociais. A diminuição dos espaços onde se pensam políticas públicas indica, consequentemente, a diminuição da possibilidade de efetivação dessas políticas e um abandono da sociedade à iniciativa privada. Devido à pressão da população, especialmente da classe artística, e à ocupação de prédios da Funarte por todo o Brasil, o Ministério da Cultura foi recriado, separando-se novamente do da Educação (MEC).

Ainda nos primeiros meses do golpe, o caráter privatista do governo se mostrou pela extinção ou minimização da importância de espaços de diálogo entre governo e sociedade civil. Nesse processo, foram destituídos membros do Fórum Nacional de Educação (FNE) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), ainda que estes tenham sido indicados pela sociedade civil organizada e ainda não houvessem terminado os mandatos para os quais foram indicados.

A interferência do setor privado no MEC e em outros espaços é problemática porque desvirtua a essência do espaço público. Enquanto qualquer ação privada visa o lucro (seja de forma direta, seja na construção de novas necessidades e demandas sociais), a essência do setor público deveria ser o atendimento às demandas e às necessidades da população. Enquanto a gestão privada trabalha para registrar sua marca e garantir acesso aos que pagam, excluindo boa parte da população de seus serviços, a educação pública serve a toda a população, exercendo inclusive funções que a iniciativa privada não investe, por entender como não lucrativa, mas que são necessárias ao desenvolvimento da sociedade. Quanto mais as empresas privadas adentram e se apossam do Ministério da Educação, mais a sociedade se afasta dele. Assim, a educação se torna distante dos/as educadores/as e se transforma em instrumento de barganha política (e falamos da pasta com um dos maiores orçamentos da esplanada dos ministérios!).

Além do desmonte de políticas públicas pela destituição dos responsáveis por elas, alguns programas do MEC sofreram cortes de verbas, restringiram a quantidade de público atendido ou foram totalmente extintos. Nesses casos, citam-se os programas Mais Educação, que não abriu edital para inclusão de novas escolas, e assumiu caráter mais cognitivista e não de educação integral; a Provinha Brasil, que deixou de ser impressa e distribuída às escolas; o Ciências sem Fronteiras para estudantes de graduação, que foi extinto e tornou o intercâmbio acadêmico e cultural novamente um privilégio de estudantes de classe alta; a redução drástica do número de bolsas de pós-graduação pela CAPES, dificultando acesso das classes trabalhadoras a esse nível de ensino; a diminuição das verbas destinadas ao Fies, Prouni e Pronatec, impedindo permanência de estudantes de classe mais baixa nos cursos superiores e de qualificação profissional, etc.

Muitos desses programas e políticas foram extintas sob a justificativa da falta de verbas para sua manutenção mesmo que, no dia anterior ao golpe, a manutenção e ampliação de vários deles estivesse prevista pelo MEC comprovando que, o problema não se tratava de falta de verbas, mas desvio do que já estava previsto para educação para outras áreas.

No entanto, ainda que a falta de verbas na área fosse a justificativa para o desmonte de políticas públicas importantes para a educação do país, com o apoio de sua base no congresso, o governo golpista defendeu a aprovou a desvinculação das receitas da educação, desobrigando que o percentual mínimo de 18% dos impostos arrecadados pela união fossem utilizados obrigatoriamente no financiamento da educação. Assim, abre a possibilidade que esse dinheiro seja utilizado para outros fins, a partir da vontade pessoal de quem ocupa o cargo de presidente. Outro projeto encaminhado por Temer e seus comparsas é o fim do Regime de Partilha do Pré-Sal, que retira a obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração do petróleo brasileiro, admitindo a entrega total desse recurso às empresas privadas. Antes, 75% dos royalties do petróleo e 50% do fundo social do Pré-Sal eram destinados à educação e foi essa a maneira encontrada pela CONAE para garantir a execução do PNE. Com essa mudança, os recursos advindos dessa fonte para a educação serão drasticamente diminuídos ou não existirão.

Uma nova e a maior punhalada para a educação foi a aprovação da PEC do teto dos gastos (PEC 241 na Câmara dos Deputados, PEC 55 no Senado e por fim Emenda Constitucional 95). Essa PEC do Juízo Final, como ficou conhecida na sociedade, prevê que os investimentos em educação não podem ser maiores que o do ano anterior somada a inflação daquele período. Com a PEC, o orçamento da educação será gradualmente corroído pelo aumento da população até 18 anos de idade (ou aqueles que, durante a crise financeira, trocam as escolas particulares pela pública), interferindo na queda da qualidade, uma vez que não haverá financiamento para melhorias, tornando impossível o alcance das metas estipuladas no Plano Nacional de Educação (vide maiores detalhes sobre a PEC, no capítulo com esse assunto a seguir). Antes de passar pelo processo legislativo e com uma grande mobilização da sociedade e de organismos internacionais apontando as consequências catastróficas da PEC para a sociedade brasileira, o conteúdo da PEC já era encaminhado pelo executivo, com a redução das previsões orçamentárias destinadas à saúde, educação e assistência social e com a redução de verbas para essas áreas ainda em 2016, ano que será utilizado como base da proposta.

Em um formato de medida provisória, também sem discussão com a sociedade e apresentando alterações estruturais na educação básica, a MP 746 e depois Lei 13.415/2017 prevê a alteração no ensino médio. Entre as medidas, permite que apenas dois “percursos formativos” (áreas de conhecimento) sejam ofertados pelas escolas em metade do ensino médio, deixando a cargo da escolas com maior ou menor poder aquisitivo a oferta de cursos em todas as áreas; retira a obrigatoriedade da oferta de disciplinas que tratam da análise das relações sociais e fomentam o senso crítico sobre essas relações, como a filosofia, sociologia e artes; prevê a implementação do tempo integral para o nível médio (ao mesmo tempo, o governo golpista limitou as escolas que, no ensino fundamental, pudessem participar do programa Mais Educação), sem garantir formas alternativas de renda aos adolescentes que necessitam trabalhar no turno oposto, fazendo-os optar pela educação ou pela sobrevivência e, consequentemente, repelindo-os das salas de aula; regulariza a falta de qualificação profissional, garantindo que apenas o “notório saber” seja suficiente para dar aulas no ensino médio, dentre outras medidas.

O pretenso caráter técnico do novo “governo”, que na verdade une os grupos mais conservadores na sociedade, é expresso também pelo apoio a famosa lei da “Escola sem Partido” e suas versões estaduais, conhecidas como Leis da Mordaça. Esse Projeto de Lei[2] (PL 867/2015), com apoio de bancadas evangélicas no Congresso Nacional, possibilita que professores sejam denunciados e punidos caso se manifestem contra as concepções ideológicas, políticas ou religiosas de qualquer família. Além de desconsiderar que é impossível que todas as famílias tenham uma visão igual sobre todos os assuntos, a lei impede que posicionamentos distintos sejam discutidos e apresentados aos estudantes, gerando uma educação sem criticidade e sem fundamentação científica (sendo esta substituída exclusivamente pelo senso comum da família ou por visões religiosas).

Reiteramos que o discurso de que a política não deve fazer parte da vida das pessoas ou de seus espaços de convivência gera apenas um maior afastamento da população de espaços participativos e democráticos e, consequentemente, do poder de decisão sobre os rumos do país. Em outras palavras, essa narrativa veiculada através das ideias do Escola sem Partido propõe o retrocesso educacional para que voltemos aos tristes tempos da censura e obscurantismo vividos na Ditadura Militar.

As lutas sociais contra o golpe jurídico-parlamentar brasileiro se intensificaram a partir da PEC do teto de gastos e, na educação, pelo projeto de alteração da LDB no que diz respeito ao ensino médio. Um movimento nacional de ocupações em escolas e universidades ocorreu com o apoio de grande parte dos pais e da sociedade em geral, que além de realizar doações de mantimentos e outros materiais aos estudantes das escolas ocupadas, participavam de atividades de discussão promovidas pelas ocupações e estavam presentes em momentos de repressão policial no sentido de garantir a segurança dos estudantes.

Ocupações, atos e outras manifestações populares estão sendo reprimidos à força de gás de pimenta e balas de borracha antes mesmo de sua concentração. A cavalaria policial tem se feito presente em diversos atos, passando por cima da população, literalmente, e prisões arbitrárias tem ocorrido contra qualquer um que seja caracterizado como líder (mesmo fora dos espaços de manifestação). Além da falta de discussão social, da maneira apressada com que medidas estruturais vêm sendo encaminhadas e aprovadas e pelo desmonte dos espaços de discussão entre governo e sociedade, nas ruas se observa uma política de repressão baseada no medo e nas ameaças. Em um sistema político dominado pela censura e pela repressão, a educação no Brasil caminha para ter a criticidade substituída pelo medo, e a Constituição substituída pela lei do mais forte.

4.1 Referências

5 Igualdade racial e de gênero

5.1 Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

Com a consolidação do golpe e as disputas internas dos grupos políticos, as políticas para as mulheres continuam praticamente paralisadas e caminhando para desestruturação. As péssimas relações entre o Ministro golpista e a Secretária especial (que é chamada por sua equipe golpista de “Ministra”) tem efeitos bastante perversos, como:

  1. Não aceitação por Fátima Pelaes de que a SPM se mantenha na estrutura do MJC: esforços contínuos foram dados nesse sentido durante a tramitação da Medida Provisória nº 726/2016 no Congresso Nacional; mesmo com a publicação da Lei nº 13.341/2016, Fátima Pelaes e sua equipe continuam afirmando para as servidoras da casa que ainda há esforços para retirar a SPM do MJC e vinculá-la à Secretaria de Governo.
  2. Atraso e não renovação de Convênios: seja por todo desentendimento de sua equipe em entender a importância dos prazos, seja por total desentendimento com o Ministro de modo que este, repetidas vezes, deixou de assinar prorrogações.
  3. Estruturação de políticas com diálogo bastante conflituoso e com desentendimentos significativos, tal como o Plano Nacional de Segurança Pública (que chegou a ser denominado na gestão golpista como Plano Nacional de Redução de Homicídios e de violência doméstica).
  4. Total desentendimento de como se dá a continuidade das políticas da SPM que não são de competência “natural” do Ministério da Justiça e Cidadania, tais como: saúde da mulher e direitos sexuais e reprodutivos; educação para o enfrentamento às desigualdades de gênero; autonomia econômica da mulher; mulheres em espaço de poder etc. Reflexo disso é o Memorando Circular nº 28/2016/DIDOC/GM assinado pelo Chefe de Gabinete que diz que: “por determinação do Exmo. Senhor Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, todo convênio a ser firmado ou prorrogado deve ter relação com o Plano Nacional de Segurança Pública, em algum de seus âmbitos (redução de homicídios, violência contra a mulher, racionalização do sistema penitenciário, segurança nas fronteiras)”.

Dando continuidade ao desmantelamento, após entendimento de que as servidoras da casa provenientes de concurso temporário realizado em 2009 não deveriam ter seus contratos anuais renovados – mesmo aquelas que ainda tinham possibilidade de renovação por mais de dois anos – a Secretaria perdeu e perderá nos próximos meses cerca de 15 pessoas (mais de 20% do atual contingente). O entendimento alegado à época foi de que o concurso voltava-se para um “projeto que já estava encerrado”. Considerando a Portaria Interministerial nº 34 de 2009 e o próprio Edital do concurso (Edital n° 01 do processo seletivo simplificado 01/2009 – SPM/PR), pode-se perceber que este projeto era o de estruturação da Secretaria.

Como o golpe é golpe, alguns esforços foram feitos pela Secretária golpista Fátima Pelaes e sua equipe a fim de não reconhecer os resultados obtidos na 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM). Para isso, na primeira reunião que tiveram junto ao Conselho Nacional de Direitos das Mulheres alegaram desconhecer o Relatório Final (que foi comprovadamente enviado por meio eletrônico e físico meses antes daquela reunião) e ainda colocaram em questão a legalidade de procedimento administrativo que resultou nos Relatórios Finais, envolvendo portanto, indisposição com organismo internacional, já que o processo foi todo feito por meio de Cooperação Internacional com a agência da ONU Mulheres (PRODOC). Está mais do que comprovado os resultados concretos e legais advindos da 4ª CNPM, porém até agora não foi dada autorização pela secretária golpista de publicização do documento.

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres torna-se portanto um espaço de disputa entre as forças políticas do golpe, ao mesmo tempo que se tornará palanque eleitoral da secretária golpista. Será lançado em dezembro e em parceria com o Ministério do Meio Ambiente o Programa Mulheres da Amazônia que, a partir de demanda legítima e necessária de atenção às mulheres da região, focará em encontros com lideranças comunitárias, organismos estaduais e federais a fim de atender demandas transversais de gênero. Não obstante a importância e a necessidade de atender a essas demandas, há fortes evidências de que o Programa servirá de projeção eleitoral da secretária que intenta candidatar-se a Senadora nas próximas eleições. O foco eleitoral é tão evidente que até o momento nenhuma servidora da equipe técnica foi consultada para auxiliar no planejamento ou mesmo na execução.

Outros efeitos perversos na política de mulheres: desestruturação de vários e importantes Organismos de Políticas para as Mulheres nos estados e municípios; interrupção de serviços nas Casas da Mulher Brasileira; adiamento da 11ª edição do Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero (sem concluir a publicação e a premiação da 10ª edição).

5.2 Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

A renovação da Portaria nº 611 até dezembro de 2016, obrigando que qualquer ação da SEPPIR que acarrete em custos diretos ou indiretos deva receber o aval do Ministro, tem feito com que processos simples se tornem muito demorados. É o caso, por exemplo, das cooperações internacionais: embora os recursos estejam disponíveis na conta das instituições parceiras, os pagamentos dos consultores e as novas contratações obrigatoriamente precisam da aprovação ministerial para acontecerem.

Também é o caso de muitos convênios celebrados com organizações não governamentais e com Estados e Municípios. Mesmo com o aval das áreas técnicas para sua renovação, vários deles perderam o prazo de aditamento em trâmites internos pouco interessados nos avanços que eles têm trazido para a melhoria das condições de vida da população negra. Não somente os projetos estão sendo interrompidos, como todo o dinheiro retornará aos cofres públicos sem responsabilização da União pelos prejuízos causados à política pública.

Não bastasse a ineficiência burocrática, a SEPPIR também será afetada pelo Memorando Circular nº 28/2016/DIDOC/GM, o qual delimita a celebração e a renovação de convênios ao Plano Nacional de Segurança Pública. Demonstra-se, assim, uma evidente dificuldade de inserção das pautas de combate ao racismo e de ações afirmativas no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania.

A SEPPIR também apresenta um quadro de esvaziamento de pessoal preocupante. O número de cargos vagos na estrutura decisória ainda é muito grande, impedindo que o órgão se articule e execute as pautas de sua responsabilidade. A maioria dos servidores nomeados em cargos comissionados não têm experiência na pauta racial, o que ou sobrecarrega os poucos servidores públicos efetivos que restaram no órgão, ou deixa áreas inteiras sem qualquer plano de trabalho consequente. Por fim, o número de trabalhadores terceirizados em exercício no órgão foi reduzido em 75% na última renovação contratual, a qual também rebaixou os seus salários sensivelmente. Assim, quando anda, a política de promoção da igualdade racial é feita a passos de tartaruga.

O Plano Brasil Quilombola e o Plano Juventude Viva, por exemplo, dois dos principais instrumentos de articulação institucional da SEPPIR entre os Ministérios e Estados e Municípios para a garantia da sustentabilidade dos quilombos e para a redução de homicídios de jovens negros estão à deriva. Ao mesmo tempo, não há nenhuma proposta institucional para que se coloque outra coisa em seus lugares, dando conta dos acertos e erros destas iniciativas.

Muito embora seja fruto das conquistas dos movimento negros, a SEPPIR, atualmente, não parece interessada em dialogar com eles. Na última reunião do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), a Secretária Luislinda Valois discutiu com os conselheiros; não apresentou nenhuma indicação sobre qual é o plano de trabalho da SEPPIR; e disse que ganha muito pouco para trabalhar no cargo que ocupa, devendo o movimento estar grato por ela exercer essa função (muito embora o teto de remuneração do poder executivo garanta à secretária um adicional à sua aposentadoria como desembargadora).

Nesse cenário, a política tende a fragilizar-se ainda mais, colocando em risco variadas conquistas dos últimos anos. E de afastar das demandas mais urgentes dos movimentos negros hoje: o fim do genocídio da juventude negra; e o encarceramento em massa de sua população.

6 Planejamento

Em meio ano de desgoverno, a agenda de destruição do planejamento no país se consolidou. A PEC do teto (PEC 55/EC 95) retirou sobremaneira a capacidade do Estado de conduzir políticas que consigam tirar o Brasil da grave crise econômica que se encontra. O ministro Dyogo de Oliveira, remanescente da equipe econômica do governo anterior, obediente aos comandos políticos de Jucá, o Breve, faz o dever de casa de operar a destruição do Estado em nome da redução de custos.

Com os horizontes limitados pela EC 95, segue em marcha a extinção da Secretaria de Planejamento. Já subsumida pela assessoria econômica do Ministério, o que restou da então Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos tende a ser suprimido, com a extinção de uma Diretoria de Planejamento Territorial e Temas Transversais. A nova Secretaria de Planejamento e Assuntos Econômicos se detém à assessoria imediata do ministro interino, que busca se consolidar no governo golpista, e deixa de pensar o futuro do país.

O fortalecimento da agenda em torno dos temas transversais foi elemento fundamental nas últimas gestões. O Brasil foi premiado na ONU por sua iniciativa de participação social no planejamento, com o Fórum Interconselhos fazendo o monitoramento participativo justamente das agendas transversais, que contemplavam as ações voltadas a públicos específicos, como juventude, mulheres, população de rua, LGBT, indígenas e povos tradicionais, idosos. O novo governo não indica que dará continuidade à iniciativa reconhecida internacionalmente, e a participação social no planejamento resta adormecida.

A gestão orçamentária e a elaboração do orçamento para 2017 revelaram de forma muito clara que a discussão em torno da crise fiscal foi uma falácia usada para justificar o golpe. É inegável que o déficit se ampliou durante 2016 como base para o governo Temer manter apoio no congresso e influenciar as eleições municipais de forma decisiva. Ainda, o orçamento de 2017, que já utiliza as novas regras fiscais, apresenta a maior previsão déficit já incorporadas nesse instrumento, de R$ 139 bi, embora menor que os mais de R$ 170 bi realizados em 2016. Ainda assim, o governo perpetua a versão de que a crise fiscal é a maior causa dos problemas brasileiros e esconde que, dentro do novo regime fiscal, o orçamento será inviabilizado.

Por seu turno, a pirotecnia em torno das operações do BNDES parece se dissipar. Agora, o banco reviu a sua política de suspender a carteira de financiamento às exportações, usada como peça de acusação ideológica de operações realizadas nos governos do PT. De outro lado, a devolução de R$ 100 bi do BNDES ao tesouro indica que sua atuação como Banco para o não desenvolvimento do país continua ativa, ainda mais que a totalidade dos recursos foram utilizados para o pagamento de juros da dívida. Nessa linha, não é de se estranhar que o governo tenha, mais uma vez, vetado a proposta de emenda à LDO de auditoria cidadã da dívida pública brasileira.

As avaliações de servidores que levantam preocupações com relação à agenda proposta pelo governo continuam sem espaço. Após as perseguições no IPEA aos colegas que fizeram apontamentos com relação aos efeitos nocivos da então PEC 241 (EC 95), o controle das publicações ficou ainda mais severo. Em paralelo, o Ministério do Planejamento lançou um código de ética com elementos inconstitucionais e ilegais que limitam a atuação dos servidores nas redes sociais e ameaçam considerar sua vida privada para a avaliação da sua vida profissional. A visão crítica dos servidores é perseguida dentro do Estado e o cerceamento da opinião ameaça até a esfera privada.

Ademais, o código de ética proposto pelo Ministério do planejamento é uma afronta à livre associação e liberdade sindical. Não restam dúvidas também que acompanha o movimento de alteração da relação com os servidores, com o fim das mesas permanentes de negociação. A retirada da folha de pagamentos dos dirigentes sindicais em licença para a atividades sindicais vem nessa linha, uma medida injustificada que cria constrangimentos e dificuldades para a organização sindical.

Essa é a tônica do atual governo: sem planejamento, sem participação, sem diálogo com os sindicatos e dispondo do orçamento à serviço dos juros, travando o acesso pleno a direitos sociais consagrados na Constituição.

7 Previdência Social

7.1 Amplitude da Política Previdenciária

A Previdência Social é considerada o maior patrimônio do/a trabalhador/a brasileiro/a. Considerada a maior política de redistribuição de renda do país, é reconhecida e premiada mundialmente. É a política pública estatal que garante cobertura de renda em situações que exigem proteção social dos/as trabalhadores/as quando perdem a capacidade de trabalho, seja pela doença, invalidez, idade avançada, morte e desemprego involuntário, ou mesmo em situação de maternidade e reclusão. Os próprios dados do extinto Ministério da Previdência Social, elaborados com base na PNAD/IBGE de 2015,3 mostram a abrangência da Previdência Social e seu impacto nos níveis de pobreza da população brasileira. Segundo estes, a cobertura previdenciária da população ocupada (16-59 anos) é de 72,5%, o que equivale a 62,8 milhões de pessoas que recebem algum benefício ou que contribuem para algum regime de Previdência. Já a cobertura da população idosa (60 e mais) é de 81,7%, ou seja, 24,0 milhões de idosos/as, uma das maiores coberturas previdenciárias de idosos no mundo. Os benefícios previdenciários e assistenciais (Benefício de Prestação Continuada- BPC e Renda Mensal Vitalícia-RMV) contribuem significativamente para a redução da pobreza, uma vez que retiram da linha de pobreza 28,2 milhões de pessoas em todo o país, o equivalente à redução de 14,1 pontos percentuais na taxa de pobreza. O INSS, autarquia que operacionaliza os benefícios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, está presente em cerca de 1.700 unidades de atendimento (Agências de Previdência Social-APS) em todos os estados brasileiros, prestando atendimento direto à população, que incluem 4 embarcações, chamadas de PREVBarcos, distribuídas entre os estados do Amazonas, Pará e Rondônia para atender a população ribeirinha de difícil acesso.

7.2 Extinção do Ministério e esquartejamento dos órgãos que tratam de Previdência Social

A Medida Provisória 726/2016, convertida na Lei nº 13.341, de 2016, desvinculou o Ministério da Previdência Social do Ministério do Trabalho e passou as atribuições previdenciárias ao Ministério da Fazenda, através da Secretaria de Previdência, criada dentro da estrutura da Fazenda. Ou seja, essa medida se traduziu na extinção do Ministério da Previdência Social, resumindo-o a uma secretaria, e no esquartejamento de suas atribuições e das instituições a ele vinculadas.

Com a Lei nº 13.341, de 2016, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ficou vinculado ao então Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), Ministério este que, legalmente e tecnicamente, não possui atribuições de normatizar, aperfeiçoar, sistematizar, avaliar e monitorar a política previdenciária, o que era feito pelo extinto Ministério da Previdência Social. Além disso, a Lei também transferiu a Previc, o Conselho de Recursos, o Conselho Nacional de Previdência Social – este que hoje, não à toa, é nomeado apenas como Conselho Nacional de Previdência – CNP, pois foi suprimido o “Social” de sua nomenclatura – e a Dataprev para o Ministério da Fazenda.

7.3 Proposta de Reforma da Previdência

Delegar para o Ministério da Fazenda as atribuições da política previdenciária teve como finalidade principal realizar uma reforma previdenciária baseada apenas em uma lógica fiscal atuarial, o que representa a retirada de direitos de milhões de brasileiros, garantidos constitucionalmente. A principal alegação do governo ilegítimo é o “déficit” nas contas da Previdência, um déficit totalmente questionável, uma vez que, dependendo da metodologia utilizada para elaborar esse cálculo, o resultado pode ser muito diferente. Segundo a Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP), a dívida ativa da Previdência Social já chega a R$ 340 bilhões, referentes ao que a Previdência deixar de arrecadar de empresas e trabalhadores que não pagam suas contribuições, um valor suficiente para cobrir o “rombo” estimado para 2016. Considerando que a Previdência integra o orçamento da Seguridade Social, estudos da ANFIP e de estudiosos do tema mostram que esse orçamento é superavitário ao longo de décadas e que o “déficit” é uma falácia para justificar o corte nas políticas de Seguridade Social. Das receitas previstas no Art. 195 da Constituição, que financiam a Seguridade Social, mais de 30% delas são apropriadas pelo orçamento fiscal para aplicação livre de vinculações, mecanismo conhecido como Desvinculação de Receitas da União (DRU). Além disso, as renúncias fiscais, só em 2016, somam R$ 69 bilhões.

Entretanto, quando o governo ilegítimo propõe uma reforma de previdência, sempre é a parte mais frágil que é afetada: os/as trabalhadores/as. As grandes empresas são as maiores devedoras da Previdência e as que mais lucram com a exploração de trabalhadores/as. Sabe-se que uma reforma é necessária, frente à conjuntura econômica e demográfica do país, mas uma reforma justa, que reveja suas bases de custeio e financiamento, hoje não cumpridas da forma que exige a Constituição Federal, uma reforma que não penalize o/a trabalhador/a, favorecendo o empresariado, que reconheça e considere as desigualdades regionais, trabalhistas e de remuneração da população urbana e rural, de homens e mulheres e das diversas categorias. Uma reforma que acabe com privilégios das grandes empresas, a começar pela revisão da desoneração da folha de pagamentos, das renúncias fiscais e da cobrança da dívida ativa da Previdência.

A proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso através da PEC 287/16 é um ofensivo ataque à classe trabalhadora desse país. Com as medidas propostas, serão penalizados principalmente os mais pobres e/ou vulneráveis: trabalhadores/as rurais, população idosa, mulheres e professores. Enquanto isso, a proposta de reforma excluiu os militares, responsáveis por quase metade do “déficit” do Regime dos servidores públicos da União. Segundo estudo feito pelo consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, o déficit dos militares no ano de 2015 foi de R$ 32,5 bilhões, o equivalente a 44,8% do “déficit” de R$ 72,5 bilhões da previdência da União, já dos civis foi de R$ 40 bilhões.

A seguir, estão listadas apenas algumas das principais propostas de reforma de Previdência, que foram encaminhadas ao Congresso. Em virtude das estratégias de mobilização social e manifestações de centrais sindicais, movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil, o (des) governo recuou em alguns pontos, mas, ainda assim, mantém a essência da Reforma proposta, que é de penalizar o/a trabalhador/a e as classes sociais menos favorecidas, em detrimento do favorecimento de grandes empresas e bancos, com o objetivo de estimular os regimes de previdência privada, semelhante ao que ocorre no SUS: desmontar o sistema público para estimular e favorecer os sistemas privados.

Proposta inicial Substitutivo
Idade mínima de 65 anos para aposentadoria, para homens e mulheres, e 25 anos de tempo mínimo de contribuição. Aposentadoria aos 65 anos de idade, para homens, e 62 anos, para as mulheres, e 25 anos de tempo mínimo de contribuição.
Para trabalhadores/as rurais, aposentadoria as 65 anos de idade para homens e mulheres, com 25 anos de tempo mínimo de contribuição. Aposentadoria aos 60 anos de idade, para homens e mulheres, e 20 anos de tempo mínimo de contribuição para trabalhador/a rural em regime de economia familiar.
Para conseguir aposentadoria integral, serão necessários, no mínimo, 49 anos de contribuição, tempo este que poderá ser aumentado anualmente, conforme crescimento da taxa de sobrevida. Tempo mínimo de 40 anos de contribuição para fins de aposentadoria integral, tempo este que poderá ser aumentado anualmente, conforme crescimento da taxa de sobrevida.
Redução de 50% do valor da pensão por morte, mais 10% por dependente, para todos os/as segurados/as, com desvinculação do salário mínimo. Continua igual, porém com vinculação ao salário mínimo.
Impossibilidade de acumulação de pensão com aposentadoria, independentemente do valor do benefício. pelo de maior valor. Possibilidade de acumulação de pensão e aposentadoria de até 2 salários mínimos, para os demais casos, possibilidade de escolha
Desvinculação do BPC do salário mínimo e elevação de idade para 70 anos para idosos/as. Vinculação do BPC ao salário mínimo e idade de 68 anos para idosos/as.

O teor completo da proposta de reforma se encontra na PEC 287/2016, encaminhada ao Congresso Nacional. Como já frisado, a reforma, embora já alterada da proposta original, via negociações no Congresso, em momento algum propõe medidas estruturais de aumento de receitas; não trata da dívida ativa da Previdência Social, tampouco revê renúncias fiscais. É um verdadeiro ataque às classes sociais menos favorecidas. Além disso, desconsidera as diversidades regionais, trabalhistas, de gênero, salariais e de condições de trabalho. É um verdadeiro estímulo aos planos de previdência privada e complementar. Trata-se da continuada investida de redução do Estado, via privatização. Uma proposta de reforma que não foi discutida com representantes da sociedade civil (aposentados, pensionistas, trabalhadores/as do campo e da cidade, sindicatos, movimentos sociais), mas foi amplamente discutida com bancos, empresas privadas (incluindo as de previdência privada), entidades patronais e até com líderes do Movimento Brasil Livre-MBL.

7.4 Desmonte do INSS

Como se não bastasse a extinção do Ministério da Previdência Social e a proposta de reforma da Previdência, os desmontes chegaram também ao Instituto Nacional do Seguro Social- INSS. O governo ilegítimo exonerou a presidente – servidora de carreira do órgão – e os cinco diretores do INSS, agora vinculado ao MDSA. Foi nomeado para presidente o político Leonardo de Melo Gadelha, que alcançou uma suplência para Deputado Federal, assumindo o cargo em dezembro de 2011, onde permaneceu até março de 2014. Gadelha é mais um parlamentar da bancada evangélica da Câmara, defensor de fundamentalismos religiosos, em detrimento de políticas públicas universais, e que agora está à frente de um órgão de tamanha magnitude e importância para a população brasileira.

Com a publicação da MP 731/2016 (especificamente no parágrafo 1° do artigo 2° desta), o INSS virou cabide de empregos para políticos que não têm o menor compromisso, nem competência técnica para atuar na política previdenciária. Um exemplo disso aconteceu na cidade de Aracaju/SE, onde foi nomeado para o cargo de Gerente Executivo do INSS o vice-presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB), o pastor Aristóteles Fernandes, que não possui formação técnica para assumir cargo de chefia, e ainda contraria o Decreto 7556/2011 e a Portaria INSS 387/2015, que exigem que as funções  de Superintendente, Gerente Executivo, Gerente de APS, Chefias e Supervisores só podem ser ocupadas por servidores do quadro do Instituto. Vale apontar que tanto a referida Portaria, quanto o Decreto, não foram revogados, portanto deveriam ser seguidos, o que evidencia mais uma das práticas ilegais do governo ilegítimo.

O festival de exoneração e nomeação de chefes de agências do INSS (e demais cargos nas gerências e superintendências) no país inteiro é visível todos os dias do Diário Oficial da União (DOU). Servidores públicos capacitados tecnicamente estão sendo substituídos por indicações políticas sem o mínimo de preparo técnico-profissional para atender as demandas da autarquia.

Com a Medida Provisória nº 739 de 2016, o governo estabeleceu a revisão imediata do auxílio-doença e da aposentadoria concedida por invalidez. Determinou também que o auxílio-doença fosse concedido com a pré-determinação de tempo. Caso tal estimativa não fosse feita, o auxílio-doença teria duração de 120 dias, como se o prazo para o término de uma incapacidade para o trabalho pudesse ser estabelecido em uma quantidade exata de dias. Além disso, A MP instituiu o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BESP-PMBI), no valor de R$ 60,00 por cada perícia médica realizada em benefícios não periciados pelo INSS há mais de dois anos. Essa medida desconsidera totalmente a perícia social, feita pelo serviço social do INSS, que é feita para benefícios como o BPC e aposentadorias para pessoas com deficiência, o que evidencia a rejeição dos determinantes sociais, levando em consideração apenas os fisiológicos. Sabe-se que uma revisão de benefícios é necessária e deveria ser contínua, mas não se pode culpar o beneficiário pela falta de monitoramento e acompanhamento dos benefícios por parte do INSS, que não o faz por falta de condições de trabalho e de pessoal suficiente para atender as demandas do órgão como um todo.

7.5 Referências

8 Relações Exteriores

Muito já se disse em favor de uma política externa entendida como uma política de Estado e, portanto alegadamente impermeável a interesses partidários e ideológicos. O que essa aparente dicotomia tenta ocultar é que as burocracias podem ser mais ideológicas do que partidos e que não submeter a política externa às arenas democráticas, sejam elas participativas ou representativas, é na verdade tornar a política externa impermeável à vontade popular e, portanto, autoritária.

Durante pouco mais de 500 anos prevaleceu à narrativa de que a política externa brasileira fora conduzida como uma política de Estado, e, portanto atendia aos interesses nacionais. Contudo, uma análise ainda que superficial da historiografia das relações internacionais do Brasil deixa evidente que, via de regra, os interesses nacionais não foram definidos por meio de eleições, como deve ser em uma democracia, mas sim foram confundidos com os interesses dos grupos políticos e econômicos que controlam o país, muito bem representados por uma casta burocrática oriunda em sua maioria desses mesmos setores.

A nomeação de José Serra para conduzir a política externa do governo ilegítimo não foi algo casual. Não se trata de mera acomodação de interesses partidários ou prêmio de consolação pela perda da condução da economia. A nomeação obedece uma calculada estratégia destinada a criar as condições para tornar perene e sólida a pretendida restauração do neoliberalismo tardio no Brasil.

Todos sabem que as políticas internas influenciam a condução da política externa. significativos na inserção internacional do país. O que não é óbvio, por outro lado, é que a política externa e a inserção internacional do país também condicionam fortemente a condução das políticas internas. Na realidade, em alguns casos, a política externa pode criar balizamentos estreitos e irreversíveis para a condução das políticas internas. Pode até impedir, ou tornar muito difícil, a implantação de políticas autônomas relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico, ao desenvolvimento industrial e ao desenvolvimento socioeconômico como um todo.

Em síntese, a política externa e a forma de inserção no cenário mundial podem contribuir fortemente para tornar o Brasil, de novo, um país periférico, condenado a políticas neoliberais moldadas pelo capital financeiro internacional, que gera mecanismos de dependência de difícil reversão, uma vez sedimentados em instrumentos aparentemente neutros e “técnicos” dos tratados internacionais.

A relação dialética entre política externa e política interna fica ainda mais evidente quando observadas as manifestações dos Relatores Especiais das Nações Unidas para Extrema Pobreza e pelo Direito à Educação de que a adoção da PEC 55/EC 95 seria inteiramente incompatível com as obrigações de direitos humanos do Brasil.

Nesse sentido amplo, José Serra, por suas posições conhecidas em temas de política externa, é o “homem certo no lugar certo” para criar as condições que tornem o neoliberalismo tardio não uma opção a ser escolhida em eleições livres e diretas, mas em imposição a ser cristalizada em acordos internacionais e em uma inserção subalterna do Brasil nas “cadeias internacionais de valor”. Para tanto, algumas diretrizes já parecem delineadas.

O inquilino do Itamaraty já manifestou, por diversas vezes, que considera que o Mercosul foi um “delírio megalomaníaco, uma farsa, que paralisou a política de comércio exterior brasileira”. Tal tese não tem nenhuma base nos dados empíricos. Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as exportações brasileiras saltaram para US$ 32,4 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 617%, ampliando mais de sete vezes, em apenas 11 anos. Saliente-se que, no mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme os dados da OMC, foi de 180%. Ou seja, o crescimento das exportações intrabloco foi, no período mencionado, muito superior ao crescimento das exportações mundiais.

Não bastassem os dados supracitados, a aproximação com a oposição Venezuelana, um dos mais importantes parceiros comerciais do Brasil dentro do bloco, e os esforços de buscar a suspensão daquele país do MERCOSUL tornam ainda mais claras as motivações ideológicas na implosão do bloco promovida pelo Tucano.

