90 dias de desgoverno golpista

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Sumário

A. Apresentação

Somam-se 90 dias desde o fatídico dia 11 de maio de 2016. Nesta data, o Senado Federal votou pela admissibilidade do processo de impeachment da Presidenta eleita, Dilma Rousseff, o que provocou o seu afastamento enquanto é julgada pelo Congresso por crime de responsabilidade fiscal. Michel Temer, então vice-presidente, ao assumir o cargo interinamente, anunciou novo programa de governo, o “Ponte Para o Futuro”, que passa a ser executado sem a aprovação popular. Desde então, o governo interino vem implementando medidas que caracterizam o desmonte das políticas e programas sociais bem como retrocessos nos direitos conquistados pela população brasileira.

Nos seus primeiros dois meses de desgoverno, mesmo interino, Michel Temer editou 16 Medidas Provisórias (MP), o que já lhe outorga o título de presidente que mais editou MPs desde Fernando Collor de Mello, com o seu dramático plano de enfrentamento a inflação que levou ao confisco da poupança[1]. As medidas provisórias, que têm força de lei e efeito imediato, devem ser usadas em casos de relevância e urgência. No entanto, o interino Temer vem usando deste dispositivo para implementar reformas estruturantes em consonância com o novo programa de governo imposto. Dentre elas estão, por exemplo, aquela que reduziu o número de ministérios com grande impacto para as pastas sociais (MP 726), aquela que cria o Programa de Parcerias de Investimento com o objetivo de aprofundar as concessões (MP 727) e aquela que reforçou o roteiro privatizador para o setor elétrico (MP 735).

No âmbito do Legislativo, o governo interino encaminhou Projeto de Emenda Constitucional (PEC), a PEC 241/2016, que prevê o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Com objetivo explícito de assegurar a manutenção do sistema financeiro, as medidas contidas nesta PEC, se aprovadas, recairão sobre a/os trabalhadora/es, a/os servidora/es e os serviços públicos. Serão impactos drásticos em áreas essenciais à população brasileira, como a Educação e a Saúde, visto que a PEC altera os critérios para cálculo das despesas mínimas nessas áreas que serão corrigidos pela variação da inflação do ano anterior, sem aumento real.

Os números também impressionam quando contabilizadas as exonerações. Em uma única semana, foram exonerados 81 DASs do Ministério da Cultura, 62 do Ministério do Desenvolvimento Agrário e 73 do Ministério da Sáude. Tais exonerações abarcaram cargos técnicos ocupados por servidores/as com larga experiência e comprometimento, muitos dos quais ainda não substituídos, implicando na descontinuidade das políticas públicas. Ao mesmo tempo o gabinete golpista trabalha para esvaziar e desarticular os espaços de participação social, tais como conselhos e fóruns, como o Conselho Nacional de Educação.

Defensores do afastamento da presidenta afirmam não haver golpe porque o processo transcorre de acordo com o rito estabelecido na legislação e referendado pelo Superior Tribunal Federal (STF). Entretanto, o golpe não está na forma, mas sim no conteúdo, na motivação e no casuísmo deste processo, que foi forjado com a finalidade específica de derrubar o mandato de uma presidenta democraticamente eleita e levar adiante uma agenda política oposta à plataforma vencedora nas eleições.

A retenção de recursos ou o atraso no repasse de recursos destinados à instituição financeira estatal, fato ocorrido em outros governos federais ou mesmo em governos estaduais, não é o mesmo que operação de crédito. Sobre isso, já há parecer do Ministério Público Federal (MPF/DF) com o entendimento de que não houve operação de crédito no atraso de repasses de recursos da União ao Banco do Brasil para o financiamento do Plano Safra 2015. Também a abertura de crédito orçamentário suplementar por decreto e em obediência às previsões legais e constitucionais não constitui crime de responsabilidade. Além disso, é prática comum na Administração Pública não tendo sido jamais julgada como crime. Esse golpe parlamentar se caracteriza, assim, como atentado à Constituição e ao Estado Democrático de Direito.

Diante desse contexto, trabalhadoras/es do Serviço Público Federal se reuniram para denunciar o golpe em curso e seus efeitos nas políticas públicas brasileiras, formando a Frente Ampla de Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público pela Democracia[2]. Esta Frente é composta por trabalhadoras e trabalhadores de diversos órgãos públicos, com diferentes ideologias e preferências políticas, tendo em comum o pensamento de que as escolhas dos rumos das políticas públicas no Brasil devem ser tomadas com base na democracia[3].