Serra também deu claros sinais de intenção de reduzir a importância dada à cooperação Sul-Sul e a celebração de parcerias estratégicas com países emergentes. Em diversas ocasiões, o Ministro classificou tais relações como “ideológicas e terceiro-mundistas”, que impediriam que o Brasil se integre mais aos países que “verdadeiramente importam”, como os EUA e os europeus. Da mesma forma, o chanceler interino manifestou intenção de fechar Embaixadas brasileiras na África e no Caribe, com o intuito de reverter o processo de expansão da presença brasileira em países fora do eixo Europa-EUA.

Essa avaliação revela um grande desconhecimento das profundas mudanças geoeconômicas e geopolíticas pelas quais o mundo passou nos últimos 20 anos. O Brasil aproveitou-se bem, de forma pragmática, dessas mudanças geoeconômicas. No período de 2003 a 2013, as exportações brasileiras para os países em desenvolvimento cresceram fantásticos 515%, ao passo que nossas exportações para os tradicionais parceiros desenvolvidos aumentaram apenas 166%. Quanto aos saldos obtidos, as informações são ainda mais ilustrativas: o saldo acumulado com os países em desenvolvimento, com o Sul geopolítico, foi 9 vezes maior que o obtido com os países desenvolvidos. Esses saldos extraordinários foram de fundamental importância para reverter a vulnerabilidade externa da nossa economia, herdada do período neoliberal.

Com a escusa de fazer o Brasil participar das “cadeias globais de valor” e romper com o “isolamento imposto pelo Mercosul”, a ideia é firmar acordos comerciais de “nova geração”, como a Trans Pacific Partnership (Tratado Trans-Pacífico, ou TPP, sigla em inglês) e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP). Tanto a TPP quanto a TTIP são propugnados essencialmente por iniciativa dos EUA, com idênticos objetivos. São dois mega-acordos que colocam os EUA no centro das iniciativas econômicas e comerciais, objetivando maior projeção de seus interesses no mundo. O problema, além da assimetria óbvia entre as partes em negociação, está no fato de que esses acordos não são simplesmente acordos de livre comércio. Eles contêm cláusulas que vão muito além dessa dimensão. No caso do TPP, dos 29 capítulos, apenas 5 dizem respeito a comércio de mercadorias.

Na realidade, as novas regras inseridas nesses acordos já negociados ou em negociação visam: promover a abertura do setor internacional de serviços (inclusive serviços públicos, expondo-os a concorrência de grandes fornecedores internacionais); impor normas mais rigorosas de proteção à propriedade intelectual (reduzindo as flexibilidades que permitem, por exemplo, que o Brasil desenvolva sua política de medicamentos genéricos e de combate a AIDS), incluindo a ampliação da matéria patenteável; abrir o setor de compras governamentais à concorrência internacional; e, principalmente, instituir um direito dos investidores, em detrimento das prerrogativas dos Estados Nacionais de controlarem os fluxos de capitais. Um acordo desse tipo daria aos investidores estrangeiros vários privilégios, como o de exigir do Estado nacional reparações financeiras, caso as suas expectativas de lucro sejam diminuídas ou frustradas por ações governamentais, e o de poder acionar unilateralmente o Estado receptor dos investimentos em tribunais internacionais, passando ao largo dos tribunais locais, na eventualidade de surgirem quaisquer conflitos relativos aos seus investimentos.

Vale mencionar também que a legitimidade do governo interino e, consequentemente, de seu chanceler é questionada por diversos países e organismos regionais, como UNASUL, CEPAL, Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), OEA e o Parlamento Europeu. Em contradição com princípio da Constituição (Art. 4o, parágrafo único), um dos primeiros atos do chanceler interino foi a publicação de notas desrespeitosas, em tom flagrantemente contrário à tradição diplomática do Itamaraty, como reação às manifestações de países da região de repúdio ao golpe. A iniciativa, além de solapar o projeto de integração regional, chega à vulgar ameaça de suspender projetos de cooperação técnica que se destinam a assegurar a vigência de direitos fundamentais nesse países.

Também chama a atenção o notório uso da posição de Chanceler para impulsionar os próprios objetivos políticos e partidários de José Serra. Além de flagrante aparelhamento do Escritório Regional do MRE em São Paulo (ERESP), onde foi solicitada uma expansão de espaço recém-reformado (para abrigar Chanceler e sua equipe) e lotação de funcionários em regime comissionado sem vínculo com o Itamaraty, a sua ausência em compromissos da agenda oficial já é notada até pela grande imprensa. Sobre este último, Serra deixou de tornar pública a própria agenda, em claro desrespeito à Lei de Acesso à Informação e ao princípio da transparência na administração pública. Da pouca informação tornada pública, fica evidente a prioridade dada a pauta comercial na política externa do psdebista. Por fim, Serra abandona a pasta, alegando problemas de saúde, após ser citado como alvo de recebimento de caixa dois, nas delações dos dirigentes da Odebrecht, nos autos da Lava-jato…

Outro flagrante retrocesso foi a extinção, na nova estrutura do MRE, da Coordenação Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome, unidade que encabeçou a agenda de cooperação brasileira em matéria de segurança alimentar e nutricional e rendeu ao país alguns dos seus maiores logros diplomáticos como a eleição de um brasileiro ao cargo mais importante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. A segurança alimentar e nutricional cumpriu papel importante no resgate das pautas democráticas e populares, de 2003 a 2010, tanto no âmbito interno quanto externo. De fato, no contexto internacional o Brasil tornou-se a principal referência em segurança alimentar e nutricional, expandindo o conceito para a soberania alimentar.

Esse êxito internacional deve-se aos logros internos e à política externa, que negociou tratados multilaterais e desenvolveu projetos de cooperação que retroalimentaram as conquistas internas, ampliando-as e legitimando-as ainda mais. Vale notar que teoria e prática balizaram a atuação internacional brasileira nesse campo, em um processo dialético de grande riqueza teórica e prática, como atestam os objetivos e os métodos inovadores alcançados pela cooperação humanitária brasileira em segurança alimentar e nutricional, naquele período.

Com efeito, buscou-se evoluir de políticas de Governo para políticas de Estado, visando à imanência. Sob o golpe de estado, parlamentar-jurídico-midiático, fica ainda mais patente que a política externa depende diretamente da interna; que uma postura neo-colonial desconstrói a atuação externa e esta, por sua vez, extingue, paulatinamente, a própria política nacional de segurança alimentar e nutricional, que, ao deixar de ser soberana, caminha para a extinção gradativa, em benefício do centro de poder internacional e em prejuízo da Nação brasileira e de toda a comunidade internacional.

8.1 Referências

9 Sistema Único de Saúde (SUS)

O Sistema Único de Saúde (SUS), apesar dos seus poucos 25 anos de existência, é considerado um dos maiores e mais robustos sistemas públicos de saúde do mundo. Fruto da luta de movimentos sociais de trabalhadoras/es e gestoras/es da saúde, academia e usuários, o SUS oferece hoje acesso gratuito e universal a ações de saúde para qualquer cidadão brasileiro, independentemente de contribuição específica ou de vínculo empregatício (como ocorria no antigo INAMPS). Consultas com médicos, dentistas, fisioterapeutas, homeopatas, acupunturistas, dentre outras profissões e práticas, exames, vacinas, ações de vigilância sanitária, assistência farmacêutica, transplantes e cirurgias são apenas algumas dentre as milhares de ações e serviços de saúde realizadas cotidianamente nos municípios brasileiros.

Existem problemas também, é verdade, como podemos citar, no gargalo de acesso a algumas especialidades, procedimentos e exames de média complexidade. Mas para resolvê-los e continuar o fortalecimento e a qualificação do SUS, há que se investir ainda mais, e não propor medidas para o desmonte do Sistema, como o ministro da saúde, Ricardo Barros fez desde seus primeiros dias de gestão. Alguns trechos da sua entrevista para a Folha de São Paulo em 17 de maio de 2016 e da coletiva para a imprensa em 13 de maio de 2016 ilustram essa tendência: “(…) o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante – como o acesso universal à saúde – e que será preciso repensá-los.” Ou ainda: “Quanto mais gente puder ter planos, melhor, porque vai ter atendimento patrocinado por eles mesmos, o que alivia o custo do governo em sustentar essa questão.”

Essa afirmação é falsa, pois fortalecer o sistema privado de atendimento à saúde fortalece instituições cujo principal objetivo é o lucro e não a saúde. Ou seja, sem investimentos em prevenção e promoção da qualidade de vida, a população adoece mais e precisa mais do Sistema de Saúde. Além disso, a maioria dos planos de saúde não oferece cobertura para as situações mais complexas e isso faz com que as pessoas, mesmo tendo plano privado, necessitem do SUS em algum momento.

Os planos privados, além disso, geralmente funcionam como um mercado, em que o consumidor vai selecionando as ofertas de acordo com o que avalia individualmente, sem uma atuação de prevenção e de forma descontinuada, sem um olhar para as necessidades de saúde de maneira mais integral. Isso gera custos e principalmente riscos excessivos ao cidadão que se submete a terapias fragmentadas, exames que geram danos desnecessários diretos, como exposição à radiação, ou indiretos, em função de avaliações subsequentes baseadas em rastreamento sem justificativa científica.

O SUS é um sistema de Estado, não de governo, e assim, pelo seu interesse público, não pode ser subjugado a mero mediador de serviços prestados por terceiros. É preciso lutar por uma saúde que promova autonomia, em uma lógica de produção de cidadania e que não cabe num modelo de mercado.

Um sistema previsto constitucionalmente, como política universal com organização de serviços e ações em diversos níveis de atenção à saúde, promoção e proteção à saúde, além de vigilância, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a partir das iniciativas de Ricardo Barros, passa a ser um mero “regulador” de serviços destinados a quem tem condições de pagar por um plano privado. Esta proposta não é novidade e tampouco bem-sucedida: basta resgatar o Brasil na época do INAMPS ou conhecer experiências de outros países, a exemplo dos Estados Unidos, que possui sistema totalmente baseado em seguros privados e apresenta péssimos indicadores, apesar de destinar percentual relativamente alto do PIB para a saúde.

Com o que já é realizado e ainda com avaliações de que o próprio acesso ao SUS ainda precisa ser ampliado e qualificado, não há como se falar em redução do SUS. Ao contrário, é preciso maior orçamento para a saúde pública, ampliação e qualificação do atendimento à população, e também, melhorar a gestão e execução dos recursos. Não é isso que tem se visto desde os primeiros momentos da gestão ilegítima.

Não bastasse um ministro que pouco entende de saúde (cabe lembrar que é engenheiro de formação, com carreira grandemente dedicada a cargos políticos), nomeia-se para a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), secretaria que gerencia aproximadamente 70% do orçamento do Ministério da Saúde, um administrador com trajetória de gestão e representação de entidades filantrópicas, Francisco de Assis Figueiredo. É notável a trajetória do novo secretário em iniciativas de relação “público-privado”, que, na saúde, expressam-se nas contratações de entidades filantrópicas para prestação de serviços pelo SUS e na criação de Organizações Sociais, que têm se espalhado fortemente na gestão de serviços e sistemas locais. Com a promessa de trazer eficiência para a gestão pública, na prática cobram altas taxas administrativas, precarizam relações de trabalho e possuem fluxos para recebimento e aplicação de recursos públicos pouco transparentes e com pouco ou nenhum espaço para o controle social, como previsto nas diretrizes do SUS.

É discussão antiga, no SUS, o quanto as entidades filantrópicas ocupam exagerado espaço da prestação de serviços em saúde pública, o que não deveria ocorrer, caso houvesse maior financiamento diretamente aos serviços públicos. Ou seja, há claramente uma disputa sobre o direcionamento dos recursos, sendo que o controle sobre os serviços filantrópicos é muito menor no que se refere a formas de acesso da população, diretrizes de atendimentos, integração com a rede de atenção à saúde local e aplicação do recurso público recebido. Além disso, o lobby das entidades filantrópicas sobre parlamentares e mesmo sobre gestores no Ministério da Saúde é muito grande, sendo frequentes os acordos de repasses de recursos feitos a portas fechadas e sem subsídio técnico, enquanto os serviços de gestão pública recebem apenas os incentivos e recursos regulares baseados na tabela de procedimentos do SUS e repasses por serviços específicos. Um exemplo foi o anúncio, em setembro, de incremento de mais de R$ 370 milhões/ano para entidades filantrópicas diretamente, além de R$ 141 milhões para emendas parlamentares que também beneficiam esses estabelecimentos. Portanto, essa escolha para o cargo de Secretário de Atenção à Saúde, o mais importante em termos de ações de saúde e de execução orçamentária, após o ministro, reforça que a visão prevalente é de diminuir o SUS, se não, desmontá-lo de maneira irrefreada.

Para além disso, os altos escalões do governo ilegítimo seguem a empreitada de desmonte do SUS, por meio do estímulo à criação de Planos Populares de Saúde, tendo até mesmo criado grupo de trabalho (Portaria GM/MS 1.482, de 04 de agosto de 2016) para tratar do tema, que recentemente apresentou seu produto para a Agência Nacional de Saúde Suplementar, prevendo uma série de mudanças em relação às regras de ofertas mínimas de serviços e prazos para acesso. Ou seja, justamente em itens que já geram alto número de reclamações pelos atuais usuários de planos de saúde, o próprio governo propõe ainda maiores flexibilização, demonstrando claramente que está do lado das empresas do setor e não da população.

A Constituição Federal, no artigo 199, dispõe que “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste.” Ou seja, ainda que a luta dos movimentos da Reforma Sanitária brasileira não tenha sido exitosa em manter a saúde como área de ação exclusiva do Estado, o setor privado foi mantido como ação complementar ao Estado, portanto, deveria ser acessado apenas nos casos de insuficiência dos serviços públicos. Não bastasse o descumprimento histórico da constituição, dada a atuação muito mais ampla da iniciativa privada do que deveria, o ministro golpista vem, reiteradas vezes, defendendo que haja ainda maior participação da saúde suplementar, inclusive promovendo a criação dos planos de saúde populares.

Chama atenção ainda a tendência que Barros têm de identificar bons resultados, ou mesmo resoluções fáceis para problemas com planos de saúde, em comparação com a visão sempre desqualificante do SUS. Frases como: “O atendimento vai ser muito bom, dentro do que for contratado” e “A pessoa não é obrigada a ter o plano. Se não estiver satisfeita, rescinde o contrato” demonstram o desconhecimento (ou a condescendência) em relação aos notáveis índices de insatisfação da população usuária de planos de saúde. Vale destacar que não é à toa este forte incentivo do governo interino aos planos privados de saúde: um dos grandes financiadores da campanha de Barros para deputado federal pelo Paraná em 2014 foi Elon Gomes de Almeida, sócio do Grupo Aliança, administradora de benefícios de saúde. Mais recentemente outras ligações bastante suspeitas foram identificadas entre Barros e o famigerado empresário Paulo Otávio. Além de situação por si só bastante obscura que envolve aluguel de prédio para realocação de setores do MS realizado sem licitação, ainda que com cifras na casa de 30 milhões de reais, recentemente foi noticiado em matéria de revista de grande circulação que o empresário financiou a campanha da esposa de Barros, que concorreu como vice ao governo do estado do Paraná.

Passados mais de meio ano do início da gestão, torna-se cada vez mais notável a inabilidade de Barros em lidar com questões de saúde (ou habilidade de fazer negócios com saúde pública…). Se ao assumir o cargo por diversas vezes falou que o que tinha condições de dizer era que havia necessidade de maior eficiência na gestão e no gasto público, dado que ainda precisava se apropriar das ações do MS, o ministro ainda tem dificuldades de mencionar resultados de saúde para as iniciativas, mesmo as que considera prioritárias. Ao falar da agenda de fortalecimento da integração dos sistemas de informação em saúde, ao invés de apontar potencialidades dessa integração para a melhoria do SUS e principalmente para o atendimento à população, como diminuição em tempos de espera para consultas e exames, atendimentos mais qualificados por acesso a informações dos contatos do cidadão com os diferentes pontos da rede, Barros apenas consegue mencionar que a integração serve para evitar fraudes. Coroando essa visão, ao lançar nova versão do prontuário eletrônico desenvolvido pelo MS para uso pelos municípios, colocou prazo de 60 dias para que todos adotassem esse prontuário ou outro programa de prontuário eletrônico, desconsiderando completamente as condições dos municípios para cumprir a determinação. Bastava Barros verificar como estava sendo a experiência real dos municípios, em que mesmo os mais eficientes na busca de qualificação da gestão e do sistema de saúde local levaram muito mais do que 60 dias para implantação de prontuário eletrônico, considerando todas as questões estruturais (incluindo acesso à internet, que ainda não é acessível a todos os municípios brasileiros) e de treinamento das equipes de saúde para uso da ferramenta.

Naturalmente, percebendo que as perdas políticas iam ser muito grandes pelos efeitos que iria causar, ao determinar que fossem suspensos os repasses federais para todas as equipes que não tivessem com prontuário eletrônico, Ricardo Barros recuou. Referiu em evento público para gestores da atenção básica que os municípios que não estivessem em uso do prontuário eletrônico poderiam justificar a inviabilidade para garantirem a continuidade do repasse. Resta portanto a questão sobre quais de fato são as prioridades e intenções: seria esse prazo mais uma ação para se colocar na mídia como um gestor determinado e eficiente? Seria uma forma de mais uma vez garantir maior espaço ao mercado privado, forçando municípios a comprarem ferramentas privadas ao invés de utilizar a própria oferta do Ministério da Saúde? Fica claro, entretanto, que a prioridade não é garantir atendimento qualificado à população.

Mais recentemente, já surgem boatos inclusive de que as soluções desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, em parcerias com outras entidades, para sistemas de informação, como o e-SUS Hospitalar, serão abandonadas. A alegação é de que seria mais barato adquirir soluções de mercado. O que fica sem explicação é como que serão pagas as licenças de uso das ferramentas de mercado e principalmente, o que se fará com as dezenas de milhões de reais já empregadas no desenvolvimento de ferramenta com base em software público, criadas justamente para que os estabelecimentos públicos de saúde pudessem usá-la gratuitamente.

A mesma instabilidade ocorreu em relação ao Programa Mais médicos. Desde a tomada de poder pelos golpistas, o Programa é alvo de diversos comentários e análises superficiais e equivocadas, como a de que o programa precisava passar a privilegiar os médicos brasileiros (desconsiderando que as regras desde o início já privilegiam médicos brasileiros). É notável que houve certo recuo do ministro nas afirmações de fim do programa, possivelmente em decorrência de manifestações de municípios que passaram por eleição municipal e que se prejudicariam em grande medida com a saída dos médicos neste momento. Em entrevista à Folha de São Paulo, o ministro novamente já demonstrou suas intenções com o programa, mencionando que precisava acabar, uma vez que a provisão de profissionais é atribuição do município. Ora, se foi necessário criar vagas em 4.058 municípios brasileiros, é porque não se trata de um problema isolado, que municípios, especialmente os pequenos e com receita baixa, conseguirão resolver isoladamente, sem apoio de estados e união. Assim, em ambos os casos que é mais relevante é que em momento algum a preocupação maior é com o atendimento a população.

Para além das fronteiras do Ministério da Saúde, o governo golpista demonstra suas intenções de desmonte do SUS e ataque à saúde pública. Um exemplo foi a sanção de Temer à lei 13.301 que autoriza a pulverização de aérea com agrotóxico em áreas urbanas, desconsiderando diversos pareceres técnicos e áreas do Ministério. Envolve tanto os riscos dessa ações, quanto a não comprovação de eficácia é mais uma evidência de um governo toma claramente o lado das grandes corporações e não um governo que busca o conhecimento técnico e eficiência, como alegam os golpistas.

Por fim, e como grande golpe que inviabiliza grande parte das políticas sociais, o desgoverno Temer apresentou PEC, agora EC 95, que limita as despesas primárias da União ao crescimento do IPCA, tendo validade por vinte anos. Além de ser uma medida crítica desde sua concepção, uma vez que trata de gastos com políticas sociais que garantem direitos básicos, como acesso à saúde e educação como se fossem opcionais, seus efeitos vão muito além das ações da União. Aproximadamente 60% do orçamento do governo federal para a saúde é composto por transferências a estados e, principalmente, municípios, para que os serviços de saúde sejam prestados à população. Assim, o congelamento dos gastos incide diretamente na prestação de diversos serviços à população, sendo que obviamente quem sentirá maior impacto é a população com menor renda, que depende de maior número de ações do Estado.

Se a saúde fosse uma casa, a PEC seria uma bomba que destruiria as paredes, fazendo com que piso e teto fossem a mesma coisa. A PEC transforma o piso, o valor mínimo a ser investido nas ações e serviços públicos de saúde em teto, uma vez que fará com que as paredes, os recursos financeiros a mais que poderiam ser alocados não existam. Como resultado, o valor por pessoa garantido para o gasto federal do SUS será cada vez menor, já que a demanda por serviços aumentará e o financiamento não, com piora do acesso e da qualidade.

Os recursos deixarão de existir porque a PEC coloca um teto para as despesas sociais, então mesmo que o país cresça economicamente, nada desse crescimento poderá chegar para as despesas sociais, só poderá ir para as despesas financeiras, que são aquelas com dívida e juros.

Com o congelamento do teto de despesas, os próximos presidentes da república não poderão definir o quanto o governo vai gastar, a não ser que mudem a constituição novamente. As eleições perderão o sentido. Não importará o quanto o povo e o governo queira mudanças, todos estarão limitados pela PEC do teto dos gastos por 20 anos.

Ao mesmo tempo em que congela o piso da saúde, o governo lança a ideia do plano popular de saúde, com cobertura reduzida. Nos momentos em que os usuários precisarem de um atendimento mais complexo, ou mesmo um exame ou procedimento que o plano não cobre, terão que recorrer ao SUS, que terá menos recursos por habitante para atender a população. Além disso, as políticas que buscam minimizar a desigualdade no acesso e que possuem determinadas especificidades, tais como saúde da população negra, cigana, LGBT, em situação de rua e das populações da água, campo e floresta poderão ser apagadas o que potencializará a situação de iniquidade desses grupos.

Se o Ministério da Saúde nos últimos 15 anos tivesse seguido a regra da PEC, ao invés da regra da EC 29, teria hoje pouco mais da metade dos recursos que tem. Não teria sido possível implantar o SAMU, nem aumentar a cobertura do Saúde da Família de 30% para 55%, nem estruturar o Farmácia Popular e o Saúde Não Tem Preço. Também não teria sido possível expandir o atendimento e estruturar o SUS nos estados e municípios, que recebem cerca de dois terços dos recursos do MS. É como se diante da restrição orçamentária, o acesso ao SUS deixa de ser universal e integral, ficando restrito a pessoas com doenças e agravos de baixo custo.

Se desde os primeiros dias de governo, as ameaças de desmonte do SUS foram livremente disseminadas, na sequência do mandato golpista, o ministro e sua equipe estão de fato colocando em prática essas intenções. Obviamente, que na maioria dos casos, não será por meio de decretos que determinem o fim de programas e ações, mas sim por meio de cerceamento técnico, contingenciamento orçamentário e demais manobras que levam ao esfacelamento do SUS e o fortalecimento da assistência privada à saúde.

9.1 Referências

10 EC 95 – o novo Regime Fiscal: teto de gastos públicos e redução do papel do Estado

Em 15 de junho de 2016, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição que insere uma série de dispositivos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que visam instituir um Novo Regime Fiscal (NRF) no âmbito da União. A medida mais importante é estabelecer um “teto de gastos” para o conjunto das despesas primárias, basicamente congelando o seu valor real por vinte anos. O objetivo declarado é “reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que, nos últimos anos, foi colocado o Governo Federal”. Na Câmara dos Deputados foi protocolada como PEC 241/2016. Depois de admitida pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, foi analisada em Comissão Especial, onde a relatoria coube ao Dep. Fed. Darcísio Perondi (PMDB/RS). Este apresentou Substitutivo no dia 04 de outubro, que foi aprovado na Comissão e depois no Plenário em dois turnos (10 e 25 de outubro). Enviada ao Senado sob a designação PEC 55/2016, a proposta foi aprovada sem modificações em primeiro turno no dia 29 de novembro, sendo aprovada por fim, no dia 13 de dezembro de 2016 e promulgada como Emenda Constitucional nº95.

10.1 O que é o Novo Regime Fiscal?

O dispositivo central da PEC é estipular um teto para a despesa primária total4 de cada um dos poderes e órgãos autônomos – Poder Executivo, Poder Judiciário, Poder Legislativo (inclusive o Tribunal de Contas da União), Ministério Público da União e Defensoria Pública da União. O conceito de despesa primária exclui as despesas financeiras – cuja maior parte consiste no pagamento dos juros da dívida pública.

Para cada um desses poderes, o teto corresponde (a) para o exercício de 2017, à despesa primária realizada no exercício de 2016, corrigida pelo índice de 7,2%, que corresponde à inflação prevista para 2016 no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2017; e (b) a partir de 2018 até 2036, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pelo IPCA acumulado em doze meses até junho do exercício anterior ao orçamento em questão. Por exemplo, o teto de despesas para o ano de 2018 corresponderá ao teto estipulado para o ano de 2017 atualizado pelo IPCA acumulado de julho de 2016 a junho de 2017.

A PEC abre a possibilidade de revisão do critério de reajuste (i.e., teto crescer mais do que inflação) somente a partir de 2026. Essa alteração só poderá ser proposta por lei complementar de autoria do Executivo, o que exige 50% mais um dos votos na Câmara e no Senado. Além disso, só poderá haver uma alteração em cada mandato presidencial.

O terceiro aspecto fundamental da PEC é a mudança nas aplicações mínimas de recursos em ações e serviços públicos de saúde e na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Atualmente, a regra dada pela Emenda Constitucional 86/2015 é a aplicação de 13,2% da Receita Corrente Líquida em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) em 2016, 13,7% em 2017, crescendo até atingir 15% em 2020. No tocante à educação, a Constituição Federal determina que a União destine 18% da Receita Líquida de Impostos5 em MDE, bem como complemente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) em 10% do seu valor total, dos quais 7% não podem vir da aplicação mínima em MDE. Em 2015, a soma destas duas vinculações alcançou mais de R$ 63 bilhões, o equivalente a 24,5% da Receita Líquida de Impostos. Com a PEC, entre 2017 e 2036 essas aplicações mínimas ficam congeladas no seu valor real: passam a ser reajustadas pelo mesmo índice de inflação aplicado ao teto, e deixam de ser vinculadas à evolução das receitas. Cabe ressaltar que este rebaixamento das aplicações mínimas em saúde e educação são a única medida do Novo Regime Fiscal que obrigatoriamente exigiria uma emenda constitucional: conforme apontado por Dweck e Rossi (2016), os demais dispositivos não são matérias constitucionais; aliás, o governo já introduziu o teto de gastos para 2017 por dentro do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Em tese, estes valores eram “pisos”, ou seja, o governo poderia elevar gastos em saúde e educação acima da aplicação mínima; porém, o que se observou no passado é que no âmbito do governo federal esses gastos sempre estiveram próximos dos respectivos pisos,6 e com a PEC a disputa deve se tornar ainda mais acirrada, já que para aumentar o gasto em qualquer área acima da inflação, outra deverá necessariamente ter perda real (crescer menos que a inflação).

A PEC já prevê sanções no caso de descumprimento. Se qualquer um dos poderes ou órgãos autônomos do governo federal extrapolar o seu teto,7 o mesmo fica automaticamente proibido de ter qualquer aumento de despesa de pessoal, incluindo criação de novos cargos, realização de concursos públicos (exceto para reposição de vacâncias) e concessão de reajuste de salário a servidores públicos. Também fica vedada a expansão de programas de financiamento que impliquem crescimento de subvenções ou subsídios, bem como novas concessões ou ampliações de incentivos tributários. Todas estas proibições duram enquanto o gasto do respectivo poder não convergir para o teto previsto no NRF.

Um ponto que merece destaque é que a PEC não revoga quaisquer outras normas fiscais – em particular a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Meta de Resultado Primário que a mesma requer que seja fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Isso significa que teoricamente o limite de gastos pode até ser estabelecido abaixo do teto da PEC, caso a meta de resultado primário não puder ser alcançada – por exemplo, devido a uma frustração de receita como a verificada em 2015. Por outro lado, em caso da arrecadação superar o teto de despesas e a meta de resultado primário, esse excesso poderá ser usado apenas para pagar amortizações, juros e restos a pagar antigos.8 Em suma, a PEC funciona apenas para limitar o aumento de gastos quando a receita cresce, mas não preserva os gastos quando a receita cai.

10.2 Quais as consequências do NRF?

O Novo Regime Fiscal (i) produzirá necessariamente uma diminuição do tamanho do Estado no que se refere à provisão de bens e serviços públicos, ao mesmo tempo em que (ii) não garante a redução do endividamento público nem (iii) a retomada do desenvolvimento econômico.

Consequências do Novo Regime Fiscal

Sobre o primeiro ponto, a conta é simples: se a despesa primária total ficar congelada no mesmo valor real, o gasto per capita necessariamente diminuirá. Além disso, a transição demográfica atualmente em curso no Brasil significa que a população idosa crescerá, implicando em uma pressão para aumento das despesas com previdência e saúde, principalmente. A fixação de um teto de gastos significa que esse aumento de despesas obrigatórias se transladará para outras políticas, cujas consequências podem ser observadas no gráfico: a compressão de todas as despesas primárias fora previdência, educação e saúde dos atuais 7% do PIB para menos de 1%. O tamanho total da despesa primária federal cairia de cerca de 20% para perto de 12% do PIB. Não há dúvida, portanto, que um grande número de programas, ações, benefícios e serviços federais terão que ser diminuídos ou extintos. Pires (2016) projeta que para cumprir o teto durante os cinco primeiros anos seria necessário extinguir o abono salarial, elevar a idade mínima para acesso ao Benefício de Prestação Continuada para idosos de 65 para 70 anos e impedir o crescimento de todas as despesas previdenciárias com exceção de aposentadoria por idade e pensão por morte. Isso aponta que a aprovação da PEC exigirá imediatamente outras reformas limitadoras de direitos.

Sobre o segundo ponto, o argumento principal a favor do Novo Regime Fiscal é que o teto de gastos vai recuperar as finanças públicas. Afirma-se que não há alternativas, dada a trajetória supostamente explosiva da dívida pública, e a inviabilidade, em ambiente recessivo, de aumento dos impostos. Tal defesa ignora, contudo, que (i) a crise atual é fruto da queda das receitas, muito mais do que do aumento dos gastos, (ii) há espaço para aumentar significativamente a arrecadação taxando rendimentos de dividendos (hoje isentos) e as grandes fortunas, o que ajudaria ainda a melhorar a distribuição de renda sem prejudicar a produção, e (iii) enquanto o déficit primário do Brasil é razoavelmente próximo dos demais países (1 a 2% do PIB), a dívida cresce sobretudo pela elevada conta de juros, que apresenta um déficit próximo de 8% do PIB – e a maior parte dessa dívida segue de perto a meta da SELIC, determinada pelo governo. Sem a redução dos encargos dos juros, a austeridade imposta no NRF será inútil.

Quanto ao terceiro ponto, a ideia é que a redução do endividamento público levaria à queda da taxa de juros, o retorno do investimento privado e aumento do emprego. Mesmo assumindo que a dívida pública se reduza, o Novo Regime Fiscal proposto reduzirá drasticamente tanto a capacidade de investimento público, quanto a manutenção da infraestrutura existente. Conjugado com a queda dos salários e da renda das famílias, esse quadro indica que não haverá nem estímulo à demanda das empresas privadas no curto prazo, nem melhoria da produtividade no longo prazo por meio de investimento em educação superior, ciência e tecnologia, infraestrutura e logística.

O risco que o Novo Regime Fiscal incorre é gerar uma espiral recessiva, onde a retração do gasto público diminui a atividade econômica, o que por sua vez resulta em queda da arrecadação e aumento do déficit público, levando a novo corte de gastos. As consequências previsíveis em termos de estagnação econômica e perda de bem-estar social demandam a construção de uma proposta alternativa e a rejeição da PEC do Teto de Gastos.

10.3 Referências

  • Dweck, Esther; Rossi, Pedro. A Aritmética da PEC 55: o alvo é reduzir saúde e educação. Publicado em 16/novembro/2016.
  • Fundação Friedrich Ebert; Fórum 21; Plataforma Política Social; GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP). Austeridade e retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil. São Paulo: 2016. Acesso: 8 nov. 2016.
  • Pires, Manoel Carlos de Castro. Análise da PEC 241. Nota Técnica apresentada em Seminário da Diretoria de Macroeconomia do IPEA em 20/outubro/2016. No prelo.

11 Cultura

11.1 Extinção, Ocupações, Des-Extinção

Desde a deflagração do golpe, a virulência do ataque imediato do governo ilegítimo contra a Cultura teve de encarar uma contundente e criativa resistência engendrada por artistas e ativistas do setor, responsáveis por ocupações de prédios públicos e manifestações de rua em dezenas de cidades brasileiras. O movimento imprimiu as primeiras derrotas ao interino, que teve de voltar atrás na decisão de extinguir o Ministério da Cultura, apenas 12 dias após tê-lo extinto.

11.2 Cinco mulheres disseram não

Fique registrado na história brasileira o não de cinco mulheres ao convite de Michel Temer para assumir a Secretaria de Cultura (nome à época) do governo golpista: 1º não: Marília Gabriela; 2º não: Eliane Costa; 3º não: Cláudia Leitão; 4º não: Bruna Lombardi; 5º não: Daniela Mercury. Eliane Costa e Cláudia Leitão se manifestaram publicamente afirmando que não aceitaram por divergência política com o governo do golpe e que havia extinto o MinC. Os cinco nãos foram como cinco dedos de uma mão de mulher que se fechou e golpeou o interino golpista.

Registre-se também o fato deplorável de que uma mulher e ex-ministra da cultura aceitou a missão de procurar uma pessoa para o cargo: a senadora golpista Marta Suplicy (PMDB-SP), que mais uma vez quebrou a cara. O fato de não terem encontrado mulher que aceitasse esse cargo, e de decidirem colocar mais um homem branco no time, é histórico e sintomático dos tempos que vivemos. Diplomata de carreira desde 2007, Ex-candidato a Deputado Federal pelo PSDB (aliado com DEM e PPS) em 2010, Ex-Secretário de Cultura do município do Rio de Janeiro, Marcelo Calero tomou posse como ministro da cultura em 24 de maio de 2016.

11.3 Argumentos e fundamentos, versões e controvérsias

Vale lembrar que, durante o governo Dilma Rousseff, mais de uma vez houve estudos e intenções de extinguir o MinC, rebaixando-o ao status de Secretaria Nacional dentro de outra pasta. Mas justamente porque o tema era estudado, dialogado e negociado, nunca se concretizou. O que se viu, em maio de 2016, foi uma extinção sem estudo, sem diálogo, sem fundamento técnico ou orçamentário. Os fundamentos combinavam fatores como:

  1. um marketing de “enxugamento da máquina”, de ações de impacto midiático para convencer a população brasileira de que agora chegava um governo sem medo de tomar medidas drásticas para “colocar a casa em ordem”;
  2. argumentos de desvalorização do Estado;
  3. argumentos de que o Estado é demasiado centralizador, e portanto não seria necessário um Ministério, que o foco deveria ser nas cidades que é onde o povo de fato vive;
  4. o fato de o grupo político-econômico-jurídico que engendrou a manobra do golpe saber, uns mais, outros menos conscientemente, que as artes e as variadas formas de expressão cultural empoderam o povo.

11.3.1 Saiba mais

11.4 Ok, #FicaMinC, mas fica como?

Obrigado a des-extinguir o Ministério da Cultura, o governo, ainda mais mordido com o setor, adotou estratégia que se mostrou igualmente nefasta: a chamada “reestruturação”. Visando um “enxugamento”, uma “reorganização” somada a uma narrativa de “valorização dos servidores efetivos”. As medidas adotadas, pela forma como foram feitas, praticamente paralisaram políticas e iniciativas centrais ao funcionamento da pasta, e desestruturam departamentos e secretarias inteiras, comprometendo gravemente a atuação do Ministério. A seguir apresentamos uma abordagem geral sobre essas medidas, seguida de uma análise dos impactos em cada setor do chamado Sistema MinC (MinC e unidades vinculadas).

11.5 Exonerações em massa (Desaparelhamento?!), Processo Seletivo Interno para Servidores Efetivos (Valorização?!), Reestruturação do MinC (Mini-Estéril?!)

Em julho de 2016 houve exonerações em massa no MinC. Foram mais de 80 servidores ocupantes de cargos e funções comissionadas exonerados numa primeira leva em finais de julho, chegando à absurda cifra de 117 em agosto, com a publicação do Decreto 8837/2016 que estabeleceu a nova estrutura do MinC, extinguiu os cargos e exonerou automaticamente quem ainda estava ocupando os cargos. Tudo fez parte da propaganda do desgoverno Temer em relação ao corte de gastos e equilíbrio das contas públicas. Com a redução muito significativa da força de trabalho, essa extinção de cargo impactou diretamente na execução e acompanhamento de muitas ações, comprometendo gravemente as políticas culturais. Calero cumpriu fielmente as ordens do núcleo golpista instalado no Planalto. Após sua saída, a gestão Roberto Freire ficou famosa pelo aparelhamento partidário, desmascarado e denunciado em vários artigos publicados a partir de fins de março de 2017.

Antes de abordar o tema do prejuízo às políticas públicas, é preciso tratar da forma como a gestão Temer-Calero fez essas exonerações e extinções de cargo.

11.5.1 Saiba mais

11.6 Orçamento do MinC diante da PEC do teto de gastos (PEC 241/55, EC 95)

Artistas brasileiros gravaram manifestações diversas contra essa PEC, tais como o vídeo Artistas denunciam PEC 241 – Que Brasil nós Queremos?, em parceria com a CUT, e o vídeo Como a PEC 241 afeta sua vida, realizado em parceria com a Frente Povo sem Medo. Além disso, o ex-Secretário Executivo do MinC, João Brant, produziu uma Nota Técnica estimando o impacto da PEC do Teto de Gastos para o MinC.

O Ministério da Cultura, ainda sob gestão de Marcelo Calero, reagiu: “São irresponsáveis e fantasiosas as afirmações que busquem relacionar a PEC 241 a cortes no orçamento deste ministério”. João Brant em seu perfil do Facebook comentou a reação da gestão Calero:

SOBRE A PEC 241
O Ministério da Cultura reagiu de forma grosseira ao meu estudo sobre o impacto da PEC 241 na área. Chamou de irresponsáveis e fantasiosas as afirmações que busquem relacionar a PEC 241 a cortes no orçamento da pasta, a partir da afirmação de que o orçamento irá crescer em 2017. Não sei se eles promovem essa difamação por autoengano ou má fé.9

Com a aprovação da PEC em dezembro de 2016, é obrigação de servidores públicos e da população brasileira em geral monitorar os impactos que vinham sendo previstos e denunciados, e reunir as forças necessárias para transformar esse cenário tenebroso que vem mostrando a cada dia sua face real ao povo brasileiro. Em 2017 já se anuncia um novo contingenciamento de recursos. Fala-se em mais de 40% de corte. Noves fora, nada. Migalhas de migalhas para as políticas culturais.

11.7 Patrimônio Cultural – criação e descriação da SEPHAN, conflitos com interesses de poderosos grupos econômicos

Os argumentos de desaparelhamento e de economicidade se mostram ainda mais duvidosos se observarmos que foi criada pela MP 728 em maio/2016 (a mesma MP que recriou o MinC), uma nova estrutura: a Secretaria Especial de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sephan), cuja função inicialmente não estava devidamente esclarecida, levantando suspeitas imediatas dos servidores, especialistas e ativistas do campo, de que a intenção fosse criar uma unidade diretamente subordinada ao Ministro, para fazer prevalecer as orientações políticas convenientes sem “entraves da área técnica”. Ou seja, uma manobra para quebrar a autonomia de atuação técnica do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que cotidianamente lida com as pressões de poderosos grupos econômicos, especialmente aqueles vinculados à especulação imobiliária. Tal fato deflagrou forte reação dos servidores por um #ficaiphan e #nãoaSEPHAN. Este movimento foi bastante ativo na pressão direta junto a deputados na Câmara Federal e conseguiu gerar pressão suficiente para que fosse apresentada e votada no plenário da Câmara uma emenda supressiva à MP 728, a fim de revogar criação da Secretaria Especial do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Mais tarde o cenário ficaria extremamente explícito com a crise política gerada pela saída do então Ministro Calero, por conflito do IPHAN com barões do setor imobiliário, defendidos por Geddel Vieira Lima, um dos principais nomes do governo Temer. O caso apenas escancarou para a sociedade o tipo de pressão que o IPHAN enfrenta cotidianamente no exercício da sua função, e a saída do então Ministro não fora de forma alguma um simples heroísmo ético individual.

11.7.1 Saiba mais

11.8 Tratamento especial para as obras (edificações)

É amplamente conhecida a paixão de rasos políticos e politiqueiros pela realização de obras. Saneamento ninguém quer fazer, porque é uma obra que fica embaixo do chão, fica “invisível” dizem alguns. Não rende tantos votos imediatos quanto fazer asfalto, fazer pontes, fazer postos de saúde e hospitais.

Na Cultura não seria diferente.

Muitos parlamentares, prefeitos, governadores e gestores federais quando investem querem que seja para construir centros culturais, ou reformar os prédios tombados. São históricas e emblemáticas as discussões:

  • entre as ações de fortalecimento comunitário e simbólico no campo do patrimônio imaterial e as obras de restauro e conservação no campo do patrimônio material (apelidado de “pedra e cal”);
  • entre o fortalecimento de ações realizadas por povos, comunidades, grupos e entidades da sociedade civil (como os pontos de cultura, pontos de memória, ponto de leitura, dentre outros) e a construção de espaços, centros ou praças culturais (com nomes os mais variados ao longo do tempo, como Bacs, PECs, e mais recentemente CEUS das Artes).

Pois bem, eis que a gestão Temer-Calero achou por bem, mesmo em contexto de cortes e “enxugamentos”, promover a antiga Diretoria de Infraestrutura Cultural (DinC) para a condição de Secretaria de Infraestrutura Cultural (Seinfra), onde, segundo informações, reúnem-se a maioria absoluta dos recursos de emendas parlamentares destinados ao MinC. Da mesma forma, no Iphan, é amplamente conhecida a disparidade absurda de recursos destinados para o campo da pedra e cal (vide o PAC das cidades históricas) em relação ao que se destina às ações da Salvaguarda do Patrimônio Imaterial. Com Roberto Freire esse cenário segue no mesmo rumo.

11.9 Cidadania e Diversidade Cultural – Cultura Viva e Pontos de Cultura

Enquanto a DinC foi promovida a Seinfra, a Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC) e dos pontos de cultura foi mais uma vez reduzida, fundida, enxugada e esvaziada. Está tudo bem claro para quem quiser ver.

11.9.1 Saiba mais

11.10 Incentivo Cultural por Renúncia Fiscal (via Lei Rouanet)

O mecanismo de apoio a projetos por meio de renúncia fiscal, via Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91) também sofreu prejuízos graves nesses meses de desgoverno.

Em resumo, o tema Lei Rouanet foi usado pelo governo Temer e por sua base aliada para desgastar o PT e a gestão Dilma Rousseff, especialmente por meio de uma CPI, quando em realidade:

  1. trata-se de uma lei e um mecanismo criados em 1991;
  2. os governos do PT tomaram medidas significativas e relevantes para fiscalizar e dar solução aos casos de desvios identificados;
  3. os principais e graves problemas desse mecanismo, já cantados em verso e prosa no setor cultural, de um mecanismo que representa cerca de 80% dos recursos federais para o setor da cultura, ficaram de escanteio já que o centro de energia institucional foi consumido com uma CPI que vem se dedicando exclusivamente ao desgaste político partidário, ao desgaste do Ministério da Cultura como instituição, ao desgaste da função do Estado.

11.10.1 Saiba mais

11.11 Livro, Leitura e Literatura

O golpe agravou um dos principais problemas do departamento responsável pelas políticas públicas para o campo do Livro, da Leitura, da Literatura e das Bibliotecas (DLLLB), no marco do Plano Nacional de Livros e Leitura (PNLL), pela forte instabilidade gerada. Muitas críticas ao por subordinar o campo a uma secretaria de economia da cultura, sinalizando reducionismo e empobrecimento simbólico na visão do atual Ministério.

Além disso, o setor também foi afetado por prejuízos graves em sua estrutura e nas ações programáticas finalísticas.

11.11.1 Saiba mais

11.12 Formação Artística e Cultural – Cultura e Educação

As ações com foco na interface Cultura-Educação como os programas Mais Cultura nas Escolas, Mais Cultura nas Universidades, e atuação do MinC junto ao Pronatec Cultura e Proext foram espremidas e enlatadas em uma equipe reduzidíssima. Antes da Gestão Juca Ferreira, em 2014, as ações estavam sendo geridas por uma Diretoria. O ex-ministro Juca Ferreira trabalhava na criação de uma Secretaria específica para o campo da Formação Artística e Cultural. O golpe reduziu a estrutura a uma Coordenação-Geral, sem projeto próprio, e que segundo informações de interlocutores externo tem priorizado as ações do Programa Criança Feliz, coordenado pelo MDS, e que ainda não mostrou a que veio.

11.13 Fundação Casa de Rui Barbosa

Em algumas áreas como Fundação Casa de Rui Barbosa relatos apontam para uma continuidade de trabalho e baixo índices de prejuízos nesse período. Isso se atribui não a uma sensibilidade da gestão Temer-Calero e Temer-Freire com essa área, mas sim com a combinação de alguns fatores:

  1. por ser uma área dedicada à pesquisa em políticas públicas e à gestão de seu próprio acervo, não desperta interesses imediatos para o jogo político, mais interessado por exemplo nas obras tocadas pela Secretaria de Infraestrutura Cultural e na relação com os grupos empresariais que se beneficiam da Lei Rouanet;
  2. conquista de seus servidores, a FCRB estabeleceu um processo de eleição interno para a presidência. A pessoa eleita tem seu nome indicado ao Ministro; e
  3. as redes acadêmicas envolvidas.

Os prejuízos apontados foram pela redução do orçamento da FCRB, cenário que já era realidade no início do governo Dilma Rousseff. Com a PEC do teto de gastos aprovada pela gestão Temer, no entanto, a perspectiva é de um prejuízo crescente por 20 anos.

11.14 Economia da Cultura

A gestão do ex-ministro Marcelo Calero alçou à condição de secretaria o setor responsável pelas ações de fortalecimento da cultura em sua dimensão econômica.

Até 2010, na gestão Juca Ferreira, o setor era uma Coordenação-Geral na Secretaria de Políticas Culturais.

Em 2011, a gestão da ex-ministra Ana de Holanda cria a Secretaria de Economia Criativa. Como não recebeu servidores e cargos extra, para que isso fosse possível a ministra deslocou servidores e cargos de outro setor: a Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural, extinta por Ana de Holanda. A então chamada Secretaria de Cidadania Cultural, responsável pelo Programa Cultura Viva e Pontos de Cultura, assumiu todas as atribuições, projetos e ações da antiga SID, mas tendo apenas metade da equipe.

Em 2015, o então ministro Juca Ferreira reestrutura o MinC e dá ao setor uma estrutura menor, uma Diretoria novamente subordinada à Secretaria de Políticas Culturais, e com esse movimento inicia a criação de uma nova Secretaria, de Formação Artística e Cultural, que não chegou a ser de fato oficializada, porque em 2016, com a definição final do golpe, o então ministro Calero volta a instituir uma Secretaria para o campo econômico cultural, agora com o nome de Secretaria de Economia da Cultura.

Ocorre que, diante do corte de cargos, da movimentação de servidores de um setor para outro, fruto da reestruturação do MinC e concurso interno, nesses meses de desgoverno Temer a nova Secretaria basicamente se esforçou para dar conta das demandas já estabelecidas pela gestão do ministro Juca Ferreira, com muita dificuldade pelo cenário de parcos recursos humanos. Foi realizado um seminário com foco na construção da conta satélite da cultura, para compreensão da participação do setor cultural na economia e no Produto Interno Bruto (PIB).

11.15 Direitos Intelectuais

Como resultado do combo enxugamento + reestruturação, e suas falhas graves já comentadas anteriormente, o Departamento de Direitos Intelectuais teve metade de suas competências cortada, justamente as principais relacionadas à gestão coletiva e alçadas pela Lei n.12.853/2013. Enquanto o erro ainda não foi formalmente corrigido, sobram dúvidas acerca do direcionamento das políticas culturais, tanto na área de direitos autorais como em outras de competência do Ministério.

11.16 Participação Social

A gestão do Conselho Nacional de Política Cultural é uma das atribuições da nova Secretaria criada pela gestão Calero, a Secretaria de Articulação e Desenvolvimento Institucional, a partir da fusão da antiga SAI (Secretaria de Articulação Institucional) com outros setores do MinC, como a antiga Secretaria de Políticas Culturais (SPC), extinta por Calero e o Departamento de Promoção Internacional (DEINT).

Igualmente prejudicado pelos cortes de cargos e processo de reestruturação atabalhoado, registre-se o esforço da equipe do setor, e de outras secretarias, para realizar reunião do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e dos colegiados setoriais.

A missão de planejar a 4ª Conferência Nacional de Cultura, no entanto, foi inegavelmente prejudicada em 2016 pelo contexto de instabilidade gerado no MinC e no Governo Federal.

Realizada de quatro em quatro anos, a Conferência Nacional de Cultura (CNC) é o principal espaço de participação da sociedade na construção e aperfeiçoamento de políticas públicas de cultura.

A 1ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2005, contou com a participação de cerca de 60 mil pessoas, de 1.190 cidades e 17 estados.

A 2ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2010, contou com 220 mil participantes, envolvendo todos os estados, o Distrito Federal e 57% das cidades brasileiras.

A 3ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em 2013, contou com a participação de representantes dos 26 estados e do Distrito Federal.

A 4ª edição da CNC estava prevista para 2017, mas a essa altura, com o atraso nos cronogramas das ações necessárias no MinC, com a redução da equipe responsável, e com a crise financeira grave em vários estados e municípios, fica difícil acreditar ser possível realizar um cronograma de etapas municipais, estaduais, setoriais para então realizar a etapa nacional ainda em 2017.

Fica a pergunta:

O governo Temer terá coragem de realizar a Conferência Nacional, em respeito ao Plano Nacional de Cultura (Lei nº 12.343/2010) e ao artigo 216-A da Constituição Federal?

Durante a reunião do CNPC e dos colegiados um dos pontos mais polêmicos e criticados pela sociedade civil foi a proposta de texto base da 4ª CNC apresentada pela gestão Temer-Calero.

Relatos de membros de colegiados setoriais apontam que foi necessário ensinar ao MinC que existe o Plano Nacional de Cultura, já o texto não trazia relação com o Plano, com suas metas, e apresentava um apanhado de ideias etéreas sobre o campo.

11.17 Política Nacional para as Artes – FUNARTE

No que tange à Fundação Nacional de Artes (Funarte), presidida à época por Francisco Bosco, a ruptura da segunda gestão Juca Ferreira interrompeu um momento ímpar na história das políticas culturais brasileiras. Pela primeira vez desde a sua criação, o Ministério da Cultura voltava-se especial e prioritariamente para a formulação e implantação de uma política abrangente e nacionalmente integrada específica para as artes, já sob a concepção antropológica da cultura inaugurada pela gestão Gilberto Gil em 2003.

11.17.1 Saiba mais

11.18 Cultura afro-brasileira – Fundação Cultural Palmares

A Fundação Cultural Palmares (FCP), criada por lei no ano de 1988, é responsável pela proteção, preservação e promoção da cultura afro-brasileira, bem como pela certificação do autoreconhecimento das comunidades remanescentes de quilombo (CRQ) e defesa e garantia de seus direitos.

Não obstante o escopo de sua missão, a FCP, ao longo de seus 28 anos de história, nunca conseguiu reunir um quadro técnico a altura, somando meros 26 servidores efetivos, reunidos aí os que se encontram na sede e os que estão distribuídos entre suas 5 representações regionais ativas.

11.18.1 Saiba mais

11.19 Notas finais

Vale registrar que houve sérios indícios que o filme Aquarius foi prejudicado na seleção do indicado a concorrer a uma indicação ao Oscar por causa de uma manifestação política em Cannes da equipe do filme.

No campo dos Museus, Museologia social, Pontos de Memória e demais ações do IBRAM, diversos relatos colhidos indicam que a atual gestão do Instituto Brasileiro de Museus, presidida por Marcelo Araújo, ex-secretário de cultura do Estado de São Paulo, está realizando um trabalho melhor do que a equipe presidida por seu antecessor, Beto Brandão.

No entanto, alguns relatos apontam que o atual presidente do IBRAM removeu “de ofício” diversos servidores que atuavam no desenvolvimento e acompanhamento de políticas para os museus do Palácio Gustavo Capanema, encerrando assim as ações e o núcleo que tratava de políticas para os museus no Rio de Janeiro. A ação foi recebida como uma medida unilateral que demonstrou falta de respeito com os profissionais.

A gestão Temer-Calero extinguiu ainda 03 (três) escritórios regionais do MinC em São Luís (MA), Rio Branco (AC) e Florianópolis (SC). A medida vai na contramão do propósito de descentralização das ações do MinC, da ação em real pactuação federativa, da possibilidade de dar corpo real e funcionamento orgânico ao Sistema Nacional de Cultura. Além da contingência de recursos e necessário “enxugamento” (de algo já seco, mas enfim…), circularam argumentos de que era preciso articular melhor com outras unidades descentralizadas do Sistema MinC, como as Superintendências estaduais do IPHAN, e unidades da Funarte, Ibram e Fundação Cultural Palmares. A articulação e ação integrada sem dúvidas são essenciais, mas em nada justificam os cortes. Mais um prejuízo. E para piorar muitos trabalhadores e trabalhadoras desses escritórios regionais ficaram sabendo da notícia no dia anterior à sua consumação em DOU, sem que houvesse o devido cuidado e planejamento de transição.

Fique registrado que em seis meses de gestão não foi apresentado qualquer esboço de quais programas ou ações seriam propostas ou seriam consideradas prioritárias pela gestão. O MinC esteve basicamente dedicado a continuar as ações da gestão anterior mas, com equipe drasticamente reduzida e em alguns casos despreparada, as ações foram paralisadas ou reduzidas a níveis gravemente prejudiciais ao povo brasileiro.

11.20 Saiba mais

12 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

Um ano depois do impeachment, fica cada vez mais claro o projeto dos golpistas. A rapidez e a intensidade com que o governo Temer executa a agenda de desnacionalização da riqueza brasileira, a retirada de direitos sociais básicos, de desarticulação das estatais e de instituições do desenvolvimento brasileiro e de expansão dos ganhos da elite financeira demonstra que os golpistas não têm intenção de disfarçar quaisquer de seus objetivos. Ao contrário, eles têm pressa de realizar atos que se tornem irreversíveis ou com alto custo de reversão, porque parecem temer que a impopularidade do projeto não permita que eles se mantenham no poder por muito tempo. O argumento muito repetido de que Temer deve aproveitar sua impopularidade para passar as reformas que o Brasil precisaria é só mais um demonstrativo do desapreço pela democracia e pelo princípio fundamental da nossa Constituição “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Esse projeto tem várias frentes e uma muito importante é o BNDES. O Banco é fonte de interesse dos golpistas por vários motivos, podemos destacar dois principais. Em primeiro lugar, o Brasil é um dos países com spread bancário mais elevado. A característica do BNDES de Banco de desenvolvimento, que exige que os spreads sejam baixos para viabilizar os investimentos produtivos, amplia a concorrência em segmentos do mercado de crédito. Essa concorrência se agravou significativamente com o forte aumento dos desembolsos do BNDES e dos outros bancos públicos a partir da crise de 2008. A partir de então, o market-share dos bancos privados caiu significativamente. A participação das instituições públicas aumentou de 36,1% para 56,0% entre dezembro de 2008 e de 2015. E, quando em 2012, Dilma forçou os bancos públicos a reduzirem suas margens de lucro, os bancos privados tiveram que fazer o mesmo para evitar perder ainda mais participação do mercado. Além de ser um concorrente a oferecer spread baixo, o Banco possui uma fonte de captação constitucional a custo inferior à Selic, o FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – que é objeto de cobiça dos bancos privados.

Se, por um lado, o BNDES prejudica o interesse dos bancos privados, ele é muito importante para o setor produtivo brasileiro. Contudo, a atual configuração de forças políticas no Brasil é muito desfavorável ao setor produtivo em comparação aos bancos. Os lucros muito elevados do setor dão a eles um grande poder político, principalmente via anúncios publicitários e financiamento de campanha. A Fiesp e outras entidades industriais iludiram-se que com o impeachment conseguiriam ampliar sua voz na formulação da política. Depois de um ano do golpe, percebeu-se que ocorreu o contrário: a política econômica tornou-se ainda mais pró-mercado financeiro. Afinal de contas, depois de contínuo processo de vendas de indústrias de capital nacional, falência ou manutenção de empresas com prejuízo ou virtualmente sem lucro, o setor tem muito pouco poder financeiro em contraposição aos bancos e fundos de investimentos para influenciar Brasília.

Em segundo lugar, um ano após o impeachment, é bastante claro que o golpe é um projeto de desestruturação do Estado de Bem Estar Social e das instituições promotoras do desenvolvimento. Na impossibilidade, pelo menos por hora, de privatizar a Petrobrás, os bancos federais e os Correios, o governo atual tem tomado medidas de modo a diminuir o tamanho dessas empresas e as possibilidades de execução políticas de desenvolvimento, como o conteúdo nacional, por parte delas.

E o BNDES é um dos pilares da política de desenvolvimento brasileiro. Em um país com taxa de juros e, principalmente, o spread bancário entre os maiores, senão o maior, do mundo, ter um grande banco público é fundamental para o fornecimento de crédito barato e de longo prazo para o investimento, mola mestra do crescimento econômico. Além desse, o BNDES tem outros importantes papéis: i) o desenvolvimento e manutenção de uma forte indústria de bens de capitais, por meio do financiamento barato a investimentos que comprem máquinas e equipamentos produzidos no Brasil; ii) a execução de políticas do governo, como os projetos de expansão da infraestrutura nacional, expansão do financiamento a pequenas e médias empresas, crescimento da indústrias verdes, como a energia eólica; iii) estímulo às exportações de maior conteúdo tecnológico, por meio de financiamento à produção e à comercialização de bens e serviços no exterior; iv) incentivo às inovações e ao fortalecimento de empresas de capital nacional em setores estratégicos, como de fármacos e de software.

A nova diretoria que tomou posse após o impeachment é coerente com os interesses do setor financeiro e com a visão neoliberal. Economistas que falavam abertamente contra o BNDES tornaram-se diretores do Banco. E a direção parece clara: redução do tamanho do Banco. No curto prazo, pode-se verificar uma forte diminuição dos desembolsos, a qual não pode ser atribuída exclusivamente à crise. Desde 2015, por deliberação do ex-Ministro da Dilma, Joaquim Levy, houve uma piora nas condições de crédito, principalmente em termos de taxa de juros e de prazo. Em 2016, os desembolsos do BNDES, descontada a inflação, foram 2,5 vezes menor do que haviam sido em 2014. E a proporção dos desembolsos do Banco sobre o PIB atingiu a menor proporção dos últimos 20 anos. E essa forte queda continua. No primeiro bimestre deste ano, eles caíram 16%, em termos nominais, em comparação ao mesmo período de 2016, com destaque dos empréstimos à indústria, que teve uma queda de 48% no período. Dada a importância do BNDES para o investimento produtivo do país, é difícil defender que uma queda tão drástica assim não tenha influência sobre a recente crise econômica.

De maneira geral, o BNDES tem um papel duplo na economia: financiar investimento de longo prazo e estimular que esses investimentos sejam comprados com máquinas e outros produtos produzidos no país. Dessa forma, uma forte redução dos financiamentos tem impacto negativo tanto nos investimentos no país quanto na produção de bens de capital e nas indústrias que fornecem insumos à produção de máquinas. Não é coincidência, por exemplo, que o setor de equipamentos de transporte industrial, como ônibus e caminhões, tenha sido a categoria econômica que sofreu a maior retração da produção, segundo a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE. Esse é o setor mais beneficiado com o financiamento do BNDES. Nos últimos 3 anos, enquanto a produção da indústria de transformação caiu 21%, a da indústria de equipamentos de transporte industrial reduziu em 54%, valor significativamente maior do que a diminuição da produção dos outros bens de capital, que foi de 35% no mesmo período.

Uma demonstração de intenção de redução do tamanho do BNDES foi a decisão de antecipação de R$ 100 bilhões de empréstimos da União junto ao BNDES no final do ano passado. Antecipação essa proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:
II – Recebimento antecipado de valores de empresas em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação.

O Ministério da Fazenda defendeu que o principal efeito dessa antecipação seria a redução da dívida bruta da União e, com isso, haveria uma melhora da avaliação do risco-Brasil. O problema dessa argumentação é que o BNDES é 100% da União. Não há porque acreditar que uma simples troca de titularidade de ativos possa afetar uma avaliação de risco. Por exemplo, pareceria inconcebível alguém defender que simplesmente trocar a detenção de ativos financeiros de uma subsidiária para a matriz pudesse melhorar a avaliação de crédito de uma holding como um todo. Essa simples troca de titularidade realmente irá reduzir o valor da dívida bruta da União, por causa da fórmula de cálculo dessa dívida. Contudo, acreditar que uma simples operação que altere uma estatística, mas não alguma variável real da economia, como a quantidade de títulos públicos detidos pelo mercado ou o fluxo de caixa futuro da União como um todo, possa ter influência sobre a percepção de risco dos investidores é supor que eles sejam irracionais.10 É interessante notar que essa é uma “pedalada” fiscal – uma artimanha fiscal para melhorar o indicador de dívida bruta sem qualquer alteração real na economia – com proibição já prevista pela LRF, diferente das “pedaladas” da Dilma, que não somente não havia uma lei proibindo especificamente essa situação, como também essas ações não eram anteriormente consideradas proibidas.

Pouco depois da decisão em relação à devolução antecipada dos R$ 100 bilhões, o governo enviou uma medida provisória para substituir a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) pela TLP (Taxa de Longo Prazo). Essa é uma decisão, como diversas que têm sido executada por esse governo que é de restringir a atuação dos próximos governos. Um exemplo escandaloso disso é uma emenda à Constituição para proibir que haja qualquer aumento real nos gastos públicos durante 20 anos, um período em que a população idosa que, é a que mais demanda gastos do governo em previdência e saúde, irá dobrar. Há diversos outros, como a venda de grandes quantidades de ativos estratégicos da Petrobrás, fazendo com que ela seja uma empresa integrada, a Reforma da Previdência e Trabalhista. De um ponto de vista de democracia, é triste notar que um governo ilegítimo e extremamente impopular possa comprometer tanto o grau de liberdade de ações dos próximos governos, que possivelmente serão eleitos democraticamente.

A Constituição de 1988, no artigo 239, estabeleceu que, pelo menos, 40% dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador “serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com critérios de remuneração que lhe preservem o valor”. Desde 1994, a remuneração desses recursos é feita pela TJLP, que é o custo básico de captação do BNDES. Historicamente, a TJLP tem ficado significativamente menor do que a taxa de juros Selic, a taxa definida pelo Banco Central. A Constituição brasileira conferir uma fonte definida de recursos ao BNDES é uma forma de reconhecimento de que os financiamentos do BNDES têm – para utilizar os termos da atual presidente do Banco – um retorno social superior ao retorno privado. Isso decorre dos principalmente dos: fatos que investimentos, principalmente em setores dinâmicos, têm externalidades positivas na economia; ii) a compra de máquinas e equipamentos no Brasil tem impactos positivos sobre a geração de empregos, rendas, contribuições sociais e divisas em comparação à importação desses bens.

O financiamento do BNDES tem por característica exigir contrapartidas diversas do BNDES, como realização do investimento e de conteúdo local ou de ser um setor estratégico. Dessa forma, se o custo de captação do BNDES aumentar para o nível das chamadas taxas de juros de mercado,11 parte importante do financiamento do BNDES será inviabilizada, pois não segue as contrapartidas do Banco, como a exigência de conteúdo local. Aliás, bancos de investimentos estrangeiros oferecem condições de créditos muito boas para a venda de máquinas e equipamentos produzidos em seus países. Por exemplo, além da forte competitividade da indústria de bens de capital alemã e da taxa de juros de 10 anos estar virtualmente igual a zero no país, o Banco de Desenvolvimento da Alemanha, o Kfw, é isento de qualquer tributação.

O principal argumento para a substituição da TJLP para a TLP é a ideia de que a taxa de juros barata do BNDES seria responsável pela ineficiência da política monetária no Brasil e, portanto, pela alta taxa de juros que os brasileiros sofrem. Sobre isso, em primeiro lugar, deve-se enfatizar que a TJLP foi criada, nos primeiros meses do Plano Real, com a ideia de se criar uma taxa de juros desindexada da inflação. Enquanto essa nova TLP é formada pelo índice de preços oficial, o IPCA, e a taxa de juros dos swaps de títulos indexados ao IPCA de 5 anos. E uma das maiores dificuldades de combater inflação no Brasil é o alto nível de indexação. Como o aumento da inflação passada elevará o custo do crédito das empresas, elas estarão mais estimuladas a repassar esse aumento aos preços. Em segundo lugar, é questionável se a inflação no Brasil pode ser considerada como inflação de demanda. Desde o Plano Real, os principais períodos de aceleração de inflação ocorreram em períodos com elevado nível de desemprego com contração econômica ou baixo crescimento econômico.12 Por exemplo, o Banco Central foi bastante criticado em 2015 por ter aumentado a taxa de juros como forma de combater a aceleração da inflação, no momento de maior expansão do desemprego já registrada. É uma hipótese pouco convincente de que, em condições de demanda já bastante retraída, a flexibilidade da taxa de juros do crédito direcionado teria impedido a aceleração da inflação.

Uma comparação muito utilizada para justificar as elevadíssimas taxas de juros pagas por empréstimos nos bancos privados é a que compara o crédito direcionado com a meia entrada. No Brasil, empresas e, principalmente, pessoas físicas pagariam entre as taxas de juros mais altas por causa do crédito volume e baixa taxa de juros do crédito direcionado. Contudo, para os padrões internacionais, mesmo de países emergentes, as taxas de juros do crédito internacional não são reduzidas. Por exemplo, o custo do empréstimo imobiliário nos EUA, descontado a inflação está entre 2% e 3%. No Brasil, essa taxa é atualmente 3 vezes maior, descontando a variação dos preços. Além disso, essa comparação não é válida, porque é o mesmo cinema ou teatro que recebe clientes de meia e entrada inteira. Dessa forma, se há muitos clientes com meia entrada, o cinema ou teatro tem que elevar o preço do ingresso para ter uma margem mínima de lucro. No caso do BNDES e dos bancos privados, eles são empresas distintas. Um banco privado, como o Itaú ou Bradesco, não pode justificar as elevadíssimas margens de lucro sobre o crédito ao consumidor como uma forma de compensação sobre um suposto prejuízo ou lucro pequeno que o BNDES está tendo nas suas operações de crédito.

O debate no Brasil sobre crédito direcionado e spread bancário comumente é apresentado como se o setor bancário no Brasil fosse concorrencial, quando todas as evidências mostram que é um setor extremamente cartelizado: margens e taxas de lucro muito altas, alto custo administrativo em relação ao volume de crédito, preço bem maior do que o custo marginal de novos empréstimos, capacidade de fornecimento de empréstimo bem maior do que é atualmente oferecido. Dessa forma, não é o custo marginal, mas sim o poder de mercado que vai ser o principal determinante para a taxa de juros ao consumidor. Por exemplo, pelo último dado do Banco Central, 7,4% da carteira de empréstimos de cheque especial está em atraso, enquanto a taxa de juros média desse segmento é de 327,0% a.a. Não há como justificar tal taxa de juros pelo nível de inadimplência. Nesse sentido, a forma mais eficiente de diminuir o elevado spread é oferecer alternativas de crédito mais barato.

É muito importante debater o BNDES, a Petrobrás, a Previdência, legislação trabalhista e os custos e benefícios dos gastos e investimentos do governo. Sempre há o que pode ser melhorado. Contudo, as reformas que estão sendo implementadas não são no sentido de melhora e aperfeiçoamento dessas instituições de Estado, mas sim de: i) limitar a possibilidade de desenvolvimento e de bem estar social por futuros governos, que diferente do atual, venham a ser eleito democraticamente; ii) de atender os interesses da elite financeira nacional e de empresas estrangeiras em comprar ativos brasileiros a um preço muito abaixo do valor justo. No caso específico do BNDES, a queda do desembolso e a devolução de cem bilhões ao Tesouro dificultam a retomada do crescimento e a substituição da TJLP pela nova TLP vai limitar a atuação e o tamanho do Banco.

13 Trabalho

Usando a justificativa da recessão e do desemprego, mais uma vez, o governo golpista pretende restringir o acesso da população a direitos já assegurados, precarizando as relações de trabalho para reduzir os custos das grandes empresas, que já avisaram que “não vão pagar o pato”. A reforma trabalhista vem sendo dividida em várias propostas, mas sob um único mote: flexibilização de direitos. Ainda que parte das mudanças não esteja implementada, tendo em vista que a maioria depende de aprovação do Legislativo, são ameaças concretas, já anunciadas diversas vezes nos programas do PMDB e pelos seus ministros e apoiadores e sendo tocadas à toque de caixa para aprovação no legislativo.

13.1 Reforma Trabalhista: ampliando as fronteiras da exploração

13.1.1 A crise como oportunidade: recessão econômica, deterioração do mercado de trabalho e desmonte dos direitos sociais

Entre julho e setembro de 2016, os indicadores nacionais de atividade econômica registraram novamente retração do PIB. No acumulado dos últimos quatro trimestres, o PIB apresentou decréscimo de 4,4% em relação aos quatro trimestres imediatamente anteriores, o que revela a profundidade da recessão econômica que vivemos (Contas Nacionais/IBGE). Pelas características histórico-estruturais do mercado de trabalho brasileiro e do sistema de seguridade social, o quadro recessivo impõe graves constrangimentos e riscos aos direitos sociais. Os indicadores de mercado de trabalho já evidenciam uma rápida reversão do movimento de melhorias sociais do período 2004-2014. O Estado brasileiro, por sua vez, ao invés de responder com políticas anticíclicas, optou por adotar rígidas medidas de austeridade fiscal. A população fragilizada, portanto, corre grandes riscos de ficar desamparada, assumindo, no plano privado, os custos da crise sistêmica.

De acordo com os indicadores da Pnad Contínua/IBGE, a taxa de desocupação no Brasil (desemprego aberto) vem crescendo em ritmo intenso desde o último trimestre de 2014: passou de 6,5%, neste trimestre, para 11,8%, no terceiro trimestre de 2016. Estima-se que, em setembro de 2016, o total de trabalhadores desocupados ultrapassou o patamar de 12 milhões de pessoas, um crescimento de 80% em dois anos. A qualidade do emprego também se deteriora. O número de trabalhadores com carteira assinada desde setembro de 2014 apresentou um decréscimo de 6,9%, o que significa que cerca de 2,4 milhões de trabalhadores deixaram de ter carteira assinada.

Nessas circunstâncias, trabalhadores cada vez mais enfraquecidos se deparam com uma crescente deterioração das condições de realização de negociações coletivas. Em 2015, segundo o “Balanço das negociações dos reajustes salariais de 2015”, elaborado pelo Dieese, 48% das negociações de ajuste salarial conseguiram, no máximo, reajuste equivalente à taxa de inflação (medida pelo INPC). De acordo com o documento, desde 2004 não se registrava um resultado tão desfavorável aos trabalhadores. No primeiro semestre de 2016, o balanço do Dieese constatou situação ainda mais preocupante: 76% das negociações atingiram, no máximo, a variação do INPC.