Tendo em vista a usurpação, pelo governo golpista, da plataforma política eleita democraticamente e a sua substituição mediante a implementação de agenda restritiva no âmbito da previdência, da infraestrutura, da educação, da saúde, da cultura, das políticas sociais e trabalhistas, da política tributária, da política fiscal e do orçamento, este documento apresenta uma sistematização de diversas análises produzidas com o objetivo de evidenciar os ataques aos direitos sociais e os retrocessos ocorridos nestes 90 dias de governo interino, bem como suas consequências para o desmonte das diversas políticas públicas.

Referências

  1. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1793790-interino-temer-e-presidente-com-mais-mps-no-inicio-da-gestao-desde-collor.shtml
  2.  https://www.facebook.com/servicopublicopelademocracia
  3.  https://www.facebook.com/servicopublicopelademocracia/photos/a.1717943358464824.1073741828.1717926948466465/1721097038149456/?type=3&theater

B. Congresso em foco: linha do tempo do golpe parlamentar

17 de setembro de 2015 – Os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. entregam um primeiro pedido de impeachment.

7 de outubro de 2015 – o TCU rejeita as contas de Dilma, pautando as “pedaladas fiscais” como atos irregulares.

21 de outubro de 2015 – Os juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal entregam um novo pedido de impeachment que considera as “pedaladas fiscais” como motivos para a saída da Presidenta Dilma. O pedido anterior foi criticado por apontar fatos de período anterior ao mandato atual da Presidenta, não podendo ela sofrer sanções no mandato atual pelo mandato anterior. Nesse outro pedido os juristas incluem decretos presidencias de 2015, que demonstrariam que neste ano também houve “pedaladas fiscais”.

2 de dezembro de 2015, 14h30 – No Conselho de Ética da Câmara, Sibá Machado anuncia que a bancada do PT irá vota a favor da admissibilidade do processo que pede a cassação do mandato de Eduardo Cunha.

2 de dezembro de 2015, 6h40 – O então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), acolhe o pedido de impeachment da presidente Dilma protocolado na Câmara dos Deputados, em outubro, pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal.

3 de dezembro de 2015, 17h – Em plenário, o então presidente da Câmara Eduardo Cunha lê sua decisão de acatar o pedido de impeachment da presidenta Dilma.

8 de dezembro de 2015, 6h – são definidos os primeiros membros para compor a Comissão Especial que analisa o pedido de impeachment. Apesar de cada partido e bloco parlamentar ter indicado nomes proporcionalmente à bancada para comporem a Comissão, Cunha decidiu por chapas alternativas e uma escolha da comissão por meio do voto secreto. A chapa eleita era composta apenas por deputados da oposição.

17 de dezembro de 2015, 20h -– A partir de uma ação do PCdoB, STF anula a chapa eleita para formar a Comissão Especial, proibe chapas avulsas na eleição da comissão, ordena que a votação seja aberta, além de definir os ritos do impeachment, dando mais poder ao Senado.

17 de março de 2016, 14h -– A Câmara elege uma nova Comissão Especial para analisar o processo de impeachment, por meio de votação aberta, formada por indicados dos líderes das bancadas. Nesse mesmo dia a presidente Dilma é notificada sobre o processo, iniciando o prazo de 10 sessões do plenário da Câmara para a apresentação da sua defesa.

30 de março de 2016, 17h – A Comissão Especial, que analisa o processo de impeachment, ouve os autores do pedido analisado.

31 de março de 2016, 11h – O Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e o professor de direito tributário da UERJ, Ricardo Lodi Ribeiro, são ouvidos pela comissão, reforçando, em seus depoimentos, que as ações do governo não constituíram crime de responsabilidade.

4 de abril de 2016 – A defesa da Presidenta Dilma é entregue pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo que, além de sustentar o argumento de que a Presidenta não cometeu crime de responsabilidade, aponta erros conceituais básicos no pedido dos juristas.

6 de abril de 2016, 16h – Jovair Arantes (PTB-GO), relator da comissão, lê seu parecer favorável à abertura do processo de impeachment.