Quando se analisa o rendimento médio real de todos os trabalhadores brasileiros, e não apenas dos segmentos mais organizados, os dados da Pnad Contínua revelam encolhimento. No segundo trimestre de 2016, o rendimento médio real do trabalho caiu 3,7% em relação ao último semestre de 2014. A massa de rendimento real, por sua vez, caiu 5,4% no mesmo período.

Portanto, o quadro recessivo apresentado afeta gravemente as condições de vida da população brasileira, o que amplia as demandas por proteção social dos indivíduos e das famílias. Este mesmo quadro, entretanto, corrói a legitimidade do financiamento das políticas públicas, com agravamento da disputa acerca dos recursos públicos. É exatamente nesse cenário que o conflito distributivo se explicita. A resposta adotada pelo governo – a política de austeridade fiscal – expressa a vitória do setor empresarial,13 que mantém a rentabilidade do seu capital no mercado financeiro, enquanto o peso do ajuste econômico recai sobre os trabalhadores. A política de austeridade fiscal não apenas reduz a cobertura do sistema de seguridade social e amplia o grau de violação dos direitos sociais no país, mas também reduz substancialmente a perspectiva de retomada do crescimento econômico. Na verdade, ela tende a aprofundar a recessão, na medida em que a retração dos gastos do governo contrai ainda mais a demanda agregada da economia.

O círculo vicioso instaurado fortalece politicamente o setor empresarial, que passa a pressionar por uma agenda “modernizadora das relações de trabalho” como condição sine qua non para o restabelecimento das condições de investimento. A crise, nesse sentido, abre uma grande oportunidade para promover mudanças na correlação de forças em benefício do grande capital. É esse o contexto em que a reforma trabalhista defendida como resposta à crise ganha força no cenário atual. Ela representa um modelo de sociedade com menos direitos e menor proteção social, com salários mais baixos e ‘flexíveis’, com baixo poder de barganha para os assalariados, com insegurança. Em outras palavras, um modelo de sociedade no qual o limite para a exploração do trabalho tende a alargar-se, como se argumentará a seguir.

13.1.2 Os três níveis da Reforma – da uberização à escravização

Após a promulgação da Emenda Constitucional 95/2016 (que estipulou o teto de gastos), é provável que o Executivo se concentre em aprovar a Reforma da Previdência no primeiro semestre de 2017. Nesse contexto, acreditamos que a reforma trabalhista não será apresentada como mais um pacote único e abrangente proposto pelo Executivo. Ao contrário, as iniciativas tomadas até este momento sugerem que esta reforma caminhará de forma difusa, com participação ativa dos três Poderes, a depender da norma em questão e do nível de desregulação do mercado de trabalho que propõe. Esse encaminhamento evitará o desgaste político do Executivo decorrente de uma confrontação total e aberta com o legado real e simbólico da CLT.

Quanto ao “nível de desregulação do mercado de trabalho”, argumentaremos a seguir que a Reforma Trabalhista se organizará em três níveis, que ampliam progressivamente as fronteiras da exploração do trabalho no país.

13.1.2.1 (i) Nível I: estímulo à Economia via “novos contratos” e “pequenas exceções”

O governo federal tem sido pressionado a apresentar, no curto prazo, medidas de recuperação econômica. Em resposta a essas demandas, o Executivo encaminha iniciativas de flexibilização do trabalho via “novas” formas de contratação. Essas medidas tendem a enfrentar menos resistência do que a retirada de direitos dos contratos convencionais, uma vez que são apresentadas como potencialmente “benéficas”, especialmente para trabalhadores em busca de emprego, já que se argumenta que assim seriam geradas novas ocupações, ainda que com menores garantias, benefícios e remuneração.

A característica mais notável desse processo de flexibilização é a pressão no sentido de transferir ao máximo os custos e riscos da atividade econômica para o/a trabalhador(a). Entidades empresariais demandam contratos no qual remunerem exclusivamente o tempo em que o trabalhador está gerando valor, com baixo (ou nenhum) custo de ajuste da produção e alta intensidade do ritmo de trabalho. Nas discussões mais recentes sobre relações de trabalho, esse processo tem sido chamado de “uberização”, em referência ao modelo de negócios criado pelo aplicativo Uber – no qual os motoristas que prestam o serviço arcam com o investimento e a manutenção dos seus carros, com os riscos da flutuação da demanda, não têm direitos trabalhistas, sindicatos, nem determinam preços.

Fica claro, pois, que a flexibilização viabiliza negócios ao favorecer a exploração mais intensa da força de trabalho ameaçada pelo desemprego, por meio de uma forma de terceirização que disfarça o quanto os prestadores de serviço “autônomos” ficam subordinados. Entretanto, a roupagem “moderna” desse tipo de relação de trabalho contribui fortemente para sua legitimação social.

O primeiro pacote de estímulo à economia via flexibilização dos contratos de trabalho foi anunciado, por meio de jornais e revistas, em dezembro de 2016. No final daquele mês o governo apresentou o Projeto de Lei 6.787,14 o qual já recebeu parecer da Comissão Especial e foi aprovado no plenário da Câmara em 26 de abril de 2017.15 Este projeto cria “novas modalidades de contratação” e uma “pequena exceção”. A principal nova modalidade consiste no contrato de trabalho intermitente, e prevê a possibilidade de contratação por hora trabalhada. Nesse caso, o empregador poderá acionar o funcionário a qualquer momento e dia da semana, sem ter de cumprir uma jornada específica. Segundo a matéria de O Globo, tal regulamentação “abre potencial para a geração de dois milhões de empregos em um prazo de cinco anos, principalmente de jovens que buscam conciliar estudo e trabalho”.16

No que diz respeito às “exceções”, o projeto aumenta o prazo do contrato de trabalho temporário, de 90 dias para 120 dias, podendo ser prorrogado pela mesma duração do contrato original. Também amplia a possibilidade de uso do contrato de trabalho em tempo parcial, passando a jornada máxima de 25 para 30h e permitindo o exercício de até 6 horas extras (para contratos até 26h semanais). No que se refere às horas extraordinárias em um contrato de trabalho regular, o PL 6.787/2016 permite que se estabeleça banco de horas por acordo individual, desde que a compensação ocorra no período dos 6 meses subsequentes.

A retórica que justifica medidas dessa natureza é a de que a redução dos custos do trabalho para os empregadores é suficiente para gerar novos empregos – ignorando que há outros fatores envolvidos, como a expectativa favorável de demanda para a produção. Na prática, entretanto, a criação de contratos com remuneração e proteções reduzidas tende a erodir as normas dos demais contratos, levando à precarização dos empregos já existentes. Esta tendência poderá se aprofundar ainda mais se combinada à crescente permissividade com a terceirização, como se verá no tópico a seguir.

13.1.2.2 (ii) Nível II: esvaziamento da CLT e fim da política de valorização do salário mínimo

Para além da criação de “novas modalidades de contratação” mais precárias, ou “pequenas exceções” para casos específicos, o segundo nível da reforma está ligado ao enfraquecimento da regulação do trabalho de forma mais geral. Neste nível, identificamos três principais possibilidades: a prevalência do negociado sobre o legislado e a generalização da terceirização estão na pauta e contribuirão para esvaziar a importância da CLT no mercado de trabalho. A política de valorização do salário mínimo, por seu turno, foi tacitamente revogada com a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016, que estipulou o teto de gastos.

A “prevalência do negociado” consiste em aceitar que acordos coletivos entre empregadores e empregados subtraiam direitos consolidados em lei. Já a terceirização é compreendida como a transferência de parte da atividade de uma empresa para uma prestadora de serviços especializados, por ela contratada, com o objetivo de liberá-la para se concentrar nas atividades essenciais ao seu processo produtivo. Esta interposição é defendida como uma forma de favorecer a gestão de recursos humanos por meio da contratação de empresas “especializadas”. Porém, na grande maioria dos casos, é usada com o objetivo de reduzir custos e riscos da atividade econômica, que ao fim recaem sobre os trabalhadores terceirizados.17 Em outras palavras, ambas as iniciativas pretendem contornar os limites à exploração do trabalho atualmente vigentes.

No tocante às duas primeiras questões, começaram a ser encaminhadas por mudanças na jurisprudência, particularmente no âmbito do STF. Por exemplo, no dia 13 de setembro, o STF publicou decisão no Diário de Justiça Eletrônico, da lavra do Ministro Teori Zavascki, que proveu um recurso extraordinário (RE 895.759) e reformou decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia anulado uma cláusula de acordo coletivo que excluía o pagamento das horas in itinere.18 No caso, o sindicato e a empresa haviam negociado essa exclusão em troca de outros benefícios mais vantajosos financeiramente aos empregados. O ministro, nessa decisão, fez remissão ao caso BESC,19 e ressaltou que “não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical.” Em outras palavras, assentou que deve se respeitar o negociado, mesmo que se limite direito legalmente previsto. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal (STF) assume legítimo protagonismo na reforma trabalhista e corrobora a prevalência do negociado sobre o legislado.20

Na mesma direção, outra importante decisão recente do STF diz respeito à jornada de trabalho de bombeiro civil. A decisão do STF foi tomada em uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra uma lei de 2009 que estipula a jornada estendida de 12 horas para bombeiros civis (com descanso de 36 horas). Segundo a PGR, a lei viola o direito fundamental à saúde, o que se comprova pela maior incidência de acidentes de trabalho após a sexta hora de expediente. Por unanimidade, entretanto, os ministros do tribunal mantiveram a validade da lei. Ressaltaram que, de acordo com a CF, a jornada normal de trabalho é de oito horas por dia, totalizando 44 horas semanais. No entanto, a regra permite a compensação da jornada “mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”, o que está previsto nos acordos coletivo da categoria.21

Ambas as decisões são importantes porque criam precedentes que podem ser estendidos a todo e qualquer direito trabalhista futuramente. Os direitos trabalhistas existem para estabelecer um limite máximo para a exploração do trabalho: se estes são “negociáveis”, perdem em essência a condição de direitos. Em um contexto de alto desemprego, em que o poder de barganha dos trabalhadores se enfraquece, o resultado provável das negociações coletivas é a entrega de direitos em troca da manutenção temporária de emprego. Por fim, a própria legislação acaba sendo influenciada pela jurisprudência, sendo exemplo disso a inclusão de dispositivos referentes aos dois casos mencionados no texto do PL 6.787/2016 aprovada na Câmara: o artigo 58 estabelece que o tempo de deslocamento até o local de trabalho, mesmo em meio de transporte fornecido pelo empregador, não será computado como jornada de trabalho; e o artigo 59-A reconhece explicitamente que o regime de 12 horas seguidas pode ser estabelecido não apenas por convenção ou acordo coletivo, mas também por acordo individual escrito.

No que se refere à terceirização, no final de 2016 já havia movimentos indicando tanto o protagonismo do STF – no julgamento da ARE 71321122 – quanto a força do lobby empresarial no Congresso – em torno da aprovação do PLC 30/2015, o qual aguardava votação no plenário do Senado.23 Porém, por meio de uma manobra regimental que recolocou na pauta da Câmara dos Deputados um projeto de lei arquivado em 1998, que já havia sido aprovado no Senado,24 o Congresso aprovou a Lei 13.429/2017, sancionada com pequenos vetos pelo Presidente Michel Temer. A nova lei não apenas liberou a terceirização (tanto na forma de trabalho temporário quanto de prestação de serviços) tanto em atividades-meio como em atividades-fim, como também estipulou que a empresa contratante é responsável subsidiária, mas não solidária, pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. Esta lei representa um retrocesso enorme em relação à jurisprudência materializada na Súmula 331 do TST (a qual balizava a subcontratação e os contratos de terceirização até então), uma vez que esta vedava a prestação de serviços em atividade-fim e estipulava a responsabilidade solidária das contratantes.

No debate público, a terceirização tem sido defendida tanto como uma necessidade quanto como um fenômeno inevitável. No entanto, a mesma apresenta graves e diversos problemas, dentre eles o maior risco de acidentes do trabalho; o histórico de baixos salários dos terceirizados e de diferenças salariais entre efetivos e terceirizados; a fragmentação do coletivo dos trabalhadores; a baixa qualificação com reflexos na qualidade dos serviços que são prestados; o inadimplemento das obrigações trabalhistas com inúmeros conflitos judiciais gerados a partir disso. Segundo o dossiê “Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha”, lançado em fevereiro deste ano pela CUT e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), os trabalhadores terceirizados ganham 25% menos, trabalham quatro horas a mais e ficam 2,7 anos a menos no emprego quando comparados com os contratados diretos. Favorece ainda situações análogas à escravidão. O documento aponta que, entre 2010 e 2014, entre os 10 maiores resgates de trabalhadores escravizados, 9 eram terceirizados.25

Por fim, cabe destacar o impacto da reversão da política de valorização do salário mínimo. O salário mínimo não influencia somente aqueles que dele diretamente se beneficiam (o que já atingem mais de 40 milhões de trabalhadores e aposentados nos dias de hoje), mas também sinaliza as rendas do mercado informal de trabalho e das outras rendas do trabalho.

O crescimento real do salário mínimo na última década, entre os Governos Lula e Dilma, foi capaz de reverter as perdas de períodos anteriores. A política de aumentos contínuos, em conjugação com os processos de formalização e valorização da moeda nacional, fizeram com que o valor internacional (US$ em Paridade do Poder de Compra, PPP) do salário mínimo brasileiro alcançasse um patamar inédito em 2016: mais que dobrou desde 2003 e é quase quatro vezes maior que em 1961, ano de pico do salário mínimo real em moeda nacional.

Assim como no Golpe de 1964, o Governo Temer propõe a revisão profunda da Política de Valorização do Salário Mínimo. Ainda que este tenha recuado na proposta de desvinculação de 22,5 milhões de aposentados do piso do Salário Mínimo, como expresso na proposta da PEC 287, o Novo Regime Fiscal, imposto pela Emenda Constitucional 95/2016, na prática, impede a continuidade da incorporação do crescimento do PIB no cálculo de atualização anual, estabelecida pela Lei 13.152/2015, que estaria vigente até 2019. Isso porque o teto de gastos será corrigido apenas pela inflação, o que inviabiliza que os benefícios previdenciários no valor do salário mínimo obtenham ganhos em termos reais. Trata-se do desmonte não apenas de uma garantia importante para a fixação do nível de remuneração do trabalho, mas também de um mecanismo de partilha dos ganhos de produtividade futuros.

13.1.2.3 (iii) Para além do limite da dignidade: a descaracterização do trabalho escravo

Há um terceiro nível da reforma trabalhista que provavelmente não será anunciado como tal, mas que pode ter os efeitos mais perversos em termos de negação de direitos: a descaracterização de formas de trabalho análogas à escravidão. O conceito de trabalho análogo ao de escravo, fixado no art. 149 do Código Penal, corresponde ao limite prescrito pelo Estado à exploração do trabalho, isto é, o parâmetro abaixo do qual o assalariamento é socialmente ilegítimo. Essa definição legal envolve, como elementos principais, a sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho e a jornadas exaustivas, além de restrição de sua locomoção em virtude de dívida contraída com o empregador. Tais condições, explícitas no texto da lei, denotam que a caracterização legal do crime de exploração de trabalho em condições análogas à escravidão não se restringe à coação direta do empregador.26

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento Desenvolvimento Rural, entretanto, aprovou em 15 de maio de 2016 a proposta que define o que é trabalho escravo no Brasil e que altera o Código Penal (Decreto-Lei 3.689/41), retirando os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” da definição do crime. Pelo Projeto de Lei 3.842/2012, do ex-deputado Moreira Mendes, a expressão “condição análoga à de escravo, trabalho forçado ou obrigatório” compreende o trabalho ou serviço realizado sob ameaça, coação ou violência, com restrição de locomoção e para o qual a pessoa não tenha se oferecido espontaneamente. A nova redação amplia significativamente as possibilidades de exploração do trabalho no país e dificulta a ação da fiscalização realizada pelo MTE.27

Além da definição de trabalho escravo estar em questão no âmbito legislativo, há o perigo de que essa descaracterização ocorra por meio de mudanças infralegais ou administrativas. Enquanto o projeto de lei tramita no Congresso, segundo informações do Jornal O Globo, o governo recebeu um documento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) pedindo que seja revogada a portaria que dispõe sobre trabalho escravo. Para a CNI, a lei tem conceito “bastante subjetivo, utilizando expressões vagas como jornada exaustiva e condições degradantes, o que dá margem a caracterizações arbitrárias”.28 Esta manifestação desconsidera que o conceito tem sido aplicado com sucesso por vinte anos e é reconhecido pela OIT, que destaca o programa brasileiro como exemplo mundial.29

A descaracterização do conceito é uma ameaça clara, porém a negligência do Estado em coibir a prática do trabalho escravo pode ter resultados idênticos. Mesmo a contenção de gastos decorrente da política de austeridade fiscal pode impulsionar o desmonte da fiscalização do trabalho – em especial do grupo móvel que combate o trabalho escravo no país – tornando letra morta qualquer regulamentação mesmo que ela resista.

13.1.3 A nova fronteira da exploração

A pressão pela desregulação do trabalho é um aspecto permanente do conflito de classes nas sociedades capitalistas contemporâneas. O contexto de crise aguça este conflito e muda a correlação de forças em favor dos empregadores. O desemprego fragiliza as organizações de trabalhadores e legitima socialmente a retirada de direitos, uma vez que as regulações podem ser apresentadas como “obstáculos” à recuperação do emprego. Trata-se essencialmente de uma disputa acerca da distribuição da renda entre capital e trabalho – em um contexto de crise as empresas procuram defender a taxa de lucro e sua posição de mercado pela redução da renda e aumento da exploração do trabalho.

Diante desse contexto, a tendência é o aumento da exploração do trabalho. Este processo não será viabilizado por uma reforma única das principais peças da legislação trabalhista (Constituição, CLT etc), mas por um processo difuso de enfraquecimento da abrangência e eficácia destas normas. Nesse sentido, observamos que a reforma é operada em níveis e por atores diferentes, mas todos comprometidos com uma saída que preserva lucros em detrimento das condições de vida e de trabalho.

13.2 Secretaria de Políticas Públicas de Emprego

Na Secretaria de Políticas Públicas de Emprego a ocupação patrimonialista das áreas chegou a níveis nunca vistos. Nichos técnicos, relacionados com a execução dos serviços da responsabilidade da Secretaria, que sempre haviam sido preservados, dessa vez foram quase que completamente ocupados por indicações exclusivamente políticas.

Um programa completamente espúrio de qualificação profissional, chamado de “Qualifica Brasil”, vem sendo projetado, a ser implementado sem uma integração com os demais serviços do Sistema Nacional de Emprego (SINE) e com uma sobreposição de serviços que já são prestados em outras instâncias, como, por exemplo, uma vertente do programa que visa qualificar microempreendedores, algo que já é feito pelo SEBRAE. Tal programa, ao que parece, será mais um meio de favorecimento orçamentário para aliados da gestão a nível municipal e estadual.

Outra destaque deve ser dado à atuação, dentro da assessoria dos contratos de Tecnologia da Informação da secretaria, por parte de pessoa sem qualquer vínculo com o ministério. Esta pessoa afirma ter sido “convocada” para fazer uma auditoria do contrato da SPPE com a Dataprev, mas vem exercendo sua influência em tudo que diz respeito à política de gestão da informação da secretaria. Pelas suas propostas e intervenções, há indícios de que esteja atuando para atender o interesse de empresas privadas da área de TI.

13.3 Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES)

Assim como outros temas introduzidos só a partir de 2003 na agenda pública e que já eram tratados de modo periférico nas políticas federais, a economia solidária se ressentiu bastante da ruptura democrática.

A inserção do tema da economia solidária como Secretaria, no Ministério do Trabalho, foi uma conquista dos movimentos sociais pelo reconhecimento da existência de empreendimentos que praticam relações de trabalho de forma cooperada e associada, baseados na solidariedade, autogestão e democracia. Sua visão estratégica de construção e fortalecimento de uma política pública para outra economia e outro modelo de desenvolvimento foi realizada a partir de intensa participação social, com a realização de três Conferências Nacionais envolvendo milhares de pessoas em todo o Brasil.

Na última Conferência, foi elaborado o Plano Nacional de Economia Solidária, consolidado em 2015 pelo Conselho Nacional da área, estabelecendo metas e objetivos para as diversas áreas da política, em grande parte articulados com objetivos e políticas de outras áreas de governo. Os processos de elaboração do PPA 2016-2019 fizeram referência a este Plano e envolveram acordos bilaterais para a inclusão do tema em metas e iniciativas de políticas parceiras, como por ex.: mulheres, juventude, agricultura familiar, política sobre drogas, pessoas com deficiência etc. Não há menção de compromisso da gestão atual com estes objetivos e metas democraticamente estabelecidos, nem com os comitês de gestão das políticas públicas construídos com parceiros governamentais e sociedade civil, ou mesmo com a convocação do Conselho Nacional de Economia Solidária.

Estes elementos permitem perceber que a política pública está à deriva sem planejamento ou objetivo estratégico, mantendo-se apenas o cumprimento das obrigações contratuais estabelecidas via instrumentos de parceria efetivados anteriormente. Cria-se, assim, uma dinâmica de balcão, na qual grupos de interesses vão diretamente negociar financiamento com a gestão golpista sem a existência de uma visão mais ampla e estratégica do que se pretende com a política. Contrapõe-se, dessa forma, à prática republicana de editais abertos de chamada pública, com critérios objetivos e transparentes, que até então havia caracterizado amplamente a forma de acesso à política. Em vez de buscar estabelecer as grandes linhas de ação estruturadas a partir de eixos construídos nos espaços institucionalizados de diálogo e participação social, como a Conferência, o Conselho e os comitês setoriais, o resquício do que sobrou da antiga Senaes está apenas reagindo aos interesses colocados por um ou outro segmento, por vezes nem mesmo organicamente ligados ao tema.

Esse desgoverno é a conseqüência esperada da desestruturação completa da equipe de direção. Em contraposição ao discurso de profissionalização e tecnicismo dos arautos do golpe, verifica-se na realidade a exoneração completa de uma equipe de direção que contava com quatro professores universitários e dois servidores públicos de carreira. Em seu lugar, entraram diversas indicações políticas sem vínculo com o serviço público, cujo único ponto em comum é a total ausência de conexão de suas trajetórias profissionais com qualquer atividade relacionada à economia solidária ou à geração de trabalho e renda, associados à fraca experiência na gestão pública. Exemplo maior é a substituição do mundialmente renomado economista e professor Paul Singer por Natalino Oldakoski, escrivão aposentado pela Polícia Civil do Paraná e que jamais teve atuação na área.

A cereja do bolo é o rebaixamento institucional do status da Secretaria, retirando ainda mais sua já reduzida capacidade de gestão e articulação. Além do risco de descontinuidade e extinção, talvez o que é pior, ressalta-se o risco da distorção completa dos princípios e o objetivos que nortearam a política, com a destinação de recursos públicos originalmente concebidos para a economia solidária para iniciativas e projetos que podem até estar em contraposição direta aos princípios e diretrizes que norteiam as práticas de base associativa e autogestionária.

É esse o risco que correm hoje os mais de 20.000 empreendimentos econômicos solidários e cerca de 1,2 milhão de trabalhadores espalhados pelo Brasil. Trata-se de mulheres e jovens das periferias urbanas, operários buscando retomar seu posto de trabalho, agricultores familiares, quilombolas, ribeirinhos e outros povos e comunidades tradicionais, usuários da saúde mental, egressos do sistema prisional, entre diversos outros grupos profissionais que levaram séculos para serem reconhecidos pelo Estado brasileiro como sujeitos de direito ao trabalho associado, mas hoje correm o risco de estar entregues ao trabalho degradante e precário, sem o apoio de políticas públicas que lhes dêem suporte e incentivos da mesma forma que as elites e as grandes empresas sempre tiveram.

14 Desenvolvimento social e Sistema Único de Assistência Social (SUAS)

No campo da Assistência Social, as primeiras declarações do governo ilegítimo soaram o alerta da redução nas políticas de combate à pobreza, podendo resultar no agravamento da situação justamente dos mais vulneráveis, trazendo impactos negativos para o conjunto da sociedade. O Brasil é reconhecido internacionalmente por seu esforço de retirar 22 milhões de pessoas da extrema pobreza e virtualmente erradicar a fome em seu território. O Programa Bolsa Família hoje alcança 50 milhões de brasileiros.

O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) atende milhões de brasileiras/os em todo o território nacional, com ofertas públicas organizadas por níveis de proteção – Básica e Especial. Conta atualmente com uma rede socioassistencial pública-estatal de mais de 10.000 unidades no território nacional. Além disso, integram esta rede de proteção social as entidades e organizações de assistência social, corresponsáveis pela ampliação da proteção social.

O que está em jogo é a atuação das políticas públicas de assistência social, inclusão produtiva e segurança alimentar e nutricional voltadas para diferentes segmentos da população em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.

Ao invés de encarar os resultados dessas políticas como patamares mínimos de conquistas sociais que não deveriam sofrer, sob hipótese alguma, redução, descontinuidade ou retrocesso, o governo ilegítimo sinaliza pela sua contração, sob o falso argumento da eficiência.

O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS transformado em Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário – MDSA é o órgão federal responsável por coordenar e garantir essas políticas. Até o momento diversos anúncios e ações revelam o propósito colocado para esta pasta.

Foram anunciadas em 29 de julho 33 exonerações no MDSA. São servidores públicos comissionados que ocupavam cargos de coordenação e assessoramento. Todos profissionais técnicos qualificados e com formação e experiência nas áreas fins do Ministério. Ressalta-se que as secretarias do MDSA já há tempos vêm demandando a contratação de novos profissionais para repor e compor seus quadros, insuficientes hoje para atender a toda a demanda que a gestão de políticas nacionais requerem. As exonerações sumárias não vêm acompanhadas de planejamento de concurso público para tal fim, e portanto significam a precarização das estruturas e logo das políticas públicas, prejudicando a população brasileira. Utilizam-se do discurso mentiroso de inchaço na máquina pública do executivo e do aparelhamento político, mas exoneraram técnicos com alta competência e comprometimento com a política pública, está apartidária, direito do povo. Além disso, as exonerações foram realizadas de forma extremamente desrespeitosas com esses trabalhadores, muitos deles ficaram sabendo que estavam demitidos ao ver o anúncio no Diário Oficial da União!

O debate sobre a focalização de diversas políticas de seguridade social e da redução da responsabilidade e participação do Estado na sua condução e oferta vai na contramão do papel do Estado como assegurador dos direitos básicos de cidadania e apresenta à população uma falsa e ultrapassada dicotomia, que pressupõe a universalização como subordinada a um contexto orçamentário considerado favorável e não como garantia constitucional.

A ampliação dos serviços e benefícios socioassistenciais e do cofinanciamento aos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais não foi pautada por esse governo interino. O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, órgão de controle social desta política pública deve ser respeitado e autônomo, não sendo seus representantes, governamentais ou não, coagidos a adotarem posturas que contrariem as normativas desta política e os interesses públicos. É preciso fortalecer o caráter deliberativo dos Conselhos de Assistência Social e o cumprimento das normativas e pactuções do SUAS.

Em relação ao Programa Bolsa Família (PBF), felizmente, o governo vigente manteve o aumento neste ano, já previsto na gestão da presidenta Dilma Roussef. Este, porém, parece ter sido o único aspecto de respeito ao Bolsa Família de que o governo vigente foi capaz. Isso porque o governo se apropriou de medidas já desenhadas de aprimoramento de controle da focalização do Bolsa Família para criar um discurso de que o Programa esteve fora de controle por todos esses anos. O ministro Osmar Terra criou o discurso de que a gestão petista só se preocupou em comprar votos e não deu nenhuma atenção à qualidade do Bolsa Família. Com isso, o Ministro deixou de lado o fato de o Programa ter níveis de focalização iguais ou melhores que aqueles verificados para programas de transferência condicionada de renda em outros países. Além disso, partindo do discurso da “autonomia” e meritocracia, o ministro anunciou que premiaria os gestores municipais que realizem a revisão dos beneficiários do Bolsa Família, buscando com isso a redução do número de pessoas que recebem o benefício.

Ainda em maio deste ano, quando o Ministério Público Federal detectou possíveis irregularidades no Bolsa Família (e informou à imprensa antes de informar o MDSA), o ministro Osmar Terra optou deliberadamente por não defender o Programa, mesmo tendo argumentos da equipe técnica para fazê-lo. Internamente, a justificativa ouvida para tanto foi a de que o ministro Osmar Terra estaria gostando de ver a mídia crucificar o Bolsa Família. Depois, uniu-se com a equipe do Ministério do Planejamento cujo objetivo primeiro é cortar os programas sociais, em um discurso de que iria “passar o pente-fino” no Bolsa Família. Com esse discurso, bloqueou o pagamento de mais de 400 mil famílias no mês de novembro sem sequer lhes avisar. Os recursos economizados em bloqueios e cancelamentos do Bolsa Família poderiam ser utilizados para promover aumentos nas linhas de pobreza ou nos benefícios do próprio Programa, mas foram remanejados para outras atividades do MDSA, mostrando que o desmonte do Bolsa Família pode já ter começado e que, em tempos de vigência da EC 95, o orçamento do Bolsa Família passará a servir para compensar o ajuste feito em outras áreas da assistência social. O público atendido pelo Bolsa Família caiu de cerca de 13,9 milhões em janeiro de 2016, para 13,55 milhões de famílias em novembro deste ano. Pode ser que essa queda tenha ocorrido, porque não há mais famílias cadastradas que cumpram as regras de entrada no Bolsa Família, mas pode ser também uma ação deliberada de reduzir paulatinamente o PBF.

Como exemplo de outros grande ataque na área de assistência social, o governo encaminhou, em dezembro, o Projeto de Emenda Constitucional n. 287, que prevê dois desmontes no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que atende a idosos e pessoas com deficiência sem capacidade de trabalho com renda de até ¼ do salário mínimo. Primeiro, pela proposta, o valor do benefício perde sua indexação constitucional ao salário mínimo – será, portanto, menor que este valor. Segundo, a idade mínima de acesso ao BPC pelo idoso passaria de 65 para 70 anos,30 o que desconsidera que os possíveis beneficiários do BPC têm expectativa de vida abaixo da média nacional, justamente por se tratar de população vulnerável. Por fim, ainda que a proposta de restrição do BPC tenha sido elaborada unicamente pelo Ministério da Fazenda, o corpo diretivo do MDSA orientou aos servidores da Secretaria Nacional de Assistência Social que publicamente declarem ter participado da construção da proposta, a fim de legitimar o governo.

A reforma proposta pelo governo para o BPC aponta simultaneamente para a redução do público e do valor do benefício, com repercussões preocupantes para o aumento da pobreza e desigualdade no país, e particularmente para a piora das condições de vida dos idosos e pessoas com deficiência vivendo em famílias sob condição de miséria. Convém lembrar que o BPC garante uma renda de substituição à renda do trabalho a um público reconhecidamente incapaz de garantir sua própria sobrevivência por meio do trabalho remunerado. Por garantir a renda de sobrevivência, que não pode ser obtida via trabalho remunerado, a Constituição assegura o BPC no valor correspondente ao próprio piso garantido aos trabalhadores para sua subsistência, ou seja, um salário mínimo. Pesquisa realizada entre os beneficiários revelou a grande relevância do valor deste benefício para a efetividade na proteção face à pobreza: em média, a renda proveniente do BPC representa 79% do orçamento dessas famílias e, em 47% dos casos, ela é a única renda da família (Brasil, 2010). Portanto, diante da relevância da renda proveniente do BPC no orçamento familiar dos seus beneficiários, a reforma em pauta sinaliza a iminência de um aumento da pobreza e vulnerabilidade entre os idosos e pessoas com deficiência e suas famílias.

No caso dos idosos, a desproteção deve ser acentuada pela elevação da idade de acesso, a qual o governo tenta justificar, dentre outras razões, pelo aumento da expectativa de vida. Se é verdade que as projeções demográficas vêm mostrando um aumento da expectativa de vida média da população geral, não se pode negar que esta varia consideravelmente conforme condições socioeconômicas de subgrupos da população. Conforme sugerem informações de registros administrativos, a expectativa de sobrevida do público do BPC tende a ser bem menor que o da população em geral. A expectativa de sobrevida da população aos 66 anos estimada pelo IBGE (17,6 anos) está muito distante daquela estimada para os beneficiários do BPC Idoso (7,9 anos) pelos dados do Anuário Estatístico de Previdência Social.

Diante do exposto, dois impactos podem ser previstos diante de uma eventual elevação da idade de acesso: (i) Redução do público beneficiário e aumento das taxas de pobreza entre a população idosa; (ii) Redução do período de vida coberto pela proteção assistencial. Em 2015, dos 1,9 milhão de beneficiários idosos, 27% tinham idade entre 65 e 69 anos (MDS. Boletim BPC, 2015). Portanto, se a idade mínima de elegibilidade fosse 70 anos em 2015, 520 mil idosos não seriam beneficiários do BPC e estariam provavelmente em situação de miséria. Caso a elevação da idade seja aprovada pelo Congresso, esse nível de desproteção tende a aumentar, totalizando cerca de 716 mil idosos desprotegidos após os primeiros 5 anos de implementação da nova idade mínima, o que representa uma desproteção de 29% face ao cenário sem a reforma. Além da menor quantidade de idosos protegidos, haveria também expressiva redução média da duração do BPC Idoso, reduzindo-se o tempo de usufruto do benefício, tendo em vista que, em 2014, a média de vida dos beneficiários foi 74,4 anos (considerando a idade média de concessão do benefício de 66,5 anos e a duração média do benefício ao idoso: 7,9 anos).

O golpe de Estado que sofremos trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, carregada de preconceitos contra os usuários das políticas – população pobre, negra, indígena, mulheres, LGBT, idosa e pessoas com deficiência, violadas nos direitos básicos, sem teto, sem acesso à educação e cultura – perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos. O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência e soberania nacional. Em suma, concentrar ainda mais a riqueza da sociedade para as mãos de poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, SUAS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.

A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas. Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia. Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.

14.1 Referências

  • Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Secretaria Nacional de Assistência Social. Boletim BPC 2015. Brasília: MDSA, 2016d. Disponível em: http://www.mds.gov.br.
  • Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Benefício de Prestação Continuada (BPC). In: TAPAJÓS, L.; QUIROGA, J. (orgs). Síntese das pesquisas de avaliação de programas sociais do MDS- versão atualizada e revisada 2006-2010. Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate, Brasília, n°13, 2010.

15 Meio ambiente

Grandes ameaças aos direitos sociais estão se materializando pelas mãos do governo golpista de Michel Temer, dentre os quais ao Meio Ambiente, inviável sem uma Gestão Ambiental Pública fortalecida. Os servidores dos órgãos ambientais têm acompanhado com espanto os desmandos que implicam em desmonte, desestruturação e loteamento político desses órgãos.

Houve aumento significativo da velocidade do desmonte da gestão ambiental federal. Os servidores vislumbram um futuro árido, com desmonte do Estado e pacotes de retiradas de direitos e garantias socioambientais, ataques à legislação ambiental, às Unidades de Conservação, flexibilização do licenciamento, exploração de gás não-convencional, Código de Mineração, políticas pró-agronegócio e pesca, ataques aos direitos indígenas e povos tradicionais. Se vislumbra uma Era de grandes retrocessos na área ambiental.

15.0.1 Referências

15.1 Nenhum hectare a menos!

Ambientalistas lançam carta em protesto contra o governo ilegítimo Temer

O Observatório do Clima, reunido em assembleia em Atalanta (SC), lançou no dia 12/04/17 uma carta em protesto contra o ataque coordenado do Congresso Nacional e do governo ilegítimo Temer à proteção ambiental e aos direitos dos povos tradicionais. A Carta de Atalanta denuncia que, em meio a uma grave crise política e de instabilidade institucional, o governo Temer e segmentos do Congresso avançam rapidamente para desfigurar leis e políticas socioambientais consolidadas a partir da Constituição de 1988. “Evidencia-se um esforço concentrado e organizado para a aprovação de um conjunto de medidas que colocam em risco o bem-estar e a segurança da sociedade e nossos compromissos contra as mudanças climáticas”.