11 de abril de 2016, 14h – A Comissão Especial analisa e aprova o processo de impeachment por 38 votos favoráveis a 27 contra.

17 de abril de 2016, 14h – A continuidade do processo de impeachment é aprovada no plenário da Câmara dos Deputados por 367 votos favoráveis, 137 contrários, 7 abstenções e 2 faltas.

26 de abril de 2016, 14h – O Senado elege 21 parlamentares e 21 suplentes que analisarão o pedido de afastamento da Presidenta Dilma. Desses eleitos, mais de um terço respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal.

28 de abril de 2016, 14h – Os juristas Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr. são ouvidos pela Comissão Especial do Senado, sobre o pedido de impeachment que protocolaram.

29 de abril de 2016, 14h – O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, é ouvido pela Comissão Especial do Senado, dizendo que não houve nenhum “atentado à Constituição” para justificar o afastamento da Presidenta.

4 de maio de 2016, 14h – Antônio Anastasia dá parecer favorável ao afastamento da Presidenta Dilma Rousseff.

5 de maio de 2016, 14h– Os ministros do STF aprovam o afastamento de Eduardo Cunha do exercício de seu mandato como deputado federal, por unanimidade.

6 de maio de 2016, 14h – O parecer de Anastasia é aprovado pela Comissão Especial do Senado por 15 votos a 5, havendo uma abstenção, do senador Raimundo Lira (PMDB-PB), presidente do colegiado.

11 de maio de 2016, 9h – Senadores votam a favor da admissibilidade do impeachment, o que incorre no afastamento da Presidente Dilma Rousseff por 180 dias, enquanto é julgada por crime de responsabilidade. Foram 55 votos a favor e 22 contra a admissibilidade do processo de impeachment. Michel Temer (PMDB) assume o cargo interinamente.

1 de junho de 2016 – Cardozo entrega as 570 páginas da defesa da Presidente Dilma no Senado. A defesa era constituída de gravações com conversas entre Sérgio Machado e Romero Jucá que falavam da motivação do processo de impeachment ser o fim da operação Lava Jato, além de diversos argumentos que demonstravam que as pedaladas não eram crimes de responsabilidade e que o processo de impeachment possuía “flagrantes de nulidades e óbvio cerceamento de direito de defesa.”

8 de junho de 2016 – Testemunhas da acusação foram ouvidas na Comissão Especial do Senado.

13 de junho de 2016 – As oitivas continuaram, sendo quatro testemunhas a menos quando a própria acusação decide abrir mão dessas testemunhas alegando quererem evitar o prolongamento excessivo dos trabalhos da Comissão.

27 de junho de 2016 – Técnicos do Senado elaboraram uma perícia que aponta a existência de provas de que a Presidente Dilma havio editados créditos suplementares sem a autorização do Congresso. No entanto não foram identificadas as chamadas “pedaladas fiscais”.

6 de julho de 2016 – Leitura da carta de Dilma ao Senado, por Cardozo.

12 de julho de 2016 – A acusação faz as suas alegações finais.

28 de julho de 2016 – Cardozo entrega as alegações finais de Dilma, documento com 524 páginas, que repete os argumentos de que não houve crime de responsabilidade fiscal, afirma que a abertura do processo de impeachment teria sido uma represália do então presidente do Congresso, Eduardo Cunha, devido ao fato do PT ter decidido não apoiá-lo no processo de cassação de seu mandato no Conselho de Ética, além de alegar que a edição de decretos complementares é prática recorrente entre os Presidentes da República e não possui irregularidades.

2 de agosto de 2016 – Anastasia apresenta um parecer favorável ao impeachment da Presidente Dilma.

3 de agosto de 2016 – A comissão volta a se reunir, desta vez para discutir o relatório. Será uma sessão tumultuada, com os senadores contra e a favor do impeachment esgrimindo argumentos em torno do parecer do relator.

4 de agosto de 2016 – Em votação por maioria simples (neste caso, 11), dos 21 titulares da comissão, decide pelo arquivamento da denúncia ou pela pronúncia da presidente afastada. Seja qual for o resultado, o parecer deverá ser remetido para apreciação pelo plenário do Senado.

5 de agosto de 2016 – Antonio Anastasia lê o relatório no plenário do Senado.

9 de agosto de 2016 – Sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, o Senado começa a discussão e votação do relatório, novamente por maioria simples (A maioria, presente a maioria absoluta dos senadores. Neste caso, 41). Se o texto for rejeitado, a presidente Dilma retorna ao cargo. Caso seja aprovado, será aberto prazo para alegações finais da defesa e acusação e marcada uma data para o julgamento definitivo da petista, o que deve ocorrer no final de agosto.

Referências

C. Cenário dos ministros

O desgoverno Temer começou com 5 Ministros sendo investigados pela Lava-Jato, além de outros inquéritos entre os ministros. Com 35 dias de desgoverno três ministros saíram, Romero Jucá, ex-ministro do Planejamento, e Fabiano Silveira, ex-ministro da Transparência, ambos por vazamento de gravações que mostram suas tentativas de barrar a investigação da Lava Jato, e o ex-ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, que pediu demissão após a divulgação da delação premiada de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.Mas há ministros que permanecem e que são alvo de outras investigações. Um deles é o ministro dos Transportes, Maurício Quintella (PR), suspeito de desvio de R$ 133,6 milhões de dinheiro público que seriam destinados ao pagamento da merenda escolar em Alagoas.

Outro investigado é o Ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), alvo de inquérito do STF que busca investigar uma licitação de publicidade da prefeitura de Maringá onde houve suposto direcionamento de licitação, além de supostas irregularidades na licitação para compra de equipamentos e na concessão de incentivos fiscais considerados ilegais. Nessa época Ricardo de Barros era prefeito de Maringá.

Gilberto Kassab, então Ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações, enfrenta dois processos e dois inquéritos, sendo os dois primeiros por improbidade administrativa quando era prefeito de São Paulo.

O TRE contesta as contas eleitorais de Leonardo Picciani, Ministro dos Esportes, e Ronaldo Nogueira, Ministro do Trabalho, sendo o primeiro alvo de representação do Ministério Público Eleitoral por suposta captação e gastos ilícitos, enquanto o primeiro teve suas contas rejeitadas pelo TRE-RS por modificar valores e origem dos recursos, ausência de apresentação de recibos eleitorais e recebimento de doações de fonte vedada, ambos na campanha de 2014.

Os últimos acontecimentos voltam a aumentar a temperatura na Esplanada dos Ministérios, com a delação premiada de Marcelo Odebrecht e de funcionários da empreiteira. Estes últimos haviam dito que José Serra recebeu R$23 milhões para a sua campanha presidencial não vitoriosa de 2010, apesar do TSE ter apenas R$ 2,4 milhões registrado nas contas do comitê de campanha de José Serra. Além disso, José Serra é alvo de processo de reparação de danos por improbidade administrativa quando era ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, na ajuda financeira do Banco Central.

Já Temer foi citado em uma entrevista da Veja, que teria tido acesso a delações premiadas que demonstram que o presidente interino solicitou ajuda financeira a Marcelo Odebrecht em um jantar realizado no Palácio do Jaburu, em 2014, com a presença de Eliseu Padilha e Paulo Skaf, doação que ambos receberam em dinheiro vivo, apesar do TSE ter direcionado para que as doações de campanha fossem para as contas do partido.

Referências

D. Análises por áreas

Comunicação

A fusão dos ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia e Inovação sob justificativa de contenção de gastos e otimização de recursos representa, na prática, descontinuidade política e incapacidade técnica de proposição e de fiscalização. O enxugamento e a extinção de secretarias e de órgãos pelo governo interino podem significar a limitação das pastas às funções cartoriais, meramente de registros, em dois setores estratégicos tanto para o desenvolvimento econômico quanto cultural e emancipatório do Brasil e, claro, retrocessos para as políticas de comunicação de tecnologia e de inovação.

Para os setores tradicionalmente beneficiados pela ausência e pela desatualização das regulamentações e políticas para o setor – notadamente o setor empresarial monopolista e oligopolista – este é o cenário ideal. Já os defensores da comunicação como um direito e da tecnologia a serviço do desenvolvimento social do país estão unidos contra a medida. Se no governo Dilma Rousseff os debates sobre políticas de comunicação já vinham sendo feitos com muita dificuldade, imagine no novo cenário de um ministério de carimbos e moscas.