Entre as vítimas estão as Unidades de Conservação (UC) e as Terras Indígenas (TI). “Encontram-se paralisados todos os procedimentos administrativos de demarcação de Terras Indígenas, titulação de quilombos e criação de assentamentos da reforma agrária e Unidades de conservação. O teto de gastos introduzido na Constituição projeta um longo período de arrocho orçamentário para os órgãos e políticas socioambientais – um exemplo é o corte de 43% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente em pleno período de alta no desmatamento”.

Comissões Especiais do Congresso reduziram a proteção das UC em 1,1 milhão de hectares em apenas dois dias, votando propostas enviadas pelo Palácio do Planalto golpista na forma de Medidas Provisórias. As Terras Indígenas sofrem uma séria ameaça com a nomeação de Osmar Serraglio (PMDB-PR), um radical da bancada ruralista, para o cargo de Ministro da Justiça. As Terras Públicas da União estão ameaçadas com a proposta da MP 759/16, que facilita a venda das Terras Públicas, que, em alguns estados da Amazônia, por exemplo, constituem a maior parte do território, para quem oferecer o maior valor.

“Após avanços significativos na redução da taxa de desmatamento e na demarcação de Terras Indígenas e criação de Unidades de Conservação na década passada – mantendo ao mesmo tempo forte crescimento econômico, safras recorde e geração de empregos –, o Brasil parece retroceder à década de 1980, quando era um pária internacional devido à destruição acelerada de seu patrimônio natural e à violência no campo”, alerta a Carta de Atalanta. “O país que gosta de se vender ao mundo como parte da solução da crise do clima voltou a ser um problema. A mesma agropecuária propagandeada como a mais sustentável do mundo é a responsável pela grilagem de terras públicas, pela retirada de direitos de povos e comunidades tradicionais e pequenos agricultores e por rasgar os compromissos domésticos e internacionais de redução de emissões”, denuncia a Carta contra os retrocessos na agenda socioambiental.

A Carta de Atalanta também alerta que, além das ameaças diretas a Área Protegidas e territórios tradicionais, também pode ser votado na Câmara nos próximos dias o desmonte do licenciamento ambiental.

15.1.1 Referências

15.2 Aumento do desmatamento

O desmatamento na Amazônia subiu de maneira significativa em 2016. A taxa de devastação foi de 7.989 Km², 29% superior à de 2015. É o maior aumento na velocidade do desmatamento desde 2008, ano em que um pico de devastação fez o governo endurecer a vigilância e cortar crédito de fazendeiros nos municípios mais críticos. É também o maior aumento percentual desde 2001. A área perdida equivale a 5,3 vezes a cidade de São Paulo.

A estimativa anual do Prodes, o sistema de monitoramento por satélite que calcula a taxa oficial, foi postada no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no dia 29/11/16. Diferentemente dos anos anteriores, não houve anúncio formal em entrevista coletiva. O ministro do gabinete golpista do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), chegou a anunciar que divulgaria o número, mas recuou, limitando-se a dizer a jornalistas que aguardassem a publicação das informações pelo Inpe.

O número estava na mesa do ministro golpista Gilberto Kassab, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, desde pelo menos a Conferência do clima de Marrakesh. Embora o aumento viesse sendo antecipado há meses pelos técnicos do governo, a estimativa final da taxa causou alarde em Brasília. As estimativas giravam em torno de 7.000 Km², e o dado final chegou a quase 8.000 Km².

O Pará respondeu sozinho por quase 40% da área de floresta perdida no bioma Amazônia entre agosto de 2015 e julho de 2016, “ano fiscal” do desmatamento. Foram 3.015 Km², ou duas cidades de São Paulo. O maior salto na devastação ocorreu no Estado do Amazonas, 54% de aumento, deixando o Estado em quarto lugar entre os campeões da motosserra em 2016.

O novo pico no corte raso na Amazônia terá implicações diretas sobre as metas brasileiras contra as mudanças climáticas. O Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG OC) alerta que o desmatamento deste ano acrescenta 130 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente às emissões do Brasil. “É o mesmo que o Estado de São Paulo, o mais populoso do país, emitiu em todo o ano de 2015, ou duas vezes a emissão anual de Portugal.

Em 2009, o Brasil lançou o compromisso internacional de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020. A alta desvia o país da trajetória. A taxa de 2016 é duas vezes maior que a meta assumida para 2020, que é de 3.925 Km². Segundo dados do OC, em 2016 as emissões de gases do efeito estufa aumentaram 3,5%. O Brasil se comprometeu a cortar suas emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030 – ambos em comparação aos níveis de 2005. O país ainda se comprometeu a zerar o desmatamento da Amazônia Legal, responsável pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa, e a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. De acordo o Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Inpe, entre 2004 e 2014 houve uma redução de 82% do desmatamento na Amazônia Legal.

A diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, disse não ver um posicionamento claro do governo brasileiro para o combate ao desmatamento da Floresta Amazônica. Ela aponta que os cortes de recursos na área ambiental dificultam medidas mais eficientes, incluindo as ações de comando e controle, além das de fiscalização. Ela enfatiza o esforço do Ministério do Meio Ambiente (MMA), citando como exemplo o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, criado em 2004, e que tem como objetivo reduzir, de forma contínua, o desmatamento e estabelecer uma alternativa sustentável para a região.

15.2.1 Referências

15.3 Meio Ambiente pela metade: corte de 50% do orçamento prejudicará fiscalização

No dia 30/03/17 o governo ilegítimo cortou a gestão ambiental federal pela metade. Dos exíguos R$ 911 milhões previstos para o MMA, após o contingenciamento, o orçamento passa a ser de R$ 446 milhões, em uma redução de 53%. Foi uma das pastas que tiveram a maior redução na Esplanada – a média de corte foi de cerca de 30%. A pasta terá apenas os R$ 446 milhões para financiar todas as atividades de controle ambiental federal, desde a fiscalização do desmatamento, até a proteção de 76 milhões de hectares de unidades de conservação federais, passando pelo licenciamento de obras de infraestrutura, até a alimentação de milhares de animais mantidos nos centros de triagem de fauna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), no país inteiro. Nem Donald Trump, que afirmou que o aquecimento global é conspiração dos chineses, cortou tanto. O presidente estadunidense propôs reduzir 31% dos fundos da Agência de Proteção Ambiental.

A situação do IBAMA pode ficar ainda mais crítica, já que este tem trabalhado no limite dos seus recursos. Além disso, diferentemente de outros ministérios, o MMA não pode contar com verba vinda do PAC. O corte raso acontece em um momento em que o desmatamento cresce. A presença ostensiva da fiscalização é vital, já que a taxa de desmatamento está em alta – em 2016, o aumento foi de 29% na Amazônia. Pela primeira vez em 12 anos o desmatamento na floresta apresentou aumento consecutivo, o que coloca em risco a meta do Brasil de chegar a 2020 com a derrubada no patamar de 4.000 Km² – em 2016 ela chegou ao dobro disso. Como combater o desmatamento crescente na região amazônica em 2017 com metade do orçamento previsto para isso?

Provavelmente, a devastação da floresta amazônica voltará a ser uma notícia frequente nos próximos anos no Brasil e no mundo. No dia 05/04/17, durante audiência pública da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso, o secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Alfredo Sirkis, afirmou que o corte da verba do MMA é um gravíssimo desatino e vai prejudicar profundamente a fiscalização do desmatamento – e, por consequência, as metas climáticas do Brasil.

15.3.1 Referências

15.4 A Esplanada dos ministros latifundiários e depredadores

Levado ao poder por ruralistas, Temer entrega o território brasileiro

A lógica do conflito de interesses perpassa o governo Temer, e tem na questão agrária uma de suas expressões mais salientes. Desde o início do governo interino, Temer volta-se para o interesse do poder econômico. A derrubada de Dilma Rousseff foi patrocinada também pela bancada ruralista, que está instalada no governo e empoderada no Congresso.

À frente da Agricultura está o infame ministro Blairo Maggi, produtor de soja e milho. Ele é a favor da venda de terras para estrangeiros – desde que não sejam as de soja e milho. Já no Mato Grosso, o ministro golpista Eliseu Padilha, braço direito de Michel Temer, à frente da Casa Civil possui 6 mil hectares de terras dentro de um Parque Estadual. O Parque já existia quando Padilha comprou fazendas no local. Além disso, é investigado por crime ambiental. No Rio Grande do Sul, é investigado por grilagem de terras.

A Justiça de Mato Grosso determinou o bloqueio de R$ 108 milhões em bens de Eliseu Padilha, e de mais cinco sócios dele em duas fazendas localizadas nos limites do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, a 562 km de Cuiabá, por degradação ambiental. As decisões do juiz Leonardo de Araújo Costa Timiati, da Vara Única daquele município, foram dadas no dia 30/11/16. Conforme o magistrado, os montantes bloqueados devem servir para a recuperação das áreas degradadas. Vale lembrar que Eliseu Padilha é citado em delações premiadas de executivos e ex-dirigentes da Odebrecht como beneficiário de caixa 2 que teria sido repassado pela construtora para campanhas eleitorais do PMDB.

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) identificou o desmate irregular de 82,75 hectares na Fazenda Paredão, sem autorização ou licença ambiental. Por causa dos danos, o magistrado mandou bloquear R$ 69.896.312,85 em bens do ministro e de outros seis sócios dele. Já na Fazenda Cachoeira foi constatado o desmatamento irregular de 735 hectares na área rural, sem autorização ou licença expedida pela Sema, além do uso de ocupação do solo em desacordo com o Sistema Nacional de Unidade de Conservação – Snuc. Por causa da devastação, foi lavrado pela Sema um auto de infração, segundo a decisão. Pelos danos ambientais causados nessa área, o juiz determinou o bloqueio de R$ R$ 38,2 milhões em bens do ministro e de outras quatro pessoas.

No despacho, o juiz reforça que o parque criado em 1997 constitui em uma unidade de conservação que pertence ao grupo de proteção integral, ou seja, no espaço apenas pode ser feito o uso indireto com ações de turismo ecológico, com passeios, trilhas e educação ambiental. A reserva também “serve de refúgio para espécies endêmicas e abriga um ecossistema de valor inestimável para a humanidade”.

Além do desmatamento irregular, os proprietários da fazenda utilizavam a área para a criação de gado, sem autorização. Desse modo, a Justiça determinou o fim imediato de todas as atividades que lesem o meio ambiente, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, e a retirada do rebanho da propriedade no prazo de 60 dias, também sob risco de multa do mesmo valor. No prazo de cinco dias da retirada do gado da fazenda, os proprietários devem informar à Justiça e apresentar uma cópia das Guias de Trânsito Animal (GTA). No entanto, o juiz considerou a dificuldade da reparação dos danos ambientais, apesar do bloqueio de bens em busca de reparar os danos. “O dano ambiental causado, bem como sua continuação, verdadeiramente traduzem lesão grave. Consequentemente, a reparação do dano ao meio ambiente é extremamente difícil, quando não impossível, e, por isso todos, os esforços devem ser envidados para assegurar que a reparação integral seja efetivamente realizada, inclusive com a reparação extrapatrimonial”, pontuou.

Padilha e os sócios ainda deverão em 60 dias, a contar da data da notificação, apresentar um plano de recuperação de área degradada, com base nas diretrizes indicadas pela Secretaria de Meio Ambiente, e, 30 dias após a aprovação, deverão comprovar a execução desse plano. A recuperação da área deve ser acompanhada pelos órgãos ambientais responsáveis.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a abertura de inquérito contra Eliseu Padilha, para investigar uma outra acusação de crime ambiental. A decisão acolhe pedido formulado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O Procurador quer aprofundar investigações sobre a prática pelo ministro, em tese, de crime contra a flora, previsto no artigo 38 da Lei 9.605/1998, que determina a “detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”, para quem “Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção”. A petição foi feita a partir de inquérito policial instaurado pela Polícia Federal no Rio Grande do Sul para investigar fatos relacionados à construção de um canal de drenagem no Balneário Dunas Altas, em Palmares do Sul, Área de Preservação Permanente – APP. Segundo dados do Auto de Constatação Ambiental anexado ao processo, o terreno que teria sido danificado tem 664,42 hectares de território total. Nesta área, foi construído, em 2013, um fosso de aproximadamente 2,1 metros de comprimento por 5 metros de largura, de forma a totalizar 10,5 mil m² de destruição da vegetação.

Segundo as apurações, há indícios de que Padilha está entre os sócios da empresa responsável pelas obras. Os policiais ainda indicaram haver, nas proximidades do local, uma placa com os dizeres “Fazenda Giriva – Posse de Eliseu Padilha”. O juízo da 7ª Vara Federal de Porto Alegre declinou da competência para processar e julgar os fatos, tendo em vista o fato de que Padilha passou a ocupar o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. O ministro Lewandowski avaliou que, nesse primeiro momento, os fatos descritos pelo procurador-geral da República configuram, em tese, ilícito penal, “devendo-se salientar que os autos possuem elementos probatórios aptos a embasar o início das investigações”. O relator considerou que as diligências requeridas se mostram necessárias para melhor elucidar as condutas, devendo ser autorizadas para que o órgão acusatório possa formular sua convicção sobre os fatos. Assim, o ministro Ricardo Lewandowski deferiu pedido de abertura de inquérito, bem como a realização das diligências solicitadas.

O crime ambiental que motivou abertura de investigação contra o ministro Eliseu Padilha pelo STF ocorreu numa área disputada pelo ministro, que envolve acusação contra ele de grilagem de terra. A obra de drenagem feita em área de preservação ambiental tinha justamente o propósito de demarcar o território que está em litígio. Padilha é suspeito de ter destruído a APP para a construção de um parque eólico financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES).

15.4.1 Referências

15.4.2 Saiba mais

15.5 Desmonte do Licenciamento Ambiental Federal

Licenciamento “Flex”

O polêmico projeto de lei que apressa o licenciamento ambiental, cortando alguns caminhos regulatórios, pode ser votado pela Câmara a qualquer momento, na CFT (Comissão de Finanças e Tributação). O projeto é amplamente apoiado pela Frente Parlamentar Agropecuária – Bancada Ruralista – e por entidades como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e CNI (Confederação Nacional da Indústria). Ele agrada ao agronegócio por isentar propriedades rurais de licenciamento, diferentemente das normas atuais e da proposta de lei do Executivo. E agrada a indústria ao reduzir prazos para análise de licenças e deixar na mão de estados e municípios a definição de quais empreendimentos estarão sujeitos a qual grau de rigor na concessão nas licenças.

O Ministério da Casa Civil do governo golpista apoia o Projeto de Lei e tem pressa que o projeto seja aprovado. No dia 14/12/16, apesar de a bancada ruralista estar em peso na sessão, defendendo que houvesse a votação, deputados de PT, Rede e PSOL obstruíram a votação.

A ordem para incluir a proposta na pauta partiu do gabinete golpista da Casa Civil, dinamitando a proposta de Lei Geral de Licenciamento do Executivo, em construção no próprio ministério. No começo de 2016, o Congresso tentou votar uma série de pautas que flexibilizavam, criavam o “autolicenciamento” ou até acabavam de vez com a figura de um licenciamento ambiental. Esses projetos foram barrados no Senado. Na Câmara, parlamentares negociaram um texto que criaria uma Lei Geral do Licenciamento.

Esse projeto, o PL 3.729/2004, está tramitando na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e abarca 16 textos diferentes, mas, na prática, são dois textos alternativos que podem ser votados. Um é do deputado ambientalista Ricardo Tripoli (PSDB) e o outro, do ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS). Inicialmente, o governo Temer, por meio do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, apoiava o texto de Tripoli. No dia 09/12/16 a Casa Civil decidiu abandonar o texto “pró-ambientalista” e passar a apoiar o texto dos ruralistas. O substitutivo apresentado pelo Deputado Federal Mauro Pereira figura, entre os textos em tramitação, como aquele que pretende impor os mais graves retrocessos à legislação atualmente em vigor, além do notável baixo nível de técnica legislativa, o que prejudica a interpretação dos dispositivos, podendo gerar insegurança jurídica e ampliação de ações judiciais.

Esse substitutivo libera geral. Alguns dos muitos exemplos de retrocessos incluídos no texto: de mineração em Unidades de Conservação até asfaltamento de estradas na Amazônia, passando pelo agronegócio extensivo, a lista de atividades que terão dispensa de licenciamento ambiental não cabe em um ônibus. Dispensa de licenciamento para atividades poluidoras específicas; criação de licenciamento autodeclaratório; permissão aos Estados e Municípios para flexibilizar exigências ambientais sem qualquer critério; possibilidade de autorizações tácitas por vencimento de prazos e de suspensão de condicionantes ambientais por decisão unilateral do empreendedor; e eliminação da responsabilidade socioambiental de instituições financeiras por atividades por elas apoiadas. Obras do porte da hidrelétrica de Belo Monte, que eventualmente ainda tiverem exigência de licença, não precisarão mais cumprir uma série de condicionantes ambientais para funcionar. Uma das mais perigosas ameaças diz respeito às UC. Pela lei de 2000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, os órgãos gestores de áreas protegidas, como o ICMBio, têm poder de veto nos processos de licenciamento. Isso cai com o substitutivo de Mauro Pereira, o que possibilitaria, por exemplo, construir uma hidrelétrica em um rio que corta um Parque Nacional, mesmo que isso significasse a extinção de uma ou mais espécies. A hidrelétrica vai triplicar a população de uma cidade e pressionar os sistemas de saúde, educação e saneamento? Problema da prefeitura, de acordo com o substitutivo, o empreendedor não tem responsabilidade por isso. Pelo texto, empreiteiras não serão obrigadas a cumprir condicionantes que impliquem em “implantar infraestrutura de competência do poder público”.

A mudança de posição do governo golpista acontece em um momento de fragilidade do ministro Sarney Filho. Os ruralistas querem a cabeça do ministro desde a publicação dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR). A disputa ocorrida por apoio para a escolha do presidente da Câmara e o recente episódio em que o ministro Eliseu Padilha, correligionário e conterrâneo de Mauro Pereira, foi acusado de desmatamento ilegal também podem estar relacionados com a mudança de posicionamento da Casa Civil. A nova proposta da Casa Civil atende em grande parte às reivindicações do agronegócio: isenta de licença todas as atividades agropecuárias em “área rural consolidada”, ou seja, desmatada até 2008; e todas as propriedades com extensão de até 15 módulos fiscais (área que pode chegar a 1.500 hectares em Mato Grosso). E cria outras nove isenções para atividades econômicas diversas, a pedido de ministérios diversos – de modernização de aeroportos a sistemas de transmissão de energia. O próprio MMA do governo golpista alerta que, quanto mais se estender essa lista de isenções, maior será a probabilidade de judicialização da futura lei.

O projeto que passa a ser apoiado pelo governo golpista desmonta a atual legislação ambiental para permitir que empreendimentos sejam licenciados rapidamente. Pelo projeto do deputado Mauro Pereira, cada estado poderá definir quais são os critérios para exigir ou não licenciamento ambiental de empreendimentos. Isso pode criar uma espécie de “guerra fiscal” entre estados, com as unidades federativas reduzindo o rigor no licenciamento para atrair investimentos.

Além disso, o texto de Mauro Pereira também permite o controverso modelo de licenciamento por “adesão e compromisso” – modelo em vigor no estado da Bahia e que está sendo questionado pelo Ministério Público. Na prática, esse modelo permite que as empresas sejam licenciadas apenas preenchendo um formulário on-line, sem a intervenção ou análise dos órgãos regulatórios.

A nova proposta do governo golpista sofre uma série de críticas do seu próprio MMA. A análise do MMA aponta retrocessos e riscos à segurança jurídica. Por exemplo, ela livra os bancos de punição por financiar crimes ambientais e revoga um artigo da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), que determina que órgãos de financiamento público não podem bancar projetos sem licença ambiental. Esse artigo foi usado pelo MMA em 2007 para embasar o Decreto nº 6.321, de 21 de dezembro, que criou a figura do embargo de propriedades com desmatamento ilegal. Isso foi determinante para a resolução do Banco Central (BC) de 2008 que aprovou o não acesso ao crédito rural aos proprietários com áreas embargadas. A partir da resolução do BC e da divulgação da lista das fazendas embargadas pelo IBAMA, o desmatamento passou a cair consistentemente até 2012. Hoje, a falta de licença ambiental é a maneira mais simples de embargar uma área – já que o desmatamento ilegal, que também gera embargo, precisa frequentemente de verificação em campo. Mas, sozinha, não bastaria para tornar nula a figura do embargo. No entanto, ela vem acompanhada, no texto da nova lei de licenciamento, de um outro artigo, que retira dos bancos a corresponsabilidade pelos crimes ambientais. Em outubro de 2016, por exemplo, o IBAMA e o Ministério Público Federal de Mato Grosso fizeram uma operação conjunta que terminou com uma multa de R$ 47,5 milhões ao banco Santander por financiar plantio de milho em áreas desmatadas ilegalmente no Estado. Se a mudança na Lei Geral do Licenciamento passar, desaparece a restrição e os bancos poderão financiar desmatamento – e qualquer outra atividade econômica sem licença ambiental – sem temer as mesmas punições do desmatador pelas quais estão sujeitos.

O novo texto também traz de volta a figura do “fast-track” para licenciamento de obras de interesse do governo. Essa ideia foi proposta em um Projeto de Lei de 2015, pelo senador investigado na Lava Jato Romero Jucá (PMDB-RR). Ele defende que projetos que o chefe do Executivo considere “de interesse nacional” sejam liberados do rito completo do licenciamento em favor de um rito sumário. Na proposta original do MMA para a Lei Geral do Licenciamento, o prazo da licença prévia para um empreendimento era de até 15 meses. Na versão na Casa Civil, esse prazo cai para oito meses, que poderão ser reduzidos a quatro no caso de obras “estratégicas”. O ‘fast-track’ pretendido gerará insegurança jurídica, pois a redução pela metade dos prazos tornará inviável o cumprimento de fases como a audiência pública, o que gerará judicialização.

O substitutivo do deputado federal Mauro Pereira (PMDB, RS) não foi objeto de nenhum debate, audiência pública, sessão deliberativa ou qualquer outra forma de apreciação e aprofundamento, seja por parte dos Deputados Federais, seja por parte da sociedade nacional. A eventual aprovação da referida proposta, ainda mais sem os imprescindíveis debates públicos, geraria inúmeras consequências negativas, como o significativo aumento de risco de ocorrência de desastres socioambientais, a ausência de prevenção, mitigação e compensação de impactos decorrentes de empreendimentos, a reiterada violação de direitos das populações atingidas, a ampliação dos conflitos sociais e socioambientais e a absoluta insegurança jurídica aos empreendedores e ao Poder Público.

Apesar de suas limitações, o processo de licenciamento ambiental é um importante instrumento de defesa dos interesses públicos e coletivos em relação ao uso e ao acesso aos recursos naturais no país. Não é por um acaso que há a ofensiva, nos campos legislativo e executivo, que visa fragilizar o licenciamento ambiental como um todo, tendo como desculpa a célebre falácia de que é necessário agilizar ou desburocratizar procedimentos. Vale destacar que o Projeto de Lei nº 654/2015, de autoria do Senador Romero Jucá, e cujo relator é o Senador Blairo Maggi – ambos da bancada ruralista –, que abrevia o processo de licenciamento e coloca um prazo impossível para o IBAMA aprovar, após o que as obras seriam automaticamente autorizadas, foi encaminhado no dia 14/02/17 para o plenário e pode entrar em votação a qualquer momento. Se aprovado, é uma gravíssima ameaça ao processo de licenciamento de grandes obras de infraestrutura em todo o país e um retrocesso nos mecanismos de defesa de direitos constitucionais.

As ameaças incluem ainda a proposta de emenda constitucional (PEC 65/2012), que tornaria a mera entrega de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) uma autorização automática para construir obras como barragens, assim efetivamente acabando com o licenciamento de vez. Há também a possibilidade de eliminar o licenciamento ambiental por outro caminho: a lei 13.334/2016 (da proposta MPV 727), aprovada pelo Congresso Nacional em 13/09/16 e sancionada no dia seguinte, que estabelece o Programa de Parcerias de Investimento (PPI). Essa lei dá o poder ao Conselho Diretor do PPI para obrigar IBAMA, FUNAI, ou qualquer outro órgão, aprovar licenças para os projetos do Programa, dentro de prazos estabelecidos pelo Conselho, independente dos seus impactos.

As propostas de alterações no processo de licenciamento ganham força em um momento de crise política no país agravada por um discurso de restrição orçamentária. Propostas dessa natureza trilham um caminho perigoso de perda de direitos dos trabalhadores e de redução da proteção ambiental pública, já tão fragilizada, vide os graves impactos socioambientais gerados pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale/BHP/Samarco, em Mariana/MG. Acontecimentos como esse são um alerta para a importância da avaliação de impactos e apontam para a necessidade de fortalecimento dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, dos quais o licenciamento ambiental é um componente.

O ministro golpista do meio ambiente, em uma suposta tentativa de evitar a aprovação do “licenciamento flex”, tem negociado o licenciamento ambiental com bancada ruralista, ao apresentar, em janeiro de 2017, um novo rascunho de texto aos deputados. No entanto, o novo texto retira a necessidade de licença para 97% das propriedades rurais. A nova minuta do MMA faz uma série de concessões que, se aprovadas, enfraquecerão a lei em relação ao texto original e poderão dificultar a fiscalização do desmatamento e tirar do gancho centenas de fazendas embargadas pelo IBAMA na Amazônia. Uma das principais é a dispensa de licenciamento para propriedades rurais com área de até 15 módulos fiscais. Um módulo fiscal é uma medida que varia de município para município, usado pelo Incra para categorizar as propriedades em pequena, média e grande e orientar as políticas fundiárias. Na Amazônia, a medida de um módulo pode chegar a 100 hectares. Segundo levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam 97% das propriedades rurais registradas no Cadastro Ambiental Rural estariam enquadradas na isenção (o CAR tem cerca de 3,2 milhões de propriedades cadastradas). Mas o número pode crescer, porque também estariam dispensadas de licenciamento todas as propriedades rurais em “área consolidada”, ou seja, que foram desmatadas até junho de 2008 e são passíveis de anistia pelo Código Florestal – independentemente de sua área. Ninguém sabe quantos imóveis existem nestas condições no Brasil; isso será objeto dos PRA (Planos de Regularização Ambiental) do código nos Estados, mas os ruralistas estão se mobilizando para incluir o maior número possível de fazendas na anistia. Essas isenções tendem a dificultar a ação do IBAMA de embargo a propriedades com desmatamento ilegal na Amazônia. O embargo tem sido o principal instrumento de controle do desmatamento. Em 2016, a devastação chegou a quase 8.000 Km², a maior em oito anos, com a emissão de cerca de 130 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. Hoje há cerca de 2.000 fazendas embargadas na região por falta de licença ambiental. Se a lei de licenciamento for aprovada nesses termos, cerca de metade delas poderia se livrar do embargo e voltar a tomar crédito nos bancos.

Outro ponto, que já está sendo criticado por especialistas que tiveram acesso ao texto, é a responsabilização dos bancos pelo dano ambiental. A nova minuta restitui em alguma medida a responsabilização, mas com uma ressalva: as autoridades terão de provar que houve “dolo ou culpa” da instituição financeira e ligação causal entre o financiamento e o dano apontado. Como isso nem sempre é simples de estabelecer, os bancos podem ficar mais à vontade para emprestar para poluidores e degradadores.

A aparente queda de braço entre a proposta do deputado Mauro Pereira e o MMA continua. Os ruralistas ainda defendem a proposta do deputado gaúcho, mas temem uma onda de ações judiciais caso ela seja aprovada.

O golpe no licenciamento está sendo dado sob pretexto de reduzir os “entraves” ao “crescimento” do país. Mas na verdade, os parlamentares da base do ilegítimo Temer estão mandando para o saco a principal ferramenta de controle social de grandes obras de infraestrutura. Sem exigências no processo de licenciamento, os ruralistas e a indústrias não terão mais o Ministério Público, os índios, os ambientalistas no seu pé, exigindo cumprimento de condicionantes. O licenciamento dos sonhos da bancada ruralista e da CNI é também o licenciamento dos sonhos do conluio entre empreiteiras e agentes políticos, como o ilegítimo Temer.

15.5.1 Referências

15.6 Desestruturação não!

Em defesa do licenciamento ambiental

Além do desmonte do Licenciamento Ambiental Federal, entidades representativas dos servidores – Asibama-DF, Asibama-RJ e Sindsep-DF – denunciam que a reestruturação da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA – DILIC, em andamento, é uma tentativa de enfraquecer o controle ambiental exercido pelo órgão. Apresentada aos servidores às vésperas da sua consumação, a reestruturação é totalmente contrária ao resultado do Grupo de Trabalho (GT), criado a pedido da Direção e constituído por servidores de todas as Coordenações da DILIC, no qual se discutiu por cerca de cinco meses as possíveis mudanças a serem implementadas. A proposta, até então omitida, prevê a transferência do licenciamento de pesquisas sísmicas (primeira etapa da cadeia de petróleo e gás) para uma equipe na sede da Diretoria (Brasília), enquanto o licenciamento das etapas subsequentes (perfuração de poços, produção e escoamento) permaneceria a cargo do corpo técnico no Rio de Janeiro. Prevê ainda que a/o Coordenador/a Geral da Coordenação-Geral de Petróleo e Gás (CGPEG), responsável pelos licenciamentos de petróleo e gás esteja lotado em Brasília, a fim de concentrar o poder decisório sobre os empreendimentos do setor, ficando, entretanto, distante das discussões técnicas que envolvem os processos de licenciamento.

A CGPEG funciona desde 1998, tendo estabelecido um trabalho baseado na expertise técnica e no diálogo franco com as partes interessadas – sejam elas comunidades afetadas, órgãos de Estado ou empreendedores. Ao longo dos anos, consolidou uma equipe técnica de concursados e uma série de procedimentos que garantem um licenciamento ambiental efetivo. Isto significa se posicionar antes dos leilões de áreas exploratórias de petróleo, conduzir processos e projetos integrados de modo a avaliar e mitigar impactos cumulativos e atuar estrategicamente em agendas de longo prazo – dentre outras ações em prol do meio ambiente e da sociedade. A verdade é que o “grande problema” é que ela funciona e têm criado restrições para operação de empresas que, atualmente, produzem mais de 90% do petróleo explorado no Brasil. E isto incomoda a indústria. Vejamos alguns exemplos:

Um dos principais impactos da produção de petróleo é o descarte de água produzida. Limpar esta água é um custo adicional que a indústria não quer bancar. Além disso, os dados enviados oficialmente ao IBAMA são estranhamente bem menores aos encontrados em análises independentes. A CGPEG atua para que, finalmente, a indústria cumpra a lei e pare de descartar toneladas de óleo anualmente no mar sob a forma de água produzida desenquadrada.

Todos os anos são comunicados dezenas de derramamentos de óleo no mar. Isto sem falar dos muitos que não são comunicados. Desde o ano passado, a Coordenação Geral de Emergências Ambientais do IBAMA e a CGPEG tem cooperado para apurar imagens de satélite que auxiliam na identificação de manchas de óleo no mar. Foram encontradas dezenas de feições suspeitas com origem em plataformas, muitas com dezenas de quilômetros, que sequer foram reportadas. No mesmo período, cresceu o número de comunicados de incidente que, no entanto, estimam sempre volumes derramados diminutos – já chegaram a informar 150 ml de vazamento, por mais de uma vez. Quando o IBAMA consegue imagens através de sobrevoos ou vistorias, por vezes se verificam embarcações com manchas extensas de óleo nos seus cascos. Impossível se tratar de mililitros de óleo. É a estratégia que as empresas usam para não serem acusadas de não comunicarem acidente ambiental nem de causarem dano ambiental. Ao mesmo tempo, a CGPEG tem recebido recorrentes pedidos de redução da estrutura de resposta à emergência dos empreendedores. Ter barcos para recolher óleo é caro, contudo, é uma das salvaguardas estabelecidas no licenciamento ambiental. A CGPEG vem conseguindo garantir que o país tenha capacidade de responder a acidentes com derramamento de óleo, mas a indústria busca minar esta conquista, inclusive com a tentativa de alteração da principal peça legislativa sobre o tema, a CONAMA 398/08.

Além desses exemplos dos maus resultados e intenções desta indústria podem ser destacados os projetos de compensação atrasados; os programas de educação ambiental parados; o problema dos fluidos de perfuração; o não pagamento de nenhuma multa e nem mesmo a compensação ambiental que é exigida na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Os analistas ambientais fazem seu trabalho e justamente por isso a CGPEG está sendo atacada. O licenciamento ambiental incomoda tanto que precisa ser desestruturado. Tudo para que as grandes empresas do petróleo possam continuar a lucrar, cada vez mais, a qualquer custo, enquanto acabam com o meio ambiente.

Além das referidas entidades representativas dos servidores, os servidores da Coordenação Geral de Petróleo e Gás – CGPEG (atuais responsáveis pelo licenciamento de todas as etapas da cadeia de petróleo e gás) e da Coordenação de Portos, Aeroportos e Hidrovias – COPAH (a equipe que absorveria os licenciamentos de sísmica) produziram documentos (MEM. 02022.000161/2017-27 COEX/IBAMA e PAR. 02001.000300/2017-61 COPAH/IBAMA, de 20/02/17) que alertam para inúmeras inconsistências na proposta da Direção e posicionam as áreas técnicas frontalmente contrárias a ela, apontando para um claro prejuízo para a sociedade e meio ambiente pela evidente fragilização da capacidade de controle do órgão sobre empreendimentos que impactam ambientes marinhos e costeiros.

A tentativa de fragilização do licenciamento ambiental, com o esvaziamento e desqualificação da necessidade de projetos ambientais de monitoramento e mitigação de impactos de empreendimentos de pesquisas sísmicas e do Polo Pré-Sal, acaba por privilegiar ações que beneficiam unilateralmente os anseios empresariais, em detrimento da defesa dos interesses dos demais setores da sociedade, conforme denunciam as entidades dos servidores.

As entidades denunciam que a reestruturação está sendo conduzida de maneira autoritária e atropelada, como uma investida no sentido de esvaziar o debate construído pelo corpo técnico da CGPEG ao longo de 14 anos, inclusive com consultas à sociedade. O que foi defendido até o momento pelos Diretores se mostrou tecnicamente injustificável e ignora as principais recomendações do GT constituído por servidores de todas as Coordenações da DILIC para estudar as possíveis alternativas de uma reestruturação adequada.

O desmonte do Licenciamento Ambiental Federal sinaliza que o ministro golpista do Meio Ambiente, Sarney Filho se curvou ao lobby das petroleiras, para flexibilizar o controle ambiental do IBAMA sobre a indústria, uma vez que, a CGPEG se localiza no Rio de Janeiro, próxima a maioria dos empreendimentos de petróleo e gás e, consequentemente, de seus impactos ambientais. Ao levar a CGPEG para a sede do IBAMA, em Brasília, o ministro sinaliza que pretende intervir, diretamente, nos processos de licenciamentos ambientais, esvaziando as discussões técnicas e, facilitando o atendimento das demandas da indústria do petróleo. Há um claro motivo para sinalizar às petroleiras que suas demandas serão rapidamente atendidas com um licenciamento frágil, em 2017 a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP promoverá importantes leilões de novas áreas de exploração de petróleo, inclusive do Pré-Sal. O governo golpista demonstra, assim, mais uma vez, quem continuará pagando pelo golpe, o meio ambiente e a população brasileira.

15.6.1 Referências

15.7 Sucateamento do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais – CNPT, do ICMBio

Organizações sociais das comunidades e populações tradicionais extrativistas lançam manifesto à sociedade brasileira e ao MMA e ICMBio para demonstrar insatisfação a respeito do sucateamento do CNPT. O manifesto é assinado por lideranças comunitárias, pescadores artesanais e extrativistas tradicionais de todo o Brasil, movimento de mulheres, organizações religiosas, movimento negro, pesquisadores, técnicos e analistas ambientais e manifesta repúdio a derrocada das conquistas junto ao CNPT/ICMBIO/MMA, nos últimos anos.