O modelo proposto pelo governo interino de Michel Temer tende a transformar a aridez de políticas públicas de fomento à diversidade e à pluralidade da comunicação em um completo deserto. É um modelo que relega o país ao atraso da não consolidação democrática, mas também joga uma âncora nas possibilidades de avanços econômicos e sociais.

Vale alertar que este deserto de políticas públicas para a garantia da comunicação como um direito não irá apenas estacionar o Brasil na era do coronelismo midiático, onde predomina o apadrinhamento político e o favorecimento interessado das grandes corporações.

Quanto à internet, diante de um cenário político de ameaças constantes e crescentes às liberdades e direitos dos cidadãos e cidadãs na Internet, entidades da sociedade civil decidiram juntar forças e lançar a “Coalizão Direitos na Rede”, com o objetivo de defender princípios fundamentais para a garantia de acesso universal à Internet, respeito à neutralidade da rede, liberdade de informação e de expressão, segurança e respeito à privacidade e aos dados pessoais, assim como assegurar mecanismos democráticos e multiparticipativos de governança.

Entre as ameaças sinalizadas, a Coalizão destaca uma série de ataques a direitos expressos na Constituição Federal e na Lei Geral de Telecomunicações, no que diz respeito à universalização da infraestrutura de telecomunicações que serve de suporte ao acesso à Internet, bem como aos direitos conquistados com o Marco Civil da Internet e seu regulamento, o Decreto 8.771, de abril de 2016.

Além disso, o governo interino aponta para a absoluta falta de prioridade na universalização da internet banda larga, colocada pelo ministro como função das empresas privadas, não do poder público. Recentemente fomos surpreendidos com a notícia de que a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa já prepara a lista das 20 primeiras universidades que ficarão sem conexão a internet, caso o Ministério da Educação ou o da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações não liberem recursos orçamentários previstos para este ano.

Cortar um insumo básico como a internet das universidades é cortar um item importante que auxilia professores/as e alunos/as na pesquisa, o que significa perdas grandes para o cumprimento das diretrizes do ensino, pesquisa e extensão dentro das universidades. Distancia mais ainda a população tradicionalmente vulnerável e marginalizada da inclusão digital que gera cidadania e a emancipação. Aliás, essa é a tônica das decisões e políticas do governo interino.

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Cultura

Desde a deflagração do golpe, a virulência do ataque do governo ilegítimo contra a Cultura só é comparável a incrível resistência engendrada por artistas e ativistas do setor, que já imprimiu as primeiras derrotas ao interino, que se viu na posição de voltar atrás na decisão de extinguir o Ministério da Cultura já poucos dias após a edição da MP 726. No entanto, a violenta reintegração do Palácio Capanema no dia 25 de Julho, casa do OcupaMinc na capital fluminense: um dos principais focos de resistência democrática ao gabinete conservador, misógino, racista, elitista, entreguista e opressor que se apossou do poder em nosso país, mostra a verdadeira face das intenções do governo golpista para com a Cultura e seus criadores. Não bastasse a desocupação (realizada sem nenhum diálogo), a praça do Palácio Capanema foi cercada por um muro de aço e arame farpado em seguida. O pretexto era, ironicamente, a continuidade das obras de restauro do edifício. É na verdade um ato de desespero opressivo do gabinete golpista. É sinal inequívoco das reais intenções dessa caterva, cega pelo seu desejo de coagir, explorar, excluir.

Além disso, a manutenção do Ministério revela uma estratégia igualmente nefasta: a de realizar o enxugamento “por dentro”, paralisando políticas e iniciativas centrais ao funcionamento da pasta e desestruturando departamentos e secretarias inteiras, significando o fim de facto da atuação do Ministério. O mais recente ataque ao MinC, representado pelas exonerações em massa que foram realizadas nas últimas semanas, são exemplo disso. Com a redução da força de trabalho, prevista em 20%, essas exonerações impactam diretamente na execução e acompanhamento de muitas ações, inviabilizando as políticas culturais.

Há anos, os servidores e trabalhadores da Cultura denunciam que o número de servidores é insuficiente para a gestão dos diversos programas que são fundamentais para a sociedade, ressaltando a necessidade de realização de concursos públicos e estruturação de um plano de carreira. Essa redução, executada sem o planejamento necessário para garantir uma transição que possibilite a continuidade dos programas, aprofunda a crise de pessoal em que estamos inseridos, que consequentemente gera impactos no atendimento à sociedade. Atualmente somente oito dos cargos de diretores ou secretários de um total de 21 tem nomeação, e das 911 vagas existentes no Ministério da Cultura para servidores efetivos, somente 550 estavam ocupadas em 2014. Esse número vem diminuindo ao longo do tempo, devido à evasão causada pelos baixos salários e pela falta de um plano de carreira.

Embora a atual gestão se empenhe em expôr à sociedade um possível caráter moralizador de tal ação, até o momento não apresentou as ações e os programas que serão considerados prioritários nem informou quais programas e ações serão continuados ou não. Muitos desses programas e ações foram fruto de processo de discussão com a sociedade e constam no Plano Nacional da Cultura, que define metas a serem cumpridas até 2020. A nova estrutura de cargos, portanto, deveria se fundamentar na definição das políticas e ações, a ser amplamente discutida com os servidores e sociedade.

Além disso, embora a justificativa de tal medida seja o desaparelhamento do MinC, cabe esclarecer que isto não se aplica em boa parte dos casos, já que muitos dos exonerados estavam há anos no ministério e não tinham vinculação político-partidária. É o caso da gestora da Cinemateca Brasileira, Olga Futemma, servidora aposentada da instituição com larga experiência em audiovisual e em gestão pública, cuja saída chegou a ser questionada inclusive por representantes do setor. Assim, ficou tão evidenciada a imprudência da decisão, que dias depois o ministro anunciou o retorno da equipe gestora da Cinemateca.

Os argumentos de desaparelhamento e de economicidade se mostram ainda mais duvidosos se observarmos que foi criada pela atual gestão, uma nova estrutura: a Secretaria Especial de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sephan), cuja função ainda não foi devidamente esclarecida e que vem sendo duramente criticada, pela possibilidade de uma possível orientação política se sobrepor à atuação técnica do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

É lamentável, portanto, o uso dos servidores para justificar a exoneração de mais de 70 cargos comissionados, por entender que os procedimentos adotados não atendem ao critério democrático e de distribuição por competências que os próprios servidores do sistema MinC pleiteiam. É essencial que o processo de escolha dos cargos comissionados seja mais democrático e que exija dos profissionais o conhecimento e a experiência necessários na gestão pública de políticas culturais.

O caso mais atual de retrocesso na cultura evidencia que a verdadeira valorização dos servidores e das políticas culturais deve ser feita através de um orçamento compatível com as atividades da pasta (mínimo 1% do orçamento federal), do processo participativo de elaboração e acompanhamento da execução das políticas culturais, da realização de concursos públicos, da criação de um plano de carreira e de condições de trabalho adequados e salubres. Não há políticas culturais estruturadas e com impacto na sociedade sem a existência de um Ministério da Cultura fortalecido e valorizado; não há avanços no Estado Democrático de Direito sem a criação participativa de políticas culturais; não há uma sociedade igualitária, justa e emancipada sem cultura viva!

Referências

Desenvolvimento agrário

O desenvolvimento agrário e as políticas para agricultura familiar foram possivelmente as áreas mais atingidas pelas ações do governo ilegítimo. Após a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, no dia 12 de maio, seguiu-se uma série de retrocessos e arbitrariedades que revelam o descaso do governo interino com a agricultura familiar, e que podem afetar toda a população rural brasileira, que pode chegar a 70 milhões de pessoas.

A decisão inicial de fundir o antigo ministério à pasta ao Ministério do Desenvolvimento Social denunciou uma visão simplista e assistencialista do governo ilegítimo sobre a agricultura familiar como mero beneficiário de proteção social. Essa visão é superada em quase todo o mundo, pois ignora o potencial socioeconômico, cultural e ambiental do setor, além de negar o conjunto de direitos de cidadania desse segmento. Ao mesmo tempo, as incertezas com relação às atribuições do Incra, que chegou a perder, por meio da MP no 726 todas as atribuições de ordenamento da estrutura fundiária, da regularização de territórios quilombolas e da assistência técnica, trazem sérias dúvidas sobre o futuro de importantes ações para o aprofundamento da reforma agrária, como o Cadastro de Imóveis Rurais e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), afetando milhões de famílias.