O documento considera que houve avanços em todos os biomas, e que o aprofundamento do abismo entre a conservação e a preservação vem sendo reduzido a partir do reconhecimento do papel das comunidades na conservação ambiental, a partir do profundo conhecimento e respeito pela realidade das comunidades tradicionais extrativistas. Alerta ainda que ações governamentais que afetam as comunidades tradicionais extrativistas e que são tomadas sem o diálogo aberto com os envolvidos no processo de gestão dos territórios, centralizadas apenas nos gabinetes e com os diferentes e obscuros interesses, não são reconhecidas pelas organizações da sociedade civil, sendo um desserviço à sociedade como um todo. Nos últimos anos, foram construídos espaços coletivos de governança e arranjos de tomada de decisão integrado e participativo, o que fez a sociedade civil se empoderar de várias ações e processos. Decisões unilaterais têm ido na contramão de todo o processo que estava sendo construído.

15.7.1 Referências

15.8 Temer ataca preservação em floresta do Pará e premia grileiros

Em ação criticada por ambientalistas e celebrada por posseiros, o presidente golpista Michel Temer assinou uma Medida Provisória que abre o caminho para a regularização de dezenas de grilagens localizadas dentro da Floresta Nacional – Flona do Jamanxin, criada em 2006, com 1.301.000 hectares, no sudoeste do Pará. A redação original da MP 756/2016, enviada pelo governo golpista ao Congresso, no fim de 2016, transformava 300 mil hectares da Flona – o equivalente a quase duas cidades de São Paulo – no que agora passam a ser parte da recém-criada Área de Proteção Ambiental – APA Jamanxin. No entanto, no dia 11/04/17, a Comissão Mista do Congresso que analisa a MP 756 aprovou o relatório do deputado José Priante (PMDB-PA). Priante acabou ampliando a área da Flona que seria transformada em APA, ignorando a ideia original de transferir 437 mil hectares da Flona ao Parque Nacional (Parna) do Rio Novo, tipo de UC com maior nível de proteção. Priante deu o mesmo destino para 180 mil hectares da Reserva Biológica (Rebio) Nascentes da Serra do Cachimbo, na mesma região, que nem estava citada no texto original da medida provisória, ampliando para 660 mil hectares a extensão que pode ter seu grau de proteção diminuído, acatando uma emenda do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), presidente da comissão. Como se não bastasse, Priante também reduziu mais de 20% do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, um “contrabando legislativo” – proposta que nada tem a ver com o conteúdo da MP. Na prática, o relatório solapa áreas protegidas da Amazônia, criadas em 2006 para conter o desmatamento na região de influência da BR-163. Foram 12 votos favoráveis, três contrários e duas abstenções. A posição do governo golpista na sessão da comissão mista foi ditada pelo deputado José Rocha (PR-BA). Ele não apenas orientou a base parlamentar aliada a votar em favor do relatório de Priante, como votou contra o adiamento da votação, o que poderia limitar os danos ambientais previstos no parecer. O presidente da comissão mista, senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), chegou a repreender o presidente do ICMBio, Ricardo Soavinski, pedindo que ele parasse de conversar com alguns parlamentares durante o debate da MP. Abaixo, encontra-se a lista dos parlamentares e seus votos. O texto segue para o plenário da Câmara e, se aprovado, vai ao do Senado.

Com isso, se reduz o nível de proteção legal, permitindo a permanência dos grileiros. A mudança contraria relatório de 2009 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, segundo o qual apenas uma área de 35 mil hectares deveria ser excluída da Flona. “Existem apenas posseiros, basicamente com documentos de compra e venda, com pretensões fundiárias quase que exclusivamente de grandes extensões, com alta concentração fundiária, e que refletem uma ocupação voltada à pecuária extensiva”, alerta o relatório que defendia a “desintrusão” da maioria dos ocupantes ilegais. As posses têm como tamanho médio 1.772 ha, 81% delas praticam pecuária como atividade principal, 67,7% dos grileiros chegaram pouco antes ou depois da criação da Flona e 80% se beneficiaram com a MP, segundo dados do ICMBio, Prodes (Inpe) e Associação dos Produtores Rurais das Glebas Embaúba e Gorotire.

A Flona Jamanxin é a unidade de conservação com o maior incremento de desmatamento do país. A área de influência da rodovia concentra 70% dos novos desmates da Amazônia Legal. A unidade tem registrado episódios de violência relacionados à madeira e ao garimpo. Em junho, o 1º sargento João Luiz de Maria Pereira, do Grupamento Tático Operacional do Comando Regional da PM de Itaituba (PA) foi morto a tiros quando participava de uma operação do IBAMA contra madeireiros. A criação da APA, que incorpora outros 230 mil hectares de áreas que não estavam protegidas, faz parte de um pacote de mudanças, por meio de duas Medidas Provisórias, em quatro unidades de conservação no entorno da rodovia BR-163, usada para escoar a produção agrícola de Mato Grosso. A criação da APA contradiz recomendação do Ministério Público Federal – MPF, que entrou com uma ação civil pública contra qualquer mudança na Flona. A Justiça Federal ainda não julgou o caso.

Com a medida, o governo golpista está premiando quem grilou terras na Flona do Jamanxin e está criando um incentivo perverso para novas grilagens em Áreas Protegidas. As APA permitem a existência, em seu interior, de terras privadas. As normas que regulamentam o funcionamento desse tipo de UC também são muito menos rigorosas do ponto de vista ambiental do que aquelas que regulam Flonas e Rebios, por exemplo. É permitido desmatar legalmente nas APA, já na nas Rebio, é proibido. Nas Flonas, é possível apenas fazer o corte seletivo da vegetação, conforme um plano de manejo previamente aprovado. “Houve claramente uma redução na proteção da floresta, porque a APA é uma unidade de conservação que não traz nenhuma restrição a agropecuária nem para a venda de terras”, reforça Ciro Campos, assessor do ISA.“A APA é uma área que pode ser regularizada, negociada e vendida por seu ocupante, que também pode colocar abaixo 20% da sua propriedade”, ressalta. Para Elis Araújo, da ONG Imazon, a mensagem que o governo transmite é de que “vale a pena ocupar terra pública dentro de unidade de conservação”. “Como se justifica alterar uma unidade de conservação para beneficiar médios e grandes pecuaristas? Que tipo de atividade o governo está estimulando para o país”? Em linha semelhante, Nurit Bensusan, do ISA – Instituto Socioambiental, afirma que as alterações deverão estimular invasões em Unidades de Conservação. “Depois que a Flona foi criada, muitas áreas foram desmatadas. E agora eles estão pegando parte dessas áreas e colocando pra fora da Flona”. “Essa Medida Provisória sinaliza que compensa cometer o crime, que compensa invadir e desmatar Unidades de Conservação”, criticou o deputado Nilto Tatto (PT-SP).

Estudo recente do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostrou que a Flona do Jamanxim encabeça a lista das 50 UC federais mais desmatadas, entre de 2012 e 2015, em toda a Amazônia. Somente em 2015, a Flona perdeu 9,2 mil hectares de floresta – 87% a mais do que no ano anterior. “Não há produção agropecuária expressiva em Jamanxim. Colocam uma cabeça de gado para justificar a ocupação de terra. Essa bandeira é para beneficiar os grandes especuladores”, afirma a pesquisadora Elis Araújo, autora do estudo. Segundo ela, o valor do hectare desmatado na região aumentou dez vezes desde o início do asfaltamento da BR-163.

Junto com outras 20 organizações, o ISA assinou uma Carta contrária à MP 756. O documento foi encaminhado aos presidentes da República, da Câmara e do Senado. “A MP 756 visa legalizar extensas áreas ocupadas ilegalmente por grileiros que se aproveitam do fato de haver na região ocupantes com mais de três décadas na região, misturando-se a eles e tentando confundir a opinião pública”, afirma o texto. “A redução das florestas protegidas na bacia do Tapajós é só o início de um ataque sem precedentes contra a Amazônia. Outras florestas protegidas estão esperando na fila para serem reduzidas em favor da expansão das pastagens e lavouras de soja. No Amazonas, já está em análise a redução de 1 milhão de hectares de parques e florestas nacionais. Deputados e senadores de outros estados também mencionaram áreas que gostariam de ver desprotegidas em seus estados. A lista de Unidades que está na mira do presidente e dos congressistas não para de crescer e já ultrapassa 3 milhões de hectares de florestas que, em breve, poderão deixar de existir”, denuncia a Carta. Com isso, o ARPA, maior programa de áreas protegidas do mundo poderá ser dilapidado.

Como se não bastasse, está prevista para ocorrer a qualquer momento outro golpe contra a floresta, a votação do parecer do deputado José Reinaldo (PSB-MA) na comissão mista que aprecia outra MP, a 758/2016, destinada a abrir espaço às obras da ferrovia Ferrogrão e que prevê a recategorização de 341 mil hectares do Parque Nacional do Jamanxim, na mesma região da Flona do Jamanxim, também reduzindo seu nível de proteção. Pretende-se recategorizar parte do Parna do Jamanxim para APA e agregar outra parte à Flona do Trairão. “Esta medida altera os limites do Parque Nacional do Jamanxim e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, cancelando qualquer ampliação de áreas protegidas, dilapidando outras UC, principalmente para dar espaço a obras de infraestrutura, como a citada Ferrovia EF-170 (Ferrogrão) – que deve ligar o município de Sinop (MT) até o distrito de Miritituba, em Itaituba (PA), com 933 quilômetros de extensão, na margem direita do rio Tapajós. Ao promover uma obra de infraestrutura desse porte sem aumentar o padrão de governança da região, reduzindo as Unidades de Conservação em sua área de influência e ainda premiando os especuladores com a regularização de terras griladas, o Governo e o Congresso colocam a Amazônia cada vez mais perto de seu definitivo esquartejamento”, alerta a Carta.

A Carta solicita que, em caso de haver necessidade de desafetação de áreas protegidas em nome do interesse nacional, que se faça não por meio de Medidas Provisórias – já considerado pelo Supremo Tribunal Federal um instrumento inconstitucional para este tipo de mudanças na lei. “Nestes casos, o processo mais democrático continua sendo por meio de Projetos de Lei. E ainda, que eventuais mudanças nos limites de unidades de conservação sigam critérios técnicos, ouvindo a comunidade científica e instituições civis que atuam em prol do desenvolvimento sustentável; e não apenas levando em consideração interesses privados que podem solapar o patrimônio natural que pertence a todos os brasileiros”, conclui a Carta. “Além de promover injustiça e devastação, a MP 756 certamente ser judicializada, trazendo ainda mais insegurança jurídica para uma região já conflituosa. “Essa escalada de redução de Unidades de Conservação coloca em risco compromissos brasileiros assumidos internacionalmente no âmbito das Convenções do Clima e da Biodiversidade”, acrescenta Ricardo Mello, coordenador do Programa Amazônia, do WWF-Brasil. Segundo ele, o programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), o maior do mundo, poderá ser dilapidado se não houver um compromisso do governo de não reduzir UC.

15.8.1 Como votaram os parlamentares sobre a MP 756/2016

A favor: Sen. Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Sen. Cidinho Santos (PR-MT), Sen. Wellington Fagundes (PR-MT), Dep. Josué Bengtson (PTB-PA), Dep. José Priante (PMDB-PA), Dep. Celso Jacob (PMDB-RJ), Dep. Joaquim Passarinho (PSD-PA), Dep. Hélio Leite (DEM-PA), Dep. Francisco Chapadinha (PTN-PA), Sen. José Agripino (DEM-RN), Sen. Ivo Cassol (PP-RO), Dep. José Rocha (PR-BA)

Abstenções: Sen. Paulo Rocha (PT-PA), Dep. Arnaldo Jordy (PPS-PA)

Contra: Dep. Janete Capiberibe (PSB-AP), Dep. Nilto Tatto (PT-SP), Sen. Randolfe Rodrigues (Rede-AP)

15.8.2 Referências

15.9 Temer quer reduzir as Unidades de Conservação e Terras Indígenas demarcadas por Dilma

Ministro do Meio Ambiente do governo golpista se omite a respeito

O governo Temer pretende encaminhar ao Congresso proposta para extinguir uma Unidade de Conservação Ambiental – UC e reduzir drasticamente outras 4, na região da Floresta Amazônica, que fecham cinturão de contenção do desmatamento no sul do Amazonas. As áreas foram criadas no governo da presidenta Dilma Rousseff. Em 2016, após mais dois anos de estudos e consultas, foram criadas cinco unidades: a Reserva Biológica Manicoré, o Parque Nacional de Acari, a Floresta Nacional de Aripuanã, a Floresta Nacional de Urupadi e a Área de Proteção Ambiental Campos de Manicoré. Juntas elas somam 2,69 milhões de hectares. “São as primeiras unidades criadas já com regularização fundiária” informa a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Ressalta-se que a criação dessas novas áreas protegidas traz mais segurança e proteção para as populações tradicionais e para a biodiversidade local, além de fortalecer a gestão ambiental no estado do Amazonas. Também impede a disseminação da grilagem e do desmatamento frente a pavimentação da rodovia BR-319 (Manaus – Porto Velho), ao norte da região. O asfaltamento da BR-319 é defendido por políticos e fazendeiros. A preocupação dos ambientalistas é que, ao estimular novas frentes de desmatamento, ele consolide a fragmentação da floresta, com consequências nefastas.

O sul do Amazonas é uma região rica em florestas virgens, sendo a maior área de mata tropical preservada contínua do planeta. Está na confluência de três frentes de grilagem – de Rondônia, do Pará e de Mato Grosso – e é a principal zona de expansão madeireira do estado. Grileiros, madeireiros ilegais e pecuaristas têm interesse nos estoques de terra e floresta do local. A região também é o principal foco de desmatamento do estado. Por outro lado, a capacidade das UC de conter o desflorestamento é reconhecida há anos. Segundo estudo do ICMBio que subsidiou a criação das UC no sul do Amazonas, elas visam “proteger a rica biodiversidade da Floresta Amazônica, na região entre os rios Madeira e Tapajós, que já sofre com a pressão humana e abriga imensa variedade de espécies de plantas e animais – alguns endêmicos e raros; outros ameaçados de extinção ou recém-descobertos pela ciência. Na região ocorrem pelo menos 13 espécies de primatas, sendo três delas endêmicas e descritas recentemente. Entre os primatas, há ainda nove espécies consideradas vulneráveis à extinção e estima-se que existam na área cerca de 800 espécies de aves”.

A demanda de reduzir as áreas protegidas e extinguir uma delas foi apresentada em fevereiro de 2017, ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), por sete parlamentares do Amazonas, representantes dos ruralistas, liderados por Átila Lins (PSD). Segundo o Instituto Socioambiental – ISA, o governo encaminhará a proposta ao Congresso. A revogação das novas Unidades de Conservação criadas (Flonas Urupadi e Aripuana, Rebio Manicore, APA Campos de Manicore e Parna Acari), assim como as recém-homologadas Terras Indígenas (Sissaíma, Murutinga/Tracajá e Riozinha), atende somente à reivindicação de entidades ruralistas do estado. Vale ressaltar que a justificativa dos políticos e produtores rurais do estado do Amazonas, de que o processo de criação das UC e homologação das Terras Indígenas não seguiu os trâmites normais não se justifica, já que o processo de criação das UC seguiu seu curso normal, inclusive com consultas públicas nos municípios, reuniões em Manaus, oitivas aos outros órgãos federais (SPU, Incra, Funai, MME, MAPA), negociações bilaterais, passagem por crivos legais no ICMBio, no MMA e na Casa Civil da Presidência da República.

A proposta dos parlamentares, ora em avaliação no governo ilegítimo Temer, visa extinguir a APA Campos de Manicoré e reduzir as outras unidades. No total, a área sob proteção cairia 40%, para 1,6 milhão de hectares. Com a efetivação do governo interino, a anulação da criação das unidades de conservação e terras indígenas têm sido usadas como moeda de troca por grande parte da classe política amazonense. “Isso abre um precedente seríssimo para as outras regiões” afirma Teixeira. Toda a área das unidades está regularizada e titulada para o ICMBio. O eventual projeto de lei para reduzi-las estaria, na prática, dando 1 milhão de hectares de terras da União para o setor privado, o que é ilegal. Para Teixeira, o Governo Temer quer “oficializar grilagem”. Além disso, de acordo com a ex-ministra, um dos principais problemas do desmatamento na Amazônia é a questão da regularização fundiária. Segundo Teixeira, os parlamentares querem fazer uma lei para desfazer o que manda fazer a lei vigente que eles mesmos criaram, a lei Terra Legal.

O plano de reduzir as áreas no sul do Amazonas é divulgado após a edição de duas MP pelo governo Temer, em dezembro, que alteram os limites de outras UC no sul do Pará, igualmente para acomodar os interesses de produtores rurais. A nova proposta de redução de UC também vem a público poucos meses depois da informação de que o desmatamento voltou a disparar na Amazônia. Além disso, um levantamento do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental – ISA revela que, diferentemente do que alegam os políticos do Amazonas, existem grandes interesses econômicos por trás da proposta de reduzir a área para conservação, na região de Apuí, no sul do Estado. Parlamentares, prefeitos e a Federação de Agricultura e Pecuária do Amazonas (FAEA) insistem que a implantação de Unidades de Conservação vai expulsar principalmente pequenos agricultores. No entanto, se a ideia de retalhar as reservas ambientais sair do papel, um projeto hidrelétrico do senador Ivo Cassol (PP-RO), mineradoras nacionais e estrangeiras, latifundiários e grileiros de terra será beneficiado.

A coordenadora de Política e Direito do ISA, Adriana Ramos, denuncia que, o movimento dos parlamentares do Amazonas não é um fato isolado, mas faz parte de uma estratégia com várias frentes, operada por setores do agronegócio, mineração e produção de energia, para fragilizar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Se o território atual do Parna for mantido, Ivo Cassol perderá, pelo menos R$ 1,2 milhão, gasto em um estudo de inventário hidrelétrico do Rio Acari, que corta a área. A usina prevista foi estimada em até R$ 700 milhões. Conforme a legislação, os Parques não permitem empreendimentos ou atividades econômicas em seu interior, a não ser o turismo. O levantamento do ISA mostra que há 205 pedidos e autorizações de pesquisa e exploração protocolados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) cujos polígonos estão sobrepostos às UC. Desse total, mais da metade incide sobre os trechos que os políticos pretendem desproteger. Os processos têm como alvo a exploração de vários minérios, mas a imensa maioria visa a extração de ouro. O caso que chama mais atenção é o do Parna do Acari.

O desenho proposto pelos parlamentares e a Casa Civil exclui de seu território quase com exatidão os polígonos dos 49 processos minérios sobrepostos ao parque. Entre os interessados, estão pessoas físicas, cooperativas de garimpeiros, pequenas e médias mineradoras, algumas de capital estrangeiro. A BBX do Brasil é subsidiária da australiana BBX Minerals e a BMIX está vinculada à norte-americana Brazil Minerals Inc. A nota técnica do ISA sobre os Cadastros Ambientais Rurais (CAR), registrados na região, mostra que latifundiários e grileiros podem serão beneficiados pela redução das UC. Conforme a análise, existem 162 áreas cadastradas incidentes sobre as cinco reservas, das quais 134 estão sobrepostas a trechos com propostas de desproteção. O tamanho médio dos imóveis nesses trechos é de 6,2 mil hectares, ou seja, várias dessas terras, se não forem protegidas, poderão ser desmatadas e transformadas em gigantescos latifúndios.

Previsto pelo Código Florestal de 2012, o CAR pretende viabilizar a regularização ambiental por meio do registro das áreas desmatadas e das que devem ser reflorestadas em cada propriedade rural. Ele é uma arma importante no combate ao desmatamento ilegal. De acordo com a Lei, o cadastro é auto declaratório, feito pela internet e não tem valor para fins de regularização fundiária. Em regiões com conflitos de terras, como a Amazônia, porém, o CAR tem sido usado para tentar viabilizar a grilagem. A chance de que isso esteja acontecendo no sul do Amazonas é muito grande, segundo especialistas e técnicos do governo ouvidos pela reportagem. E não só pelo tamanho das áreas cadastradas. Entre os 11 maiores CAR registrados sobrepostos às UC, três deles foram feitos após 12/05/16, quando elas foram decretadas. O maior foi feito em outubro, quase cinco meses depois, e tem inimagináveis 250 mil hectares, o equivalente a mais de uma vez e meia a extensão da cidade de São Paulo. O cadastro sobrepõe-se ao Parna do Acari e à Estação Ecológica do Alto Maués, além das Flonas de Urupadi e de Pau Rosa. Os outros dois cadastros têm 70 mil e 20 mil hectares. O registro do CAR numa área protegida é outro indício de que se trata de uma tentativa de grilagem, motivada pela expectativa de desproteção da terra. Outro argumento a favor das UC é justamente o de que toda a região foi avaliada pelo Programa Terra Legal durante dois anos. Em 2014, três milhões de hectares foram identificados como terras federais e destinados ao MMA. Daí a criação das reservas.

Teixeira alerta que a medida do governo para Amazônia expõe o Brasil a “vexame internacional”. A ex-ministra avalia que o movimento põe em xeque a credibilidade internacional do Brasil, uma vez que capta recursos de doadores no exterior para financiar a conservação – por meio do programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). O Estado do Amazonas é um dos beneficiários do programa. Em seu discurso de posse como então ministro das Relações Exteriores de Michel Temer, o senador José Serra (PSDB-SP) disse que uma das prioridades de sua política externa seria assumir a “especial responsabilidade” que cabe ao Brasil em matéria ambiental. “Se fizermos bem a lição de casa, poderemos receber recursos caudalosos de entidades internacionais interessadas em nos ajudar a preservar as florestas”, discursou Serra. Com a taxa de desmatamento subindo por dois anos consecutivos e Unidades de Conservação sendo reduzidas com o aval do Palácio do Planalto, a tendência é que os doadores comecem a rarear – e as pressões internacionais sobre o Brasil voltem a crescer como durante o governo FHC, quando a criação de um mosaico de áreas protegidas no sul do Amazonas foi proposta pela primeira vez.

Todo este jogo mostra que golpistas não se entendem. Em 24/01/17, o MMA anunciou que uma de suas prioridades para 2017 seria o aumento do número de Unidades de Conservação no país, com o objetivo de integrar iniciativas de proteção ambiental a uma economia verde capaz de assegurar os direitos das populações tradicionais. “É fundamental prestigiar a vertente da sustentabilidade, punir quem está na ilegalidade e dar conforto a quem está na legalidade”, declarou Sarney Filho. “O principal objetivo do desenvolvimento sustentável é valorizar a floresta em pé”, acrescentou o ministro do governo golpista.

15.9.1 Referências

15.10 O Golpe é um negócio da China

Temer quer entregar reserva gigante de ouro na Amazônia para estrangeiros

O governo usurpador Michel Temer se prepara para conceder ao capital estrangeiro uma gigantesca área da Amazônia rica em ouro, onde a mineração está proibida há mais de 30 anos. Com uma portaria publicada no Diário Oficial da União, do dia 07/04/17, o Ministério das Minas e Energia – MME abriu caminho para a extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados – Renca, criada em 1984, ainda na ditadura militar. A portaria diz que “a extinção da RENCA viabilizará o acesso ao potencial mineral existente na Região e estimulará o desenvolvimento econômico dos estados envolvidos”. Na prática, entretanto, abre caminho para a devastação de 46 mil quilômetros quadrados de floresta, o equivalente a soma do território dos estados de Sergipe e Alagoas ou a uma área 82 vezes maior do que a da usina de Belo Monte.

A área, situada em parte do Pará e em parte no Amapá é praticamente toda coberta de mata e habitada por indígenas. Relatórios dos anos 80 apontam que, além da existência de ouro em grande escala, há importantes reservas de titânio e de fosfato na área.

O Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM do governo entreguista Temer, foi loteado por Vitor Bicca, indicado por deputado do PMDB, com campanha financiada pelas mineradoras. Mauricio Torres, pesquisador e professor da Universidade Federal do Oeste do Pará alerta para os riscos de eventuais grandes operações de mineração na região. “Mineração é atividade extremamente impactante e serão necessários muitos estudos para os impactos nesse caso possam ser mensurados”.

15.10.1 Referências

15.11 Governo Golpista Temer faz Brasil Recuar na Política de Investimento em Energias Renováveis

O MME cancelou o leilão de energia solar e eólica que seria realizado no dia 19/12/16, um dos principais instrumentos da política de energias renováveis no país que, nos últimos sete anos, ajudou a gerar cerca 40 mil empregos por ano e que levou o país a se tornar um dos líderes mundiais no setor de energia eólica. Entidades dos setores eólico e solar foram surpreendidos pela decisão de último minuto e dizem que centenas de milhões de dólares em novos investimentos estão ameaçados. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), a decisão foi um duro golpe para o setor que começou a crescer no Brasil desde 2014, quando os primeiros leilões de reserva voltados à energia solar foram empreendidos.

Para o setor de energias alternativas, o leilão de energia de reserva (LER) é visto como crucial para dar fôlego às indústrias de equipamentos eólicos e fotovoltaicos. Com a suspensão do leilão, os investidores nas duas fontes renováveis, que eram objeto da contratação, temem o risco de desmonte da cadeia produtiva por falta de novas encomendas. Para Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, a suspensão tão próxima do leilão é mais um retrato da situação dramática enfrentada no país e significa uma ameaça gigantesca a toda a cadeia de produção, principalmente a eólica. Segundo Élbia Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), cancelar o leilão de última hora gera descrédito do governo, pois as empresas gastaram, depositaram garantias, fizeram pré-contrato com fabricantes.

O interesse dos investidores em energias renováveis no Brasil é enorme após quase sete anos de políticas públicas estáveis. Mais de 800 projetos eólicos com 21.000MW de capacidade e mais de 300 projetos solares com mais de 13.000MW de capacidade estavam cadastrados para o leilão. Lembrando que cada MW instalado geraria entre 15 a 30 empregos diretos, principalmente no Nordeste, até o início para sua entrada em operação prevista para meados de 2019.

Os governos de Lula e Dilma Rousseff estimularam o crescimento e a consolidação da produção de energias limpas e renováveis – algumas consagradas na história, como o álcool, e outras cada vez mais fortes, como a eólica. De 2006 a 2013, a energia gerada pelo vento cresceu impressionantes 829% no Brasil. Os leilões competitivos, de reserva ou regulares, foram introduzidos em 2004 pela própria Dilma, então Ministra de Minas e Energia do presidente Lula, com a reforma do modelo elétrico após o apagão de 2001 e 2002 nos governos FHC, que deixou o planejamento do setor para empresas privadas. Desde então os leilões para o setor de renováveis foram copiados pelos países da América Latina e Europa para substituir políticas de subsídios diretos nas tarifas, pois resultaram nos preços mais baixos para energia eólica no mundo.

O resultado é hoje reconhecido mundialmente. De praticamente zero capacidade em 2009, após leilões anuais, hoje, existem mais de 300 parques eólicos espalhados pelo Brasil – principalmente no Nordeste – com capacidade de 11.000W, ou seja, cerca de 8% de toda a capacidade do País. Além disso, se instalaram no Brasil seis fábricas de aerogeradores que, além de gerar novos empregos diretos, estimularam mais de 1.000 empresas nacionais e internacionais a investirem na cadeia produtiva, gerando juntas mais de 50.000 empregos diretos, segundo a Abimaq. Além de gerarem empregos, atrair investimentos e tecnologia, as empresas de energia eólica geram renda localmente, pois pagam para pequenos agricultores uma percentagem da receita da energia gerada por turbina eólica instalada em suas terras.

15.11.1 Referências

15.12 Temer envia Trump Brasileiro como Representante na Conferência Mundial sobre o Clima, a COP22, no Marrocos

Por suas declarações polêmicas, o infame ministro da Agricultura recebeu um colar batizado de Pérolas Maggicas

As declarações a respeito do clima e da morte no campo do ministro golpista Blairo Maggi foram comparadas ao negacionismo climático expresso pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Se Trump preocupa o mundo, no Brasil o discurso do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, causou reação de organizações ambientalistas ao falar sobre a agropecuária brasileira, a violência no campo e a minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Em eventos da delegação do governo brasileiro dos quais participou, Blairo Maggi defendeu o agronegócio, disse que os produtores mantêm a floresta preservada e ainda foi irônico com o número de ambientalistas assassinados no país.

Uma de suas declarações mais controversas foi dada no lançamento da Plataforma Biofuturo, que aconteceu no dia 16/11/16 na COP22. O ministro golpista afirmou:

“Nós temos uma agricultura que diria, sem nenhum medo de errar, que é a agricultura mais sustentável do mundo (…). Todos os córregos, os rios do Brasil, são protegidos por uma legislação. Mas, mais que a legislação, são protegidos pela consciência dos produtores brasileiros”.

A organização brasileira que monitora a mudança climática, Observatório do Clima (OC), entregou à delegação brasileira na COP22, chefiada pelo ministro golpista Sarney Filho, uma carta expressando preocupação com as declarações do ministro da Agricultura. Para o secretário-executivo do OC, Carlos Rittl, que assinou à carta entregue à delegação brasileira na COP22, o Brasil está muito longe de ter uma agropecuária sustentável:

“O Brasil poderia ter apresentado os números da taxa de desmatamento anual na Amazônia durante a COP. Os dados já estão prontos e foram produzidos pelo Inpe. Infelizmente, são dados que devem trazer uma nova má notícia, indicando que o desmatamento está próximo ou atingiu mais de 7 mil Km²/ ano”.

Sobre as mortes de ativistas ambientais, o ministro ruralista Blairo Maggi confirmou, durante o painel Global Landscape Forum, em Marrakech, no dia 16/11/16, que há conflitos no campo, mas tentou minimizar os casos de assassinato.

“Nós temos conflitos, sim, no Brasil, não podemos negar. Mas eles não são dessa forma. Existem muitas brigas, muitas coisas que acontecem que são ditas, que são relacionadas a briga de terra, a briga por posse da terra, a briga por questões ambientais. Mas quando você vai no cerne da questão, você vai ver que tu tem problema de relacionamento de pessoas de determinados lugares e que não pode ser computado nesta questão”.

O boçal ministro também se disse “feliz” depois de saber, pelo OC, que o número de mortes de ambientalistas em 2015 foi de 50 e não de 150 como ele tinha ouvido anteriormente. Segundo o OC, com base em dados da Global Witness, o Brasil é o país onde mais se mata ambientalistas,

“Apenas em 2015 foram 50 mortes, um terço do total mundial – em sua maioria na Amazônia brasileira. Ao afirmar [o ministro] que esses óbitos se devem a ‘problemas de relacionamento’ pode ser comparado ao negacionismo climático expresso, por vezes, pelo presidente eleito dos EUA [Donald Trump], como quando disse o aquecimento global é invenção dos chineses para tornar a indústria americana menos competitiva”, disse a carta do OC.

15.12.1 Referências

15.13 Não no meu quintal

Ministro golpista do Meio Ambiente, filho do coronel Sarney se declara contra a criação da Resex Tauá-Mirim

Comunidades tradicionais centenárias que lutam há uma década pela criação da Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim, localizada no sudoeste da ilha de São Luís, no Maranhão, agora têm um opositor dentro do MMA. Em encontro na Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (Fiema), no mês de junho, o ministro golpista José Sarney, do Partido Verde, disse a empresários e políticos que era contra a reserva e que vai determinar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a revisão dos limites da unidade.

Para os empresários do Maranhão, a proposta de criação da Reserva Extrativista Tauá-Mirim “é um dos maiores entraves para o desenvolvimento da economia local”, pois compromete a expansão do Distrito Industrial de São Luís – Disal, onde funciona o Porto de Itaqui, que atende a multinacionais do alumínio e do ferro, como a Alcoa/Alumar e a Vale, além de projeto do grupo WTorre, que planeja construir um terminal portuário no distrito. No discurso, o ministro Sarney Filho prometeu ajudar os empresários.

Nas eleições de 2014 para a Câmara, ele recebeu doações de R$ 300 mil da construtora WTorre, que é uma das empresas que investem na construção de um porto no entorno da Resex Tauá-Mirim. Já o comitê do partido do ministro, o PV, recebeu mais R$ 250 mil da WTorre na última campanha eleitoral.

Não é a primeira vez que membros da família Sarney se declaram contra a criação da reserva. Em novembro de 2014, a ex-governadora Roseana Sarney encaminhou ao ICMBio um documento intitulado “Avaliação Técnica da Proposta de Criação da Reserva Extrativista Tauá-Mirim”, no qual se posiciona contrária à criação da unidade de conservação na categoria reserva extrativista marinha.

Um dos líderes da Reserva Tauá-Mirim, Clóvis Amorim, liderança da comunidade de Cajueiro e membro do Movimento Nacional de Pescadoras e Pescadores Artesanais (MPP), disse que as declarações do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, não são surpresas. “A gente sabe, e isso é público, que a família Sarney defende os interesses das empresas. Mas as comunidades tradicionais, os trabalhadores, têm os direitos assegurados e são constitucionais”, afirmou Amorim.

O ministro golpista Sarney Filho recebe homenagem dos empresários (Foto: Fiema), enquanto pescadores trabalham na Praia do Cajueiro, no horizonte o Porto de Itaqui (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real).

Para as comunidades tradicionais, a regularização da reserva tem o intuito de reafirmar a identidade ribeirinha e quilombola, frear a poluição de rios, o assoreamento de cursos d’água e a ocupação, sem autorização, de praias das comunidades pelas embarcações titânicas pertencentes às indústrias. Em 2007 o IBAMA reconheceu Tauá-Mirim como uma reserva em que a população, de cerca de 15 mil pessoas, vive do extrativismo dos recursos naturais e da produção rural.

Com 16,6 mil hectares, a Resex Tauá-Mirim abrange 12 comunidades tradicionais: Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira. Seu ecossistema é formado por manguezais, várzeas e nascentes. Na unidade há ocorrências de espécies ameaçadas de extinção como o peixe-boi marinho (Trichechus manatus), o macaco-cuxiú (Chiropotes satanas) e o tamanduaí (Cyclopes didactylus).

O Distrito Industrial de São Luís (Disal) foi uma obra idealizada pelo regime militar (1964-1985). Localizadas a cerca de 30 minutos do centro da capital, as indústrias do Disal dividem o espaço com essas comunidades tradicionais e outros bairros periféricos de São Luís. Estão na área do distrito, um terreno de cerca de mil hectares, o Porto de Itaqui, administrado pela estatal Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap), o Porto da Ponta da Madeira e a Estrada de Ferro Carajás, pertencentes à Vale, o Porto da Alumar, do Consórcio Alumínio do Maranhão (Alumar), subsidiária da multinacional Alcoa, e a Usina Termelétrica (UTE) Porto do Itaqui, da Companhia Elétrica MPX, do empresário Eike Batista. Outras indústrias também estão no Disal, entre elas fábricas de bebidas, fertilizantes, pesticidas, frigoríficos e empreendimentos de extração de pedra e areia. Os projetos de expansão do distrito assustam os moradores da Resex Tauá-Mirim. Clóvis Amorim, do Movimento Nacional de Pescadoras e Pescadores Artesanais (MPP), cita os laudos de automonitoramento das próprias empresas que apontam dados relacionados à degradação ambiental decorrente da atividade industrial.

“Um enorme crime ambiental que está sendo feito aqui. As empresas já lançaram, elas mesmas, laudos dizendo que os lençóis freáticos estão sendo altamente poluídos por metais pesados – chumbo e vanádio. Não há condições de instalar outras empresas. O governo do estado não está tendo condições de fiscalizar essas que estão aqui, e vai fiscalizar outras? Não dá para querer construir um porto matando uma cidade. A cidade de São Luís já está sufocada”.

Para o sociólogo Horácio Antunes, professor da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) e organizador do livro “Ecos dos conflitos socioambientais: Resex de Tauá-Mirim”, a criação da unidade de conservação esbarra nos interesses do empresariado, e como reação eles não medem esforços para influenciar os setores políticos do estado nas suas decisões.

“A Federação da Indústria do Maranhão atua fortemente na discussão do Plano Diretor [do Município de São Luís] no sentido de transformar boa parte da área da Resex Tauá-Mirim em zona portuária ou zona industrial. Isso inviabilizaria a oficialização da reserva extrativista. Chamo de oficialização porque as comunidades consideram a reserva já criada – por elas mesmas”, disse Antunes.

Para o sociólogo, a Secretaria de Indústria e Comércio hoje “é o principal bastião daqueles que são contrários à criação da Resex Tauá-Mirim”. Essa secretaria está em profunda articulação com os grandes empreendimentos. Os grandes empreendimentos utilizam o setor público, utilizam o próprio governo, para a viabilização de suas intenções e interesses. A gente percebe muito esse trânsito entre agentes do estado e agentes das grandes empresas”, diz Horácio Antunes.

Sob a justificativa de ter o documento de propriedade da terra, segundo os comunitários da Resex Tauá-Mirim, funcionários da empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais, do grupo WTorre, que recebeu a licença prévia expedida para a construção de um porto, mapeiam terras da reserva, fazem cadastramento das famílias para a possível futura remoção, oferecem indenizações e derrubam casas sem autorização.

Lucilene Raimunda Costa é marisqueira e moradora da Comunidade Cajueiro. Ela disse que os moradores da reserva têm recebido visitas, repetidas vezes, de prestadores de serviços da WPR. Segunda ela, os prestadores trabalham no corpo a corpo com a comunidade, contando as vantagens que a empresa pode trazer aos ribeirinhos, como escola, empregos, estrada e casas de alvenaria. Um dos prestadores da WPR, conforme Lucilene, é Fernando Fialho, que já era conhecido das comunidades da Resex Tauá Mirim, pois foi presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap), que administra o Porto do Itaqui, e secretário de Desenvolvimento Social e Agricultura Familiar (Sedes) do governo de Roseana Sarney.

O defensor público Alberto Tavares disse que no Estudo de Impacto ambiental (EIA) apresentado pela WPR há previsão para construção, além do porto, de um retroporto (área adjacente) para dar suporte logístico à atividade de armazenagem e transporte. Ele rebate, portanto, o argumento de que o impacto será numa área isolada e aponta a incompatibilidade da existência de atividade portuária dentro de uma reserva extrativista. “É um empreendimento muito grande que vai trazer um impacto não somente para a Comunidade do Cajueiro, mas para todo o entorno. Inclusive está previsto no EIA que o impacto não se restringe àquele local. Um empreendimento portuário atinge todo o entorno e vai trazer prejuízos. É um impacto negativo para a zona rural como um todo. O Cajueiro está em uma linha limítrofe entre o distrito industrial e a zona rural. A gente sabe que um empreendimento dessa magnitude provoca um adensamento populacional”, disse o defensor. Alberto Tavares afirma que, caso haja a permissão para a construção do porto da WPR, a região enfrentará um processo de urbanização. “Isso tudo vai afetar o modo de vida dessas comunidades sensivelmente. E acaba por interferir na própria concepção do que se entende como sendo uma reserva extrativista. Uma reserva extrativista não pode ficar próxima a um empreendimento dessa natureza, com todas as alterações, tanto no meio ambiente quanto no meio social. Isso será extremamente danoso”, prevê.

A Amazônia Real enviou perguntas para a assessoria de imprensa do MMA para o ministro Sarney Filho comentar suas declarações contra a criação da Reserva Extrativista Tauá-Mirim no encontro com empresários maranhenses. O ministro golpista não quis falar.

15.13.1 Referências

15.14 Temer Antecipa Pacote do Veneno e é Acusado por Ambientalistas de ser um Governo que não tem Compromissos com o Futuro

Governo golpista proíbe Anvisa e IBAMA de se manifestarem a respeito de agrotóxicos e Ministério da Agricultura do “rei da soja”, Blairo Maggi, assume controle das informações sobre venenos

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, subordinada ao Ministério da Saúde – MS, não presta mais informações a respeito de agrotóxicos, inclusive sobre aqueles registrados antes de 2016. Para especialistas da área, a mudança no controle das informações faz parte de uma ação coordenada por representantes do agronegócio que trabalham para acelerar a tramitação e aprovação de projetos de lei que compõem o chamado “pacote do veneno”. São projetos que, entre outras coisas, vão facilitar a aprovação, o registro, a comercialização, a utilização, o armazenamento e o transporte de agrotóxicos, aumentando a presença dessas substâncias nas lavouras brasileiras. “O controle de informações no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ocorre paralelamente a outras medidas em curso, sugerindo que o ‘pacote do veneno’ está sendo implementado mesmo antes de ter sido aprovado no Congresso e sancionado por Temer”, diz o coordenador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida – Agrotóxico Mata, Alan Tygel. O “pacote” inclui o Projeto de Lei (PL) 3.200/2015, do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS), que praticamente revoga a atual lei de agrotóxicos. Vale lembrar que o PP é o mesmo partido, que juntamente ao PMDB é financiado pelo esquema de corrupção de empresas do agronegócio, denunciado pela operação da Polícia Federal, batizada de “Carne Fraca”. A operação apura esquemas de adulteração de alimentos e o pagamento de propinas, justamente, para funcionários do Mapa.

Para ambientalistas, promotores federais, movimentos sociais e defesa do consumidor, a proposta é um retrocesso. Veta o termo “agrotóxico”, substituindo por “fitossanitário”, e cria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito) no âmbito do Mapa. Estão entre as prerrogativas dessa nova comissão apresentar “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins”. O colegiado também indicará os 23 membros efetivos e suplentes, deixando de fora representantes dos consumidores, da Anvisa e do IBAMA – um ataque aos princípios da precaução, conforme os críticos.

Também no “pacote” está o PL 6.299/2002, do então senador ruralista Blairo Maggi, que altera regras para a pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, propaganda, utilização, importação, exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e fiscalização. Se for aprovado, a embalagem dos agroquímicos deixará de ter, por exemplo, a presença da caveira – símbolo de veneno conhecido universalmente, até mesmo por pessoas analfabetas e crianças. “São alterações que vão afrouxar ainda mais as normas, como proibir apenas os venenos que causem intoxicação aguda, aquelas que ocorrem imediatamente à exposição ao produto. No entanto, estudos mostram que há intoxicações crônicas, que surgem tempo depois, pela exposição continuada a essas substâncias no ambiente de trabalho ou pelo acúmulo de substâncias nocivas no organismo depois de anos consumindo alimentos com agrotóxicos”. Segundo Tygel, estudos recentes associam a exposição a agrotóxicos com o surgimento do Mal de Parkinson, doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva, que ocorre pela queda da produção de dopamina, neurotransmissor envolvido no fluxo de informação entre os neurônios. Já está estabelecido em estudos neurocientíficos que esta diminuição está associada a causas ambientais, e não apenas genéticas.

A Campanha Permanente destaca a submissão da Anvisa ao agronegócio e considera a agência omissa na defesa da saúde da população. Tanto que em 2016 não coletou amostras de alimentos para análise no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para). Além disso, não avalia a presença de venenos em alimentos como carne, leite, ovos, industrializados para alimentação infantil e de adulto e água mineral, suspendeu a fiscalização das indústrias de agrotóxicos, não consolida nem divulga dados sobre esse mercado.

Em 2016 houve um recorde de agrotóxicos registrados pelo Mapa. O presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e integrante da Associação Brasileira de Agroecologia, o agrônomo Leonardo Melgarejo destaca a prevalência do viés comercial em detrimento da preocupação com a saúde. “Não temos tamanha variedade de insetos e ervas daninhas que exijam tamanha diversidade de venenos”, diz. E aponta falhas metodológicas. “No caso dos venenos genéricos, há uma confusão. Passam a ideia de que se trata de algo semelhante aos remédios, onde o princípio ativo é o que interessa. No caso dos agrotóxicos, devemos nos preocupar com os químicos utilizados no coquetel colocado à venda, junto com o princípio ativo”, afirma. Conforme exemplifica, o herbicida 2,4-D contém entre as impurezas um grupo de substâncias, as dioxinas, que são extremamente perigosas e estão entre os agentes cancerígenos. Além disso, há outros produtos associados igualmente tóxicos, que têm a função de desintegrar a gota de agrotóxico em contato com as folhas das plantas, facilitando sua absorção e a ação tóxica. “Sem contar aqueles resultantes da transformação destes e de outros componentes, seja pela metabolização da planta, como o AMPA, a partir da aplicação do glifosato, pela ação do sol, de elementos químicos que compõem o solo”, destaca o agrônomo. “Estes subprodutos do princípio ativo e dos demais componentes geram novos riscos de combinações e sinergias perigosas. Portanto, liberar o uso de um agrotóxico sem estudos, apenas baseado na afirmação de que outros com o mesmo princípio ativo, com efeito similar, já foram aprovados, vale para o agronegócio mas não vale para a saúde e nem para o meio ambiente”.

Na avaliação de Melgarejo, a decisão da pasta conduzida por Blairo Maggi deveria ser repudiada pelo MS e pelo MMA. “Nós, ambientalistas, consideramos que esta decisão só poderia ser tomada em um governo que não tem compromissos com o futuro. Quanto mais barato for um agrotóxico genérico, maior será o risco de problemas associados aos demais componentes, mesmo que o princípio ativo corresponda ao que se verifica em todas as formulações. São os trabalhadores rurais, os agricultores e os consumidores que verificarão isso no futuro”.

15.14.1 Referências

15.15 Alerta a respeito do Futuro do Bolsa Verde

Um dos analistas ambientais da Diretoria de Licenciamento Ambiental federal, que preferiu não se identificar, colocou este interessante cartaz em um dos murais do IBAMA. Ele alerta a respeito dos potenciais impactos negativos sobre o Bolsa Verde, para as pessoas que recebem o auxílio, ao considerar os efeitos negativos de cortes já anunciados no orçamento de 2017 para outros programas. O cartaz destaca ainda que os impactos negativos são ainda sem considerar a PEC do Apocalipse. Também destaca o aumento nos gastos do governo golpista com publicidade.

Fontes do MMA informam que a lista de beneficiários do Bolsa Verde não é atualizada desde fevereiro de 2016, o que levanta suspeitas a respeito da continuidade do Programa, com novos cadastramentos de beneficiários.

15.16 Aumento dos Valores dos preços de ingressos de Acesso às Unidades de Conservação Federais

Pode dificultar o acesso dos visitantes das camadas mais pobres, de ter a possibilidade de apreciar as áreas mais belas paisagens do país. A atualização dos valores ocorreu por meio da Portaria nº 91, de 29 de setembro de 2016. Há dúvidas se o aumento da arrecadação refletirá na melhoria da qualidade dos serviços.

15.16.1 Referências

15.17 Desmonte do IBAMA Avança

Portaria Nº 36, de 7 de dezembro de 2016, desativa Unidades do IBAMA

A presidenta do gabinete golpista do Ibama, Suely Araújo, sob a alegação de necessidade de adequar a atuação das Superintendências do IBAMA às vocações e demandas regionais, buscando reforçar a integração com as prioridades estratégicas da Instituição, extinguiu as seguintes Unidades do IBAMA,

  • Base Avançada de Vitória da Conquista, BA;
  • Base Avançada de Aracati, CE;
  • Unidade de Sobral, CE;
  • Unidade de Canarana, MT;
  • Base Avançada de Novo Progresso, PA;
  • Unidade de Sousa, PB;
  • Base Avançada de Nova Friburgo, RJ;
  • Base Avançada de Tramandaí, RS;
  • Unidade de Joinville, SC,
  • Unidade de Assis, SP e
  • Unidade de Gurupi, TO.

A medida reduz o órgão e a sua presença em vários estados. Com isso, há uma diminuição do apoio logístico-operacional às ações de combate ao desmatamento e outras infrações ambientais e um acúmulo de atribuições em outras Unidades. Há locais no país em que a única presença do estado é justamente o IBAMA. A redução do órgão ocorre sem transparência, embasamento e uma ampla discussão. A previsão é que a desativação deverá ser concluída até 31/12/17.

15.17.1 Referências

15.18 Ataque ao serviço e aos servidores públicos

15.18.1 Loteamento de Cargos

As servidoras e os servidores do IBAMA – ES que ocupavam funções de chefia as entregaram oficialmente, após o Deputado Federal Paulo Foletto pedir a exoneração de um servidor de carreira e a nomeação de Mario Stella Cassa Louzada.

Por meio de carta aberta ao ministro golpista do Meio Ambiente, Sarney Filho, à presidente golpista do IBAMA, Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo e ao deputado federal, Paulo Foletto (PSB – ES), as servidoras e os servidores do IBAMA-ES manifestam as deliberações definidas, por unanimidade, em assembleia realizada, em 16/09/2016. Denunciam que o cargo de Superintendente do IBAMA – ES não pertence ao PSB, outro partido político e tampouco ao deputado federal Paulo Foletto ou a qualquer outro deputado federal, estadual ou senador, mas sim, que esse cargo pertence ao Estado Brasileiro sendo, portanto, uma função de Estado.

Em outra carta aberta, as servidoras e os servidores do IBAMA – ES alertam que essa intervenção causará prejuízos à ação do IBAMA no combate ao crime ambiental e nas demais ações desenvolvidas pelo órgão, entre as quais, a reparação de danos ambientais como os decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco Mineração S/A.

Devido às fortes manifestações dos servidores e da sociedade, indignados com as nomeações de cargos de confiança que a gestão do MMA do governo golpista, a representação dos servidores cobrou do Ministro que as pessoas indicadas para assumir os cargos de gestão tenham capacidade técnica e perfil para a função, de maneira que não se tenha pessoas desqualificadas ou com ficha suja, a exemplo do ocorrido com a Superintendente do IBAMA em São Paulo, Vanessa Damo, que atualmente encontra-se afastada por decisão judicial.

No entanto, recentemente, Ricardo Araújo Zoghbi foi lotado como Coordenador-Geral de Infra-Estrutura de Energia Elétrica (CGENE), da Diretoria de Licenciamento Ambiental (DILIC), do IBAMA. O MPF denunciou à Justiça o ex-diretor de Recursos Humanos do Senado, João Carlos Zoghbi, pela prática de estelionato. Zoghbi é acusado de transferir a terceiros (primeiro ao filho e depois à ex-nora) o direito de uso de um imóvel funcional. Segundo acusação, por quase seis anos, apartamento, que fica em região nobre de Brasília, foi usado por filho e nora de João Carlos Zoghbi.

Segundo o MPF, nesse período, mesmo residindo em uma casa no Lago Sul – também área nobre –, o então servidor apresentou declarações falsas para manter o direito de uso do apartamento funcional. Zoghbi já respondeu a um procedimento administrativo e foi condenado em uma ação judicial por improbidade administrativa. Em outubro de 2009, Zoghbi foi demitido do Senado.

15.18.2 Perseguições a servidores

As investidas contra o Licenciamento Ambiental se desdobraram, ainda, em retaliações imputadas a servidores, como exonerações de cargos de chefia e o caso mais recente no qual três técnicos da DILIC foram acusados de “insubordinação” sem ter havido instauração de processo administrativo, colocados à disposição sem o direito à defesa e afastados da diretoria de maneira aviltante. Os servidores do IBAMA e do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) divulgaram uma nota pública e uma nota de repúdio a essas arbitrariedades. Os servidores questionam os afastamentos e destacam, entre outras coisas, que a “atitude tomada pela administração, com real propósito de solicitar uma remoção, disfarça uma punição administrativa antecipada e sem a observância do devido processo, do direito ao contraditório e ampla defesa prévia”. Por isso, os servidores se posicionam contra qualquer ato da administração que adote a prática de colocar servidores à disposição como instrumento de punição.

Os servidores produziram notas técnicas e pareceres que expuseram problemas administrativos do IBAMA, que permitem graves e irreversíveis impactos ambientais e sociais negativos e sujeitam obras estratégicas a insegurança jurídica e sobrepreço, nas rodovias BR-219, BR-080, BR-158, BR-156 e BR-116 e nas ferrovias de Integração Oeste-Leste – Fiol e Norte-Sul.

15.18.3 Calote de Temer em Acordo Firmado com servidores por Dilma em 2015

Durante nove meses, entidades representativas dos servidores do setor ambiental federal (MMA, SFB, IBAMA e ICMBio), como a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – CONDSEF alertaram ao ministro golpista do Meio Ambiente que pontos do acordo pactuado ao fim do processo de negociação de 2015 ainda não haviam sido cumpridos. No entanto, o Acordo nº 16/15 foi quebrado pelo governo golpista Temer, sem a efetiva participação do Ministro golpista Sarney Filho nas negociações. Os pontos do Acordo quebrado pelo governo usurpador de direitos Temer:

  • Regulamentação da Gratificação de Qualificação – GQ III – Apesar da publicação da Lei nº 13.324, de 29 de julho de 2016, que cria a GQ III – concedida aos servidores dos níveis superior e médio da Carreira de Especialista em Meio Ambiente – CEMA e do Plano Especial de Cargos do MMA e do IBAMA – PECMA – não há garantia legal para o seu pagamento devido à falta de regulamentação. Era previsto no Acordo que a regulamentação seria feita pelo MMA, ainda em 2016. A aprovação da PECl nº 55 (PEC do Apocalipse) agravou a situação.
  • Adicional de Campo – Para os servidores da CEMA em todo o país. O Acordo de 2015 revoga o Art. 2º. da Lei nº 12.856/13, que contemplava, apenas, aos servidores da Amazônia Legal, e em valor de menos da metade do que hoje se paga para outros órgãos que possuem o mesmo adicional. Com a revogação, o adicional é devido a todos os servidores que fizerem jus. O valor do Adicional é de R$ 45,00/ dia. Este Adicional de campo entra como custeio, já sendo devido desde a publicação da Lei 13.324/2016, publicada em 29 de julho. Urge que o MMA e suas vinculadas disponibilizem recursos na rubrica de custeio para que os servidores que fazem jus deixem de ser prejudicados.

As entidades representativas dos servidores apresentam grande preocupação com a falta de compromisso que o governo golpista Temer vem demonstrando com o meio ambiente e com as servidoras e servidores da área ambiental federal.

15.18.4 Referências

16 A escalada da opressão e da repressão para garantir o desmonte do Estado e a retirada de direitos

16.1 A luta de classes a todo vapor em um país sob golpe

Agentes arbitrários sentem-se livres para atacar e o discurso fascista ganha espaço

Na medida em que, para dominar, se esforçam por deter a ânsia de busca, a inquietação, o poder de criar, que caracterizam a vida, os opressores matam a vida”.
Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido.

Aqueles que chegaram ao poder usando o atalho do golpe parlamentar organizado por centenas de políticos corruptos que temem ser punidos não possuem compromisso algum com a natureza plural e democrática do Estado brasileiro. Da interinidade à efetivação do golpe assistimos ao crescimento da violência de Estado contra os direitos dos cidadãos e cidadãs, seja na forma física, psicológica ou institucional. Assustador que esse crescimento da violência se dê acompanhado por apoio, até agora incondicional, de parte da grande mídia, em especial da Rede Globo. Logo no primeiro protesto com Temer presidente já houve repressão em São Paulo. Poucas horas após o Senado votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, a avenida Paulista foi tomada por manifestantes que protestavam contra o impedimento. Concentrados na frente do Masp, tudo correu pacificamente nas primeiras horas do ato favorável à democracia e a Dilma, mas a situação ficou caótica quando a Polícia Militar dispersou o movimento com bombas de efeito moral. Policiais avançaram rapidamente contra os ativistas, lançando bombas de gás lacrimogênio para dispersar integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), da União Nacional dos Estudantes (UNE), União Estadual dos Estudantes (UEE) e União da Juventude Socialista (UJS), além de muitos outros insatisfeitos com o governo ilegítimo. Após a ação da polícia, os manifestantes se dispersaram e foram perseguidos ainda por cerca de 1h30 pelas ruas do centro de São Paulo, sendo que vários ficaram feridos e foram atendidos na Santa Casa. Além das bombas, a PM usou também dois caminhões da Tropa de Choque, que jogavam jatos de água na direção das pessoas. A polícia também chegou a invadir a USP, que, sob a justificativa de prevenir contra a manifestação, mandou todos os alunos saírem das aulas e trancaram as portas. Entre os resultados agressivos da repressão policial, registros de atropelamentos, fotógrafos perseguidos e atacados e uma jovem manifestante de 20 anos, Deborah Fabri, que ficou cega de um olho por estilhaços de bomba de efeito moral.

Em 1968, quando os militares decidiram aprofundar a ditadura com o AI-5 (que fechava o Congresso, impedia habeas corpus e dava poderes absolutos aos fardados), um civil que apoiava o regime se colocou contra a medida: era o vice-presidente (e jurista) Pedro Aleixo. Ele disse: “o meu medo não é o presidente abusar da autoridade; o meu medo é o guarda da esquina”. No Brasil do golpe, cada juiz virou um guarda da esquina. Os setores mais lúcidos do centro democrático, e mesmo da direita partidária, já perceberam que avançamos para uma situação de arbítrio que afundará a todos. Tudo indica que avançamos rapidamente para um novo 1968, com um AI-5 em câmera lenta. Cada juizeco de primeira instância sente-se investido da autoridade para condenar “políticos”, construindo uma narrativa de que “contra a corrupção” qualquer exagero ou abuso pode ser justificado.

Em situação típica de um Estado de Exceção, enquanto aplica o ajuste fiscal, arrochando as contas públicas e cortando os direitos sociais, Temer anunciou que as Forças Armadas serão usadas pelas reprimir movimentos em todo o país. “O governo federal resolveu colocar as Forças Armadas à disposição de toda e qualquer hipótese de desordem nos Estados da federação brasileira”, anunciou Temer durante pronunciamento no dia 13/02/17, no Palácio do Planalto. Para tentar impedir uma reação dos movimentos sociais e sindicais contra suas medidas, Temer direciona as Forças Armadas para o combater o seu inimigo interno: o povo.

Fica evidente, além disso, o conteúdo de classe na repressão, visto que os protestos dos trabalhadores, estudantes, indígenas e movimentos sociais são violentamente reprimidos, enquanto que as manifestações de golpistas e fascistas há confraternização e colaboração direta das forças de repressão. Não é pelo prejuízo dos contêineres arrastados ao meio das ruas de Porto Alegre que a Brigada Militar move dezenas de policiais, a Tropa de Choque, vários camburões e um helicóptero para perseguir manifestantes nos arredores da dispersão, em meio à crise da violência urbana na capital. A tática é de disseminar o medo, associar os protestos a eventos hostis a população, enquanto, na realidade, estamos enfrentando os interesses da burguesia. A ironia é que as condições de vida dos agentes da repressão, em sua maioria, não se diferenciam das condições da maioria dos trabalhadores e a estrutura de privilégios da burguesia também existe no interior das instituições dos agentes da repressão.

A repressão generalizada das Polícias Militares aos protestos contra o impeachment e contra as “reformas” da Previdência e trabalhista contaram, inicialmente, com a atuação do tenebroso ex-Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, acusado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo de advogar em 123 processos da Transcooper, cooperativa envolvida em lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Além de Moraes, que atuou através da Secretaria Nacional de Segurança Pública – que coordena as PM – também houve papel importante do general Sergio Etchegoyen que, através do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) passou a controlar o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sinbin). A segurança, por exemplo, das Olimpíadas deveria ter sido confiada ao comando do Estado Maior das Forças Armadas ou ao Ministério da Defesa, mas Temer entregou à GSI.

A cada manifestação tem sido maior a violência da PM. Além disso, cresceu o monitoramento e a perseguição aos movimentos sociais para tentar coibir a revolta nas ruas contra os planos de Temer. À medida que a legitimidade de Temer tem sido corroída junto ao mercado, tem aumentado a escalada repressiva. Cada passo a mais da repressão torna mais evidente a ficha suja dos usurpadores do poder.

No pronunciamento do dia 31/10/16 Temer disse, “Meu único interesse – e que encaro como questão de honra – é entregar ao meu sucessor um país reconciliado, pacificado e em ritmo de crescimento. Um país que dê orgulho aos seus cidadãos”. Na esteira desse pronunciamento, o golpista da Fiesp disse que “é hora de todos juntos reconstruirmos o país”. Ora, pacificação e reconstrução não se fazem no porrete, no gás de pimenta, mas na democracia. Enquanto havia democracia, milhões de pessoas de uniforme (verde e amarelo) da corrupta CBF foram às ruas e nunca se viu repressão desta forma. A polícia comprova por suas atitudes que sabe apenas reagir com extrema violência quando o povo se levanta contra a retirada de direitos trabalhistas e quando se organiza para conquistar o direito a moradia, o que reforça a necessidade mais do que urgente da desmilitarização da PM.

A seguir alguns exemplos (a lista não é exaustiva) da repressão do desgoverno Temer contra o povo:

16.2 Violência contra movimentos dos trabalhadores, estudantis e sociais

  • Mateus Ferreira da Silva, estudante da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi internado após sofrer traumatismo cranioencefálico e múltiplas fraturas no rosto. Mateus foi vítima do capitão Augusto Sampaio de Oliveira Neto, que durante ação de repressão da Polícia Militar de Goiás contra o ato que ocorria durante a greve geral de 28/04/17 desferiu um golpe de cassetete contra a cabeça do estudante, com força suficiente para quebrar a arma. Várias testemunhas afirmam que a PM impediu a chegada do socorro médico até Mateus, que ficou caído no chão após a agressão, e que quando outros alunos da UFG o transportaram em um tapume até os Bombeiros, foram atacados com spray de pimenta.
  • No Dia do Trabalhador, 1º de maio de 2017, a PM de Minas Gerais invadiu a Ocupação Manoel Aleixo, na cidade de Mário Campos, sem mandado judicial. Na ação, os PM atiraram no rosto da jovem Nathaly Gabriela, de 14 anos! O tiro de borracha foi dado a curta distância e atingiu a região da boca de Gabi, militante do movimento de moradia e da União da Juventude Rebelião, rompendo uma artéria e fazendo com que ela perdesse muito sangue e tivesse de ser submetida a uma cirurgia. As 100 famílias que ocupavam o local em nenhum momento agiram de forma violenta.
  • O ilegítimo Temer autorizou o uso das Forças Armadas no Rio de Janeiro, que vive um caos nas contas públicas, durante as manifestações contra os atrasos de salários dos servidores, contra as privatizações e durante a greve da Polícia Militar.
  • Na Av. Paulista, os tucanos Alckimin e Doria têm proibido os protestos, e Temer tem autorizado o uso do Exército, mas dezenas de milhares de trabalhadores ainda assim tem demonstrado a força do movimento.
  • Em Brasília, a Polícia Militar reprimiu com violência e brutalidade a manifestação organizada para protestar contra o resultado do julgamento da presidenta Dilma Rousseff. A caminhada começou ao lado do Ministério da Justiça – cujo ex-titular, Alexandre de Moraes, sugeriu investir mais em armamento do que em educação para conter os problemas sociais do Brasil – rumo à Rodoviária do Plano Piloto. Já no trajeto, a PM começou a violência gratuita.
  • Em Vitória (ES), o ato contra o resultado da votação do impeachment reuniu mais de mil manifestantes que saíram em direção à praça do pedágio da Terceira Ponte. Ao se aproximarem, a cavalaria já os aguardava. Um manifestante tentou diálogo com os policiais, que responderam posicionando o choque. O grupo sentou no chão e decidiu fazer uma assembleia, momento em que o batalhão começou a disparar bombas e balas de borracha. Pelo menos três pessoas ficaram feridas, vítimas de estilhaços de bomba e tiros de bala de borracha, entre eles um homem de 70 anos.
  • Desde a cerimônia de nomeação de ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como novo ministro-chefe da Casa Civil, em 17/03/16, já havia ficado bem clara como seria a atitude da PM contra os manifestantes em defesa da democracia e, em especial quando houvesse a presença de manifestantes fascistas no mesmo local. Durante a referida cerimônia, a PM além de facilitar a aproximação dos fascistas, foi cada vez mais diminuindo o espaço dos manifestantes defensores da democracia, permitindo passivamente o conflito entre os dois grupos.

PM chutando manifestante pela democracia pelas costas e fascista agredindo manifestante pela democracia, durante a cerimônia de posse de Lula como ministro da Casa-Civil (Fonte: Givaldo Barbosa).

16.3 Repressão Olímpica

Um torcedor que estava assistindo a final da competição de tiro foi retirado pela polícia da arquibancada da Marquês de Sapucaí, onde aconteciam as provas. Ele estava com um cartaz escrito “Fora Temer”, quando foi abordado por quatro policiais. Ele estava com o filho e a esposa e não fazia nada que por ventura atrapalhasse os atletas ou demais espectadores. Não adiantou argumentar. Foi retirado de maneira truculenta mesmo depois de aceitar fechar o cartaz.

Situações semelhantes se repetirem pelas competições Olímpicas. “Se você se manifestar com uma faixa ‘fora Temer’, vamos pegar a faixa”. Foi assim que um agente de segurança do estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, iniciou uma discussão com dois torcedores que assistiam à partida da seleção brasileira feminina de futebol contra a China, no dia 03/08/16. “Dentro do estádio não pode”, disse o funcionário, conforme vídeo que circulou na internet. No mesmo dia, um grupo de 12 torcedores que assistia à partida de futebol feminino entre França e Estados Unidos teve de se retirar do estádio Mineirão, em Belo Horizonte, após um protesto: além de pedir a saída de Temer, o grupo exibiu letreiros nos quais se lia “volta, democracia”.

Na noite de 08/08/16, o juiz federal João Augusto Carneiro Araújo, em resposta a um pedido do Ministério Público Federal contra a União, o Estado do Rio e o Comitê Organizador da Rio 2016, concedeu liminar proibindo a repressão e a retirada de manifestantes, liberando manifestações pacíficas durante o evento. Antes da decisão, outros casos de repressão foram relatados pela imprensa e nas redes sociais. Para a professora Eloísa Machado, da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito – São Paulo, manifestar reprovação política não caracteriza ofensa, e a lei está sendo interpretada de maneira “irresponsável, ilegal e inconstitucional”. “É uma violação à liberdade de manifestação e de expressão no Brasil, um tipo de censura aplicada aos jogos”, afirmou. Outros especialistas também afirmaram que o veto à manifestação política é inconstitucional. Para Márcio Sotelo Felippe, procurador do Estado de São Paulo, as medidas são reflexo de um autoritarismo crescente no País, “É estado de exceção. A Constituição de 1988 não existe mais.”

A proibição de protestos em estádios foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2014. Na ocasião, os ministros analisaram um recurso do PSDB que questionava a restrição a cartazes e bandeiras nas arenas, prevista na lei 12.663/2012, a Lei Geral da Copa. Por 8 votos contra 2, o STF entendeu que a proibição era legal. Apesar de ter votado pela legalidade do dispositivo, o relator do processo, Gilmar Mendes, registrou em seu voto que “é preciso ter a visão” de que autoridades públicas estão sujeitas a vaias e protestos, o que não pode ser confundido com ofensa. “De fato, é preciso que nós tenhamos também certa compreensão do que se diz no estádio, que a gente saiba que ali se empregam expressões figuradas. Ao chamar um juiz de ladrão, ninguém, de fato, está imputando ao juiz uma dada falta, senão a de que ele errou no lance. É preciso ter essa compreensão, como as vaias e os apupos também dirigidos a autoridades, às vezes, de maneira muito mais enfática, a rigor, também não são ofensas de caráter pessoal, elas são apenas manifestações de desacordo. Portanto, é preciso ter essa visão”, afirmou Mendes. Para Eloísa Machado, o Supremo foi claro na sua defesa à livre manifestação. “O que a Lei Geral da Copa tentava evitar era justamente um tipo de ofensa de cunho discriminatório, um episódio de racismo, como nós infelizmente já tivemos nos estádios do Brasil”, diz. Nesse sentido, o ‘fora Temer’ e o ‘fora Dilma’ não seriam conteúdos ofensivos, mas manifestações políticas”, conclui a professora.

16.4 Repressão de gênero

O golpe em si tem um recorte muito específico, machista, misógino, pelo fato da maneira como em muitas situações foi atacada a presidenta Dilma.

Logo após o final da manifestação popular que acompanhou a saída de Dilma do Palácio do Planalto, há um ano, na manhã de 12/05/16, um grupo de mulheres, militantes de diferentes movimentos sociais, acorrentou-se às grades, em frente à sede do governo. Elas protestavam contra a presidência interina de Michel Temer, a quem chamam de golpista, traidor e ilegítimo. Refletindo o mal estar atual da vida política brasileira, ali próximo um grupo de 10 fascistas portava faixas reivindicavam intervenção militar. Depois de mais de duas horas, as militantes decidiram subir a rampa do Palácio do Planalto, em protesto, mas foram covardemente atacadas com muito gás de pimenta e golpes de cassetetes. Já nas primeiras horas daquela manhã, eram visíveis os sinais de que outros tempos estavam começando. Maus tempos. Desde 2003 não se viam barreiras policiais revistando manifestantes que queriam se aproximar do Palácio. As mulheres tinham de abrir suas bolsas para os seguranças e homens eram apalpados. Diferente das eras Lula e Dilma, que não demonstravam medo do povo organizado.

No 8 de março de 2017, enquanto as mulheres de todo o mundo celebravam uma data que marca a luta histórica por direitos e igualdade de gênero, o usurpador Michel Temer proferiu um discurso exaltando o papel “doméstico” da mulher quanto a criação dos filhos, limpeza da casa, compras de supermercado e cuidados com o marido. O discurso machista de Temer fortalece a violência contra a mulher.

Para Vanessa Dios, presidente do Instituto de Bioética Anis, o fato de não haver mulheres no primeiro escalão do governo Temer preocupa. “Nós não temos ninguém que fale a favor das mulheres. Os direitos que foram conquistados estão seriamente ameaçados. Então talvez a gente não possa falar em avanços por enquanto, mas não podemos regredir. Temos que garantir que os direitos já conquistados sejam assegurados”, afirma Dios. “Como mulheres, nós tínhamos a Presidência da República. Agora nós estamos no terceiro escalão ou abaixo. As mulheres vão preparar a festa para que os homens possam fazer seus discursos. E isso é insuportável para nós. Toda vez que nos tiram da fotografia do poder, mais mulheres são vítimas da violência, porque nós nos transformamos em invisíveis”, diz a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que foi ministra dos Direitos Humanos do governo Dilma.

No final de maio de 2016, o ministro da Educação do governo Temer, Mendonça Filho (DEM), recebeu das mãos do ator Alexandre Frota uma proposta para acabar com a “ideologia de gênero” nas escolas. Para Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, o debate de gênero faz parte de um “percurso civilizatório” fundamental no combate à violência. “Estamos diante de um perigo de retrocesso imenso.

Para enfrentar a violência contra as mulheres é preciso trabalhar a relação de respeito mútuo e mostrar que é injusta a desigualdade de gênero. Mas o Congresso é totalmente contrário a esse debate e nós estamos tendo a aprovação, em legislativos municipais e estaduais, de projetos que proíbem o debate da diversidade, da desigualdade de gênero e da desigualdade racial. Vamos dar marcha a ré em décadas”, diz Melo. A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) concorda. Para ela, que foi ministra dos Direitos Humanos do governo Dilma, a base de sustentação de Temer no Congresso “nasce do conservadorismo, do controle sobre o corpo feminino e da própria cultura do estupro”. “É a mesma base de sustentação que cunhou a expressão ‘ideologia de gênero’, que na verdade é uma forma de ideologia machista.

16.5 Opressão contra a educação e a cultura

A página com a biografia do autor de “Pedagogia do Oprimido”, terceira obra mais citada do mundo em trabalhos de ciências humanas, foi alterada por um órgão governamental que não teve o nome divulgado. Na alteração, Freire é acusado de “doutrinação marxista” e tido como responsável por uma educação “atrasada, doutrinária e fraca”. Um grupo que monitora as modificações feitas nas páginas da enciclopédia virtual colaborativa Wikipedia identificou, n 28/06/16, uma alteração feita na biografia do educador Paulo Freire. Foi adicionado à sua descrição trechos de texto publicado originalmente no site do Instituto Liberal intitulado “Paulo Freire e o Assassinato do Conhecimento”. Nos verbetes alterados, Paulo Freire foi acusado de “doutrinação marxista” e tido como o responsável por uma educação “atrasada, doutrinária e fraca”.