Apenas 15 dias passaram entre a MP 726 e o Decreto 8.780, que criou a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário ligada a Casa Civil. Desta forma, a Casa Civil, por meio da Secretaria, recebeu todas as competências e estruturas do extinto MDA e provisoriamente alocadas no então MDSA. A falta de clareza jurídica que essa movimentação representou exigiu a edição de um novo Decreto (8.786) publicado somente 18 dias após o Decreto 8.780.

O que essa alteração significou de fato foi a mudança do grupo político que passaria a dominar o tema do desenvolvimento agrário, do então PMDB para o Solidariedade. Mudança que representa muito mais uma disputa por cargos e espaço no governo ilegítimo, do que uma preocupação de fato em relação ao papel do governo federal com as políticas públicas de desenvolvimento agrário – o que fica expresso com a facilidade com que as estruturas deste tema são jogadas de um lado para o outro sem maior planejamento.

Mas a disputa interna dos partidos que compõem o governo interino, e a consequente indefinição da institucionalidade do extinto MDA – inviabilizando a execução de suas políticas públicas junto aos milhões de brasileiras e brasileiros que produzem alimento para o país – não impediram diversas ações de desgoverno na área. A seguir, um resumo deste desmonte:

Paralisação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)

O Ministério do Desenvolvimento Social, sem nenhuma explicação plausível, cancelou no dia 31 de maio o repasse de R$ 170 milhões que deveriam ser operados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para aquisição de alimentos da agricultura familiar, paralisando o PAA, reconhecido internacionalmente e promovido por meio de cooperação internacional apoiada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em vários países. Apesar da liberação, muitas semanas depois, o prejuízo entre os agricultores e suas organizações já estava contabilizado.

Cancelamento do Edital Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Mais Gestão

Ainda em maio foi também cancelado edital lançado para atendimento de 930 cooperativas e associações com serviços de ATER Mais Gestão focados na melhoria da gestão das mesmas, bem como aos mercados das compras governamentais e privados, objetivando a melhoria da qualidade de vida e ganhos econômicos para organizações econômicas da agricultura familiar. A alegação foi de que não haveria recursos para honrar esse compromisso assumido, todavia, a aprovação de um déficit de R$ 170 bilhões pelo governo federal contraria essa tese.

Perda do espaço físico

No início de junho, a Secretaria Especial do Desenvolvimento Agrário fez uma nota técnica defendendo junto a Casa Civil e Ministério do Planejamento a sua permanência no espaço físico antes ocupado pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário. Por meio dessa nota explica que a mudança do espaço físico atual significaria desperdício de recursos públicos com gastos anuais de aluguel no valor de cerca de R$ 5 milhões, além de mais R$ 3 milhões envolvidos na mudança dos equipamentos. Os argumentos não convencem o Ministério do Planejamento e, sem nenhuma explicação convincente de ganhos do interesse público, o espaço físico então é cedido ao capricho patrimonialista do Ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra.

Demissão massiva de 62 cargos

No dia 17 de junho, são exoneradas 62 pessoas dos cargos de confiança que ocupam sem que haja qualquer “transição” e nem nomeação de novas pessoas para assumir as ações desempenhadas por esses/as servidores/as. Um ato que coloca claramente a administração pública em risco, assim como suas políticas, uma vez que as competências exercidas por essas pessoas não foram repassadas para outras pessoas levando à completa paralisação da máquina pública e perda da memória institucional do órgão.

Exoneração do Presidente da ANATER

O presidente da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER), Paulo Guilherme Francisco Cabral, foi exonerado no dia 22 de junho. Seu cargo, no entanto, é vinculado a um mandato de 4 anos, não se tratando de cargo de livre nomeação e exoneração. A exoneração então, além de constituir ato ilegal, resulta em enorme prejuízo para a ANATER, agência criada e regulamentada apenas recentemente, com o papel de promover a Assistência Técnica e Extensão Rural, fundamental para as agricultoras e os agricultores familiares e para a produção de alimentos para o país. O ex-presidente impetrou mandato de segurança no STF para reaver o seu legítimo mandato. O caso remonta à exoneração da Presidente da EBC, que também possui um mandato de 4 anos.

Nepotismo na Superintendência do INCRA de São Paulo

Filho do deputado federal Paulo da Força (SD-SP), o deputado