As críticas de “doutrinação marxista” com relação ao trabalho de Paulo Freire são muito recorrentes entre integrantes do movimento “Escola sem partido”, que tem tido grande inserção no Ministério da Educação do governo golpista. É inconstitucional, patética e anacrônica a tentativa do governo golpista de reinstaurar algum tipo de censura anticomunista.

O escritor Raduan Nassar ao ser homenageado com o Prêmio Camões de 2016, atribuído pelos governos do Brasil e Portugal, se referiu ao governo de Michel Temer como “repressor” e disse que o Brasil passa por tempos “sombrios, muito sombrios”. A homenagem ocorreu no Museu Lasar Segall, em São Paulo, e contou com a presença do embaixador de Portugal no Brasil, Jorge Cabral. Raduan lembrou os episódios da invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; da invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; das desocupações violentas em escolas de ensino médio em muitos estados; da prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; da violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios estes que foram “todos perpetrados por Alexandre de Moraes”, até então Ministro da Justiça, a quem o escritor se referiu como “figura exótica indicada agora para o Supremo Tribunal Federal”. Ao STF, Raduan dirigiu duras críticas, questionando a nomeação do ministro Moreira Franco, citado na Operação Lava Jato, e recordando, por comparação, o imbróglio em torno da nomeação de Lula à Casa Civil em 2015.

O discurso despertou a ira do ministro golpista da Cultura, Roberto Freire, que, durante a cerimônia de homenagem, abandonou o discurso que trazia impresso para reagir à intervenção, sendo vaiado e interrompido várias vezes. Freire afirmou que “é fácil fazer protesto em momentos de governo democrático como o atual” e que “quem dá prêmio a adversário político não é a ditadura!”. O castigo veio a galope, perante as afirmações do ministro de que “é um adversário político do Governo que está a receber um prêmio do Governo que ele considera ilegítimo”, os escritores presentes no evento lembraram que o Prêmio Camões 2016 foi anunciado em maio de 2016, quando o impeachment ainda não tinha sido concluído. “É preciso ressaltar que ele aceitou o prêmio em maio do ano passado, quando o Governo ainda era o de Dilma Rousseff”, destacou Milton Hatoum. Segundo o escritor amazonense, autor do premiado romance Dois irmãos, entre outros, o governo atual “adiou por muito tempo a entrega desse prêmio, justamente por medo dessa repercussão”. No meio, o discurso político de Nassar – que se manifestou contra o impeachment anteriormente – já era esperado por todos. Ao final da premiação, muitas pessoas procuraram Raduan Nassar para parabenizá-lo pela honraria e também por suas palavras. Houve também quem se dirigisse “envergonhado” à equipe do ministro, que deixou o museu poucos minutos depois de intervir, e também aos assessores do embaixador português com pedidos de “desculpas”. Discreto, Nassar, à sua vez, conclui que “não há como ficar calado”.

16.6 Perseguição política e censura à livre manifestação

A decisão do juiz de Brasília, que mandou fechar o Instituto Lula, mostra que o arbítrio avança rapidamente. A decisão às vésperas do depoimento de Lula em Curitiba, onde outras decisões de juízes de primeira instância já indicavam que estamos em pleno regime autoritário de corte jurídico-midiático: uma juíza (ligada aos fascistas do MBL) proibiu manifestações na capital do Paraná; outro (Moro) quis impedir Lula de gravar o depoimento, em clara afronta ao que diz o Código de Processo Civil.

No âmbito do serviço público federal, mesmo servidores que registram frequência em ponto eletrônico e que portanto já justificaram no sistema a falta de 28/04 por adesão à paralisação nacional, foram identificados nominalmente nos órgãos em uma ação clara de opressão e com sinais de perseguição.

16.7 As conduções coercitivas arbitrárias remontam ao autoritarismo

No passado recente, o autoritarismo se apresentava pela força das baionetas. Os tempos mudaram e hoje ele se viabiliza pelo permanente estado de exceção implementado pelas arbitrariedades do judiciário e do Ministério Público e garantido pelos “camisas pretas” da Política Federal que, fortemente armados, invadem residências e conduzem à força cidadãos para depor ao arrepio daquilo que prescreve a própria lei.

Se o Estado de Direito já vinha sofrendo as vicissitudes antes da atual crise política pela indesmentível conduta parcial e enviesada do judiciário contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres e minorias, com a operação Lava Jato a violação do Estado de Direito elevou-se a estatuto de estado de exceção judicial. Este estado se configura pela violação sistemática e politicamente orientada de direitos e garantias individuais plasmados na Constituição e nas leis.

Os valores constitucionais que brotaram das trágicas experiências dos regimes totalitários e da Segunda Guerra estabeleceram de forma indiscutível a primazia da proteção do ser humano e das várias dimensões de sua dignidade. Em nome do combate à corrupção constroem-se justificativas genéricas e politicamente orientadas para promover mais de 100 conduções coercitivas, para manter prisões ilegais, para prender e soltar ao sabor da vontade arbitrária dos promotores e do juiz Sérgio Fernando Moro.

A trinca de Curitiba – MPF, juiz Moro e PF – conduzem cada vez mais a Lava Jato não só para a adoção de medidas excepcionais na plano jurídico, mas para a prática de medidas assemelhadas aos regimes autoritários e até totalitários. Essas práticas, que vêm sendo sistematicamente denunciadas, seguem a seguinte lógica: acusa-se, prende-se e só depois constroem-se os fatos para justificar as ilegalidades.

O artigo 218 do Código do Processo Penal é taxativo em afirmar que o mecanismo da condução coercitiva só se aplica nos casos em que a testemunha regularmente intimada deixar de comparecer sem motivo justificado. Ao contrário do que afirma a nota do MPF acerca da condução coercitiva do ex-presidente Lula, não há nenhuma jurisprudência firmada que justifique a condução ao arrepio da lei.

Da mesma forma, o blogueiro Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, foi levado, em condução coercitiva, para depor na sede da Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo, na manhã de 21/03/17, em mais uma ação da Operação Lava Jato. Ele foi liberado no final da manhã, quando afirmou não ter entendido a condução coercitiva, porque não se recusou a ir à PF, e criticou a apreensão de seus equipamentos, o que, segundo Guimarães, “viola a minha atividade jornalística”. O motivo da condução coercitiva seria a divulgação de uma nota, em seu blog, sobre a iminente condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que efetivamente ocorreu em 4 de março de 2016. “Recebi de uma fonte essas informações, queriam saber se tenho alguma ligação com essa fonte. Declarei que não conheço, divulguei porque é meu trabalho como jornalista divulgar as informações.” Para Eduardo Guimarães, a condução coercitiva foi arbitrária, travestida de processo penal. Seu advogado Fernando Hideo declarou que não houve intimação prévia. “Se houvesse a intimação e ele não tivesse comparecido, eventualmente poderia haver a condução”, explicou. “A segunda arbitrariedade é a violação do sigilo de fonte. A fonte dele tem que ser preservada, isso está na Constituição Federal. É uma perseguição nitidamente política. Foi uma arbitrariedade”, afirmou.

Daí os protestos de juristas insuspeitos como Walter Maierovitch e José Gregori, respectivamente Secretário Nacional Antidrogas e Ministro da Justiça do governo FHC, assim como do ministro do Supremo Marco Aurélio Mello contra a arbitrariedade de Moro e do MPF.

O que fica claro é que a trinca de Curitiba quer revestir de legalidade um instrumento de sistemática ilegalidade. É aqui que a Lava Jato começa sua aproximação com o totalitarismo; se apoderaram de parcela do Estado para executar suas vontades arbitrárias.

Ao instaurar um estado de permanente ilegalidade, o estado de exceção da Lava Jato estabelece uma segunda aproximação com o totalitarismo nazista em um aspecto muito bem captado por Hannah Arendt em sua obra “As Origens do Totalitarismo”. Ela observa que no início, os nazistas desencadearam uma avalanche de leis e decretos. Mas depois se verificou que sequer observavam as próprias leis, suplantadas por movimentos sucessivos em busca de seus objetivos políticos geralmente implementados pela polícia secreta do Estado.

Ao contrário do que procuram justificar Moro e o MPF em suas notas explicativas, a condução coercitiva de Lula, além de violar a sua dignidade e de agredir o respeito que ele merece, não garantiu a sua segurança e não preservou a sua imagem. Pelo contrário, desencadeou ondas de violência e um clima de linchamento físico e moral do ex-presidente e de petistas. O PT passou a ser atacado em várias cidades do Brasil. O juiz Moro e o MPF não podem reclamar tolerância com suas palavras e estimular a violência com seus atos. A máscara da neutralidade já caiu e a Lava Jato mostra sistematicamente que não é imparcial e que não segue o preceito democrático da isonomia, perseguindo uns e “invisibilizando” outros. Definitivamente, o judiciário perdeu a condição de ser o mediador da atual crise política ao ingressar nela como parte politicamente interessada.

16.8 Prisões políticas

Juracy, Luciano e Ricardo, ativistas do MTST, ficaram 6 dias privados de liberdade, no Centro de Detenção Provisória Vila Independência, na Vila Prudente, em São Paulo, por participarem da greve histórica do dia 28 de Abril de 2017. Os três ativistas foram detidos de forma ilegal, em Itaquera, em manifestação contra as reformas trabalhista e da previdência. As acusações são de incitação ao crime, incêndio e explosão. Os fundamentos das prisões são nitidamente políticos. O delegado considerou como “incitação” as palavras de ordem dirigidas pelos militantes contra o Governo Temer, as suas reformas, além de ser acusado por suposta prática de incêndio, quando na verdade nenhum pneu chegou a ser queimado na pista ao longo de toda a manifestação.

Juracy e Ricardo, por sua vez, estão sendo falsamente acusados de explosão pois teriam atirado rojões na direção dos policiais. A única prova que fundamenta esta versão é a palavra dos próprios policiais. Apesar de os policiais terem vasculhado todo o local, entrado de maneira ilegal na Paróquia do Padre Paulo e averiguado o carro de Juracy à procura de provas nenhum rojão foi encontrado. Não há, portanto, nenhuma prova que confirme a acusação dos policiais. Ainda, um vídeo apresentado pela defesa dos militantes demonstra ainda que o ato seguia pacificamente no momento em que os policiais começam a atirar bombas contra os manifestantes.

A juíza Marcela Filus, que prendeu preventivamente três militantes do MTST com o argumento de “defesa da ordem pública”, é apoiadora do MBL e do Vem Pra Rua, e comparecia a atos de apoio ao golpe institucional. Mais uma vez se mostra a farsa de um judiciário supostamente neutro e isento. A juíza transformou a detenção provisória dos três militantes do MTST durante a greve geral do 28 em prisão preventiva com o argumento de defender a “ordem pública”, resgatando o expediente jurídico e a argumentação característica da ditadura militar, deixando claro que são prisões políticas contra os que se colocam contra as reformas de Temer e seu governo golpista. Como em episódios anteriores do judiciário, se constata pela denúncia das ligações políticas da juíza que a sua atuação contra o MTST ao decretar as prisões é sua forma de ativismo político, respaldado em todos os seus privilégios como juíza, em defesa do governo de Temer e suas reformas. É uma perseguição política inaceitável, que procura intimidar os que se levantaram em todo o país contra os ataques a nossos direitos.

A casa paroquial do padre Paulo Sérgio Bezerra, que fica ao lado da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Itaquera, zona leste, também foi invadida pela PM na manhã de sexta-feira, 28/04/17. O padre prestava apoio e assistência às pessoas que protestavam no entorno da igreja e que sofreram agressões da polícia, quando teve a residência invadida. “Nem no tempo da repressão violenta aconteceu isso. Jogaram bombas em cima de nós”, disse o padre. “Estou admirado com o cinismo do governo Temer de não ouvir o clamor de uma nação inteira. Eles é que estão promovendo a violência e o povo apenas está respondendo a uma violência de cima, institucionalizada, assegurada por negociatas entre grandes. É óbvio que o povo tem de responder. E a igreja tem de estar junto porque a gente é povo também”, declarou o padre.

No dia 17/01/17, a detenção de Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), pela polícia militar, durante a reintegração de posse de área ocupada por cerca de 700 famílias na zona leste da capital paulista, já corroborava a percepção de que estamos sob a vigência de estado autoritário, que lança mão de medidas típicas de exceção contra aqueles que a ele se opõe. A prisão de Boulos faz parte de um movimento claro de tentativa de deslegitimação da luta por direitos e, mais ainda, de desmoralização dos movimentos sociais – o que é um perigo imenso para a democracia. Revela ainda como os meios de persecução se sofisticam. Com a aplicação distorcida de leis penais, procura-se transformar a atividade política de oposição e reivindicação em crime, para assim deslegitimá-la.

A alegação para a prisão do líder do MTST foi que ele teria resistido e desobedecido a um policial. Lembre-se que recentemente o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), negaram-se a cumprir ordens judiciais e não sofreram quaisquer consequências, o que evidencia também a seletividade no emprego da norma penal.

É sempre importante lembrar que a democracia é fruto de diversas lutas, em cujas frentes de batalha sempre estiveram os movimentos sociais. Se hoje negros, mulheres, pobres e analfabetos têm direito ao voto, isso se deve ao inconformismo daqueles que se organizaram de diversas formas e ofereceram resistência ao status quo. Se racismo e homofobia são crimes no nosso país, é em consequência ao ativismo de movimentos que promoveram o debate sobre as violências praticadas contra essas populações e exigiram do poder público providências efetivas para combater e punir tais agressões.

No dia 25/09/16, o então ministro da Justiça Alexandre Moraes estava em Ribeirão Preto fazendo campanha para o tucano Duarte Nogueira, que não conseguia decolar nas pesquisas, sendo o líder em rejeição na cidade. Comportando-se como um führer, informou que o próximo a ser preso pela Lava Jato seria o ex-ministro Antonio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão. A prisão seria utilizada como trunfo na campanha de Duarte. E como Palocci é figura nacional, como mais uma pá de cal na tentativa obstinada dos setores conservadores de enterrar de vez o PT. Em qualquer democracia, isso geraria uma imensa crise. Nenhum ministro do Supremo ficaria calado, haveria protestos de procuradores, promotores, juízes e advogados e a mídia repercutiria tudo com imenso destaque. Ao mesmo tempo, no Congresso os discursos contra o vazamento da informação por Moraes abririam uma imensa crise política. Não haveria como manter o ministro no cargo e as investigações seriam abertas para entender o que ocorrera e verificar se a prisão do ex-ministro havia sido realizada com interesses outros, que não o de cumprir a lei. No entanto, para o golpe jurídico, midiático e parlamentar isso é nada. Não há mais limite algum quando um ministro da Justiça antecipa a prisão de um adversário político no comício de um aliado. E a ordem se cumpre no dia seguinte.

O silêncio do judiciário não tem nada de inocente. A maneira como a mídia tratou a prisão de Pallocci, idem. O massacre do PT e de aliados de Lula neste momento é fundamental por isso. Porque o discurso a ser utilizado é de que as ruas são a minoria petista, que deseja inviabilizar o país. Palocci foi preso porque é do PT e porque foi um importante ministro de Lula e Dilma. E Moraes ao antecipar em discurso isso para seus amigos, fez uma demonstração de força.

16.9 Fascistas seguem impunes

Não se tem notícias de prisão de fascistas como os que atacaram representantes da Frente Brasil Popular – FBP, Frente Povo Sem Medo e CUT em um dos estacionamentos da UnB, assim como em outra ocasião atacaram estudantes na UnB após convocação em grupos fascistas da internet. Há vídeos que circularam pela internet com os rostos dos atacantes e, até o momento, nada foi feito pela polícia ou pelo Ministério Público.

16.10 Alexandre de Moraes

O governo Temer conseguiu superar seu próprio nível de cinismo ao anunciar Alexandre de Moraes para uma cadeira do Supremo Tribunal Federal, apesar do pouco tempo de carreira no Judiciário e da filiação partidária ao PSDB.

Alexandre de Moraes é expoente de um pensamento reacionário e violento em sua atuação na segurança pública. Como Secretário de Segurança de Geraldo Alckmin, manteve a linha de truculência da Polícia Militar no estado, galgando o maior índice de letalidade policial da história recente: 798 mortos em 2015, um quarto de todas as mortes em São Paulo.

Moraes acirrou ainda mais o corporativismo homicida da PM em seu período como secretário. Seu estilo linha-dura foi usado de pretexto para que todas as arbitrariedades da Polícia Militar fossem varridas para debaixo do tapete, resultando numa queda no número de punições num período de muitas denúncias de abuso de autoridade.

A linha do “quem não reagiu, está vivo” foi posteriormente exportada para as manifestações que não agradavam o governador, como as do Movimento Passe Livre ou aquelas contra o impeachment de Dilma. Foi sob suas ordens que a PM passou a usar blindados contra as manifestações pacíficas, adicionando temor ao já gerado pelo uso ilegal de bombas de gás e balas de borracha.

O caráter expresso de polícia política que Moraes conferiu à PM ficou mais evidente com a proximidade do golpe, quando os policiais começaram a favorecer descaradamente os movimentos anti-Dilma. No limite, chegaram a atirar contra lideranças da Frente Brasil Popular na tentativa de intimidá-los, enquanto tiravam selfies com a população que pedia o impeachment.

O perfil de jagunço foi transplantado para o Ministério da Justiça, onde Moraes disse, logo em seus primeiros dias, que faria uma gestão com “menos pesquisa em segurança e mais equipamentos bélicos”. A afirmação que foi seguida por diversos gestos ridículos, desde uma coletiva de imprensa contra o “risco terrorista” até um ensaio fotográfico com o próprio ministro cortando pés de maconha (no Uruguai, onde o plantio é legalizado).

Já com alguns meses no cargo, Moraes tomou a decisão de paralisar o funcionamento de todas as áreas relacionadas a Direitos Humanos, por 90 dias, excetuando apenas as áreas policiais. A decisão causou novamente um alvoroço em Brasília, especialmente depois da fusão dos Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos com a pasta da Justiça. O episódio interrompeu todas as políticas de prevenção e combate à tortura, trabalho escravo e prevenção aos maus tratos, além de silenciar os conselhos de Direitos Humanos, Igualdade Racial e outras pautas importantes da área.

Já em 2017, Moraes voltou novamente ao noticiário pela forma patética com a qual lidou com a crise penitenciária. Enquanto os presídios explodiam pela falta de infraestrutura mínima e a violência entre as facções, o ministro apresentava seu Plano Nacional de Segurança Pública, cuja ideia central é reverter os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para a segurança em outras áreas, ao mesmo tempo em que dificulta mecanismos de progressão de pena e exacerba a guerra às drogas. Indignados com a postura, mais de uma dezena de especialistas do Conselho de Política Penitenciária pediram demissão.

Ao escolher Moraes, Michel Temer meramente dá continuidade ao governo de compadres que caracterizou sua atuação desde o primeiro dia. Além de amigo próximo, Moraes atua como interlocutor entre o PMDB e o PSDB, ajudando a fortalecer o vínculo que tem governado o Brasil por decreto desde a saída de Dilma. No STF, não há dúvidas de que agirá com a mesma paixão partidária que orientou suas ações desde que integrou o governo Alckmin.

Moraes no Supremo será uma tragédia. Em momento de ânimos exaltados como este, de retrocesso social a todo vapor, os consensos mínimos sobre Direitos Humanos e direitos civis podem ser colocados em cheque, e os membros do Supremo terão que ser mais fortes que a pressão dos políticos e das câmeras. É o golpe final em qualquer pretensão de equilíbrio institucional.

16.11 Violência no campo e contra indígenas

Delegados de mais de 80 organizações de 22 países latinoamericanos, reunidos na Assembleia Continental do Cloc-Via Campesina, na Colômbia, responsabilizam o governo de Michel Temer (PMDB) pelo aumento da violência no campo, contra povos indígenas, quilombolas e campesinos no Brasil. Em carta de solidariedade, os delegados da Assembleia destacam o ataque ao povo indígena Gamela em Viana, Maranhão, no último dia 30, por homens munidos de armas de fogo e facões. Pelo menos 13 indígenas foram gravemente feridos, cinco baleados e dois com as mãos decepadas. “O ataque foi feito por fazendeiros, com participação de políticos da região”, ressalta o documento. Na ocasião, a Frente Parlamentar da Agropecuária, como de se esperar, divulgou uma nota defendendo o ataque ao povo indígena Gamela.

Ainda segundo os delegados, “a maior responsabilidade por essa situação de violência é do Governo Federal, que além de não realizar a demarcação das terras indígenas e quilombolas, vem assumindo abertamente, e sem pudor, uma política de desenvolvimento que converte o meio ambiente em recursos disponíveis para o capital e seu total e irrestrito apoio às entidades ligadas ao agronegócio. Além disso, o Governo golpista tem sucateado e extinto Ministérios e Secretarias estratégicos, que tinham por objetivo dar suporte a políticas públicas, que respondiam parte das demandas desses povos”.

Eles advertem para a tendência de agravamento da situação, já que os “setores da elite burguesa se articulam e acionam seus representantes políticos no Executivo, Legislativo e Judiciário para assegurar, por um lado, a expansão de seus domínios territoriais e, por outro, para aprovar reformas que visam à retirada de direitos constitucionais, conquistados com muita luta e resistência”.

16.12 Trabalho escravo

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Alberto Bresciani, precisou derrubar a liminar do presidente da corte, o ministro golpista Ives Gandra Martins Filho, aliado do usurpador Michel Temer, que possibilitava ao seu governo a não divulgação dos nomes das empresas e empresários que integram a lista suja do trabalho escravo no Brasil.

A lista foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil, criada em 2003, como exemplo de transparência. No Brasil, desde 1995, mais de 52 mil pessoas foram “libertadas” após flagradas em condições análogas à escravidão em canteiros de obras, carvoarias, fazendas, oficinas têxteis e propriedades agrícolas.

Desde 1995, o sistema nacional de combate ao trabalho escravo resgatou mais de de 52 mil pessoas em operações de fiscalização em fazendas de gado, soja, algodão, frutas, cana, carvoarias, canteiros de obras, oficinas de costura, bordéis, entre outros. Nesse período, o problema deixou de ser visto como algo restrito a regiões de fronteira agropecuária, como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal e, paulatinamente, passou a ser também de grandes centros urbanos. A capital paulista tornou-se um dos municípios com maior número de resgates de trabalhadores nessas condições.

Veja aqui os 250 nomes da lista suja.31

16.13 Repressão na Casa do Povo

Tornaram-se frequentes os cercos de policiais e agentes da Força Nacional no prédio da Câmara dos Deputados, para impedir a entrada de manifestantes – trabalhadores, estudantes, indígenas – contra as medidas impopulares do governo usurpador Temer, como as reformas da Previdência e trabalhista. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem proibido a entrada de pessoas não credenciadas na Casa para evitar protestos contra as propostas do governo golpista Temer, sendo contraposto pelos deputados da oposição, que têm solicitado a reabertura das entradas da Casa. Também têm cobrado, sem sucesso, a retirada de policiais legislativos armados das dependências da Câmara. “Não me lembro, em 20 anos de casa, de polícia entrar armada aqui dentro. Isso pode degenerar para qualquer coisa”, disse o deputado Ivan Valente, sustentando que a situação é inconstitucional.

16.14 Intervenção Militar e ódio

Há um setor da população que apoia a escalada da repressão porque têm ganhos políticos diretos. Esses são os fascistas. Na concepção de mundo deles não há lugar para quem pensa diferente. Por isso agem com violência contra quem pensa diferentemente – sem imaginar que na próxima geração ele poderá ter netos ou netas pedindo democracia e condenando toda e qualquer ditadura.

Há ainda os que pedem intervenção militar, e, além destes, os que se sustentam em coletivos xenofóbicos, como o grupo anti-imigração que, no dia 03/05/17 tentou linchar funcionários do bar e restaurante palestino Al Janiah, no centro da capital paulista. O Al Janiah é frequentado por muitos refugiados e pessoas de alinhamento político de esquerda. Hasan Zarif, membro do movimento Palestina Para Tod@s, e outros ativistas (dois brasileiros e um sírio-palestino) foram presos após serem agredidos por um grupo de extrema-direita que se manifestava na Avenida Paulista contra a nova Lei de Migração, que define os direitos e os deveres do migrante e do visitante no Brasil, regula a entrada e a permanência de estrangeiros e estabelece normas de proteção ao brasileiro no exterior. Segundo testemunhas, os manifestantes também exaltavam o trabalho da Polícia Militar e gritavam que “comunistas têm que morrer”.

Para Albuquerque, advogado de Zarif, houve abuso na atuação policial na prisão e no registro de ocorrência. Como houve troca de agressões, a defesa dos ativistas solicitou que os manifestantes de extrema-direita também fossem tratados como agressores e tiveram seu pedido negado – eles constam como vítimas no boletim de ocorrência elaborado pela Polícia Civil do Estado de São Paulo na 78ª D.P., nos Jardins.

Dezenas de ativistas de direitos humanos acompanharam o caso desde a delegacia até o Fórum da Barra Funda. O vereador Toninho Vespoli (PSOL-SP) foi uma das pessoas que compareceu em solidariedade aos presos e disse ver o perigo do crescimento do conservadorismo e do fascismo, não só no Brasil, mas também no mundo. “A xenofobia é uma das demonstrações dos radicalismos que a crise do capitalismo está gerando”, afirmou. “Os países centrais do capitalismo tentam passar uma visão de que as pessoas do Oriente Médio são um mal para a sociedade [ocidental]. Uma tipografia do muçulmano que já é construída como a de um terrorista, e isso está diretamente ligado ao interesse dos Estados Unidos pelo petróleo no Oriente Médio e está sendo reproduzido sem crítica no Brasil”, disse o vereador.

É sintomático que a PM tenha agredido e prendido, justamente, os ativistas agredidos e não os fascistas agressores. O restaurante Al Janiah já havia sido destruído pela PM, em 31/08/16, durante grande manifestação contra o impeachment de Dilma Rousseff em São Paulo. O restaurante árabe foi alvo de várias bombas por dois dias. Em nota, restaurante Al Janiah afirmou que “não acontecia nenhum tipo de protesto ou movimentação na rua e apenas nosso estabelecimento que sofreu o ataque”.

16.15 Semelhanças com 1968

A Globo cumpre papel central na radicalização do golpe. Apoia Temer para aprovar as “reformas” – até debaixo de porrada, se necessário. E dá cobertura enfática a Moro (e a qualquer guarda da esquina do Judiciário) que decidir investir contra Lula.

Os paralelos com os anos 60 são impressionantes:

  • uma corporação do Estado (militares em 64; juízes/promotores no golpe atual) foi usada para criminalizar e derrubar o governo trabalhista;
  • a direita política (UDN em 64; PSDB/DEM no golpe atual) insuflou essa corporação e pôs a classe média na rua;
  • o centro fisiológico (PSD em 64; PMDB e outros menores no golpe atual) abandonou a aliança com o trabalhismo e bandeou-se para o golpismo e
  • passado o golpe, a direita política tradicional (UDN = PSDB) minguou, o centro oportunista afundou (velho PSD = PMDB) e acabaram devorados pela direita estamental.

A diferença é que em 1964 derrubou-se Jango quando Vargas já estava morto. Dessa vez, Vargas está vivo e vai depor perante a República de Curitiba.

#AbaixoOGolpe

#DitaduraNuncaMais

#AbaixoARepressao

#MilitarizacaoNuncaMais

16.15.1 Referências


  1. Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), v.32, 2012. Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI). Nota: No cálculo do déficit habitacional o componente coabitação familiar inclui apenas as famílias conviventes que declararam intenção de constituir novo domicílio.
  2. Fonte: CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
  3. Disponível em Informe de Previdência Social, vol. 28, nº 12.
  4. A PEC exclui algumas despesas do teto: (i) transferências constitucionais de Royalties e Participações no resultado da exploração de petróleo e gás, minerais e recursos hidrelétricos; (ii) transferências constitucionais dos Fundos de Participação de Estados e dos Municípios; (iii) transferência do Fundo Constitucional do DF; (iv) transferência das cotas estaduais, municipais e do DF do salário-educação; (v) complementação da União ao FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação); (vi) créditos Extraordinários; (vii) despesas da Justiça Eleitoral com a realização de eleições; (viii) despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
  5. A Receita Corrente Líquida é mais abrangente que a Receita Líquida de Impostos, pois a primeira também inclui as receitas advindas de contribuições sociais – uma vez que a Saúde faz parte da Seguridade Social.
  6. O mesmo não é verdade para estados e principalmente municípios, que aplicam em regra bem mais do que os mínimos constitucionais em saúde.
  7. A PEC estipula que durante os três primeiros anos de vigência do NRF (2017-19), o executivo poderá ceder 0,25% do seu teto para outros poderes, em virtude dos aumentos já concedidos a parte do funcionalismo público federal do Legislativo e do Judiciário. Embora o valor seja relativamente pequeno, cabe notar o caráter extremamente regressivo dessa medida, pois preserva o aumento real dos vencimentos da fração mais bem remunerada do serviço público em detrimento dos gastos com o conjunto da sociedade.
  8. Inscritos até 31/12/2015.
  9. Leia o post completo aqui.
  10. Os títulos públicos detidos pelo BNDES não tem influência na liquidez da economia porque não eram comercializados no mercado. Em relação ao fluxo de caixa futuro, deve-se ressaltar que 100% do lucro do BNDES pertence à União.
  11. A principal referência das chamadas de juros de mercado é a taxa Selic, que é definida pelo Banco Central. Nos países desenvolvidos, os Bancos Centrais têm atuado de maneira massiva para interferir nas taxas de juros de longo prazo por meio da compra de centenas de bilhões de dólares em títulos de longo prazo, operação denominada quantitative easing. O Banco Central do Japão, inclusive, estabeleceu uma meta explícita para as taxas de juros de 10 anos. No Brasil, o Tesouro Nacional também tem relevância, embora bem menor, na formação da taxa de juros de longo prazo, ao determinar a quantidade de títulos de longo prazo que vende conforme a sua programação e a aceitação desses títulos. De qualquer forma, mesmo, quando o governo evita atuar diretamente no mercado de títulos de prazo mais longo, o Banco Central o influencia, visto que a taxa de longo é a expectativa sobre as decisões futuras do Banco Central em relação à taxa de curto prazo – no caso do Brasil, a Selic. Por todo esse motivo, é questionável tratar essas taxas de juros como de mercado.
  12. Desde 1994, em apenas 3 anos, houve aumento da inflação em mais de 2 pontos percentuais: em 1999, aumento de mais de 7 pontos percentuais; em 2002, quase 5 pontos percentuais; em 2015, um pouco mais de 4 pontos percentuais. De acordo com a série mais longa de desemprego do Brasil, a taxa do Dieese da Região Metropolitana de São Paulo, os anos de maior desemprego desde 1984, são em 1999, em 2002 e em 2003. Enquanto, na recente crise econômica, foi o período onde o desemprego aumentou mais rapidamente.
  13. Kalecki (1943), em Aspectos políticos do pleno emprego, aponta que, sob um sistema de livre mercado, o nível de emprego depende do chamado “estado de confiança”. Quando ele se deteriora, reduz-se o investimento privado, o que resulta numa queda da produção e do emprego. Isto dá aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental. Quando o próprio governo estimula a demanda agregada e determina o nível de emprego, este dispositivo de controle poderoso perde a sua eficácia. Nesse sentido, Kalecki argumenta que “a função social da doutrina das ‘finanças saudáveis’ é fazer com que o nível de emprego dependa do estado de confiança”. Além disso, Kalecki também argumenta que a manutenção do pleno emprego causa mudanças sociais e políticas que vão de encontro aos interesses capitalistas. Ainda que possa garantir lucros mais elevados, a “autoconfiança” e “consciência de classe” da classe trabalhadora podem criar “tensões políticas” não desejáveis ao ambiente de negócios.
  14. Numeração dada na Câmara dos Deputados.
  15. No momento em que este texto era concluído, o projeto aguardava apreciação do Senado Federal.
  16. Ver: Governo vai permitir contratação por hora e estender prazo do temporário.. Acessado em 21/12/2016. Sobre os direitos trabalhistas nesta nova modalidade, eles são proporcionais à jornada efetivamente trabalhada.
  17. Ver: FILGUEIRAS, V. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência? Acesso em: 23 set. 2015.
  18. Tempo gasto no percurso de ida ao e volta do local de trabalho em condução fornecida pelo empregador, quando se tratar “de local de difícil acesso ou não servido por transporte público” (Artigo 58, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, redação dada pela Lei 10.243/2001).
  19. No início do ano de 2015, o STF julgou o RE 590.415, que ficou nacionalmente conhecido como o “Caso BESC”. O Banco do Estado de Santa Catarina, antes de ser privatizado, firmou um acordo coletivo com o sindicato dos empregados em que constava uma cláusula de quitação geral. Isto é, o empregado que aderisse ao plano recebia indenização e estaria impedido de obter qualquer diferença em processo judicial trabalhista. A questão chegou ao Tribunal Superior do Trabalho e, por apertada maioria, os Ministros entenderam que a cláusula de quitação era nula, eis que genérica, e que os empregados poderiam, sim, discutir judicialmente os valores das parcelas pagas para apuração de eventuais diferenças.
  20. Ver: STF inova e decide que vale o negociado sobre o legislado no âmbito trabalhista., de 13 de setembro de 2016.
  21. Ver: STF mantém jornada de 12 horas para bombeiros, de 14 de setembro de 2016.
  22. Após denúncia de irregularidades, a fiscalização do Ministério do Trabalho em unidades da empresa Celulose Nipo Brasileira S/A (Cenibra), no interior do estado de Minas Gerais, constatou a existência de contratos de prestação de serviços para atendimento das necessidades de manejo florestal, vinculadas à atividade-fim. Ao todo foram identificadas 11 empresas terceirizadas para o plantio, corte e transporte de madeira, mobilizando mais de 3.700 trabalhadores. A denúncia envolvia relato de precarização das condições de trabalho no manejo florestal do eucalipto para a produção de celulose. A empresa, posteriormente, em âmbito judicial, em sede de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Guanhães e Região, foi condenada a se abster de contratar terceiros para sua atividade-fim e, ainda, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. A decisão da primeira instância da Justiça do Trabalho foi mantida nas posteriores, inclusive no Tribunal Superior do Trabalho (TST). A empresa, no entanto, questionou a condenação no Supremo Tribunal Federal (STF). Esse é o tema discutido no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 713.211, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do STF. Ver: A relevância da magistratura do Trabalho no debate judicial sobre terceirização
  23. Esta proposição foi apresentada originalmente como o Projeto de Lei 4330/2014, de autoria do ex-deputado federal (e empresário) Sandro Mabel (PR-GO). Ele foi aprovado na Câmara por 324 votos favoráveis contra 137 e duas abstenções.
  24. Ver http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/21/politica/1490127891_298981.html, de 23 de março de 2017.
  25. Ver: Com golpe definido, terceirização sem limite vira prioridade, de 06 de setembro de 2016.
  26. BPS 24, capítulo Desenvolvimento Rural.
  27. Esse projeto de lei constitui uma reação da bancada ruralista à aprovação da PEC 438/2001, a chamada PEC do trabalho escravo, que determina a expropriação de imóveis rurais onde for flagrada a exploração de trabalho análogo à escravidão.
  28. Ver: Desgoverno Temer discute revogação de portaria sobre trabalho escravo., de 08 de setembro de 2016.
  29. Em 1º de maio deste ano, a ONU lançou no Brasil um artigo técnico de posicionamento sobre o tema trabalho escravo. Entre suas recomendações está a manutenção do conceito atual de previsto no Código Penal. Ver: Sem regulamentação, Pec do trabalho escravo está parada há 2 anos no senado, de 13 de maio de 2016.
  30. No momento de fechamento deste texto, o Parecer do Relator da PEC 287 (Dep. Arthur Maia, PPS-BA) já havia modificado a idade mínima do BPC para 68 anos, e inserido no texto o piso de 1 salário mínimo para o benefício.
  31. Endereço alternativo para a Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo: http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/lista-de-transparencia\_-dez2014-2016.pdf

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Frente Ampla de Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público pela Democracia Um ano de desgoverno golpista: muitos anos de retroceso. Brasília: Frente Ampla de Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público pela Democracia, 2017. 252p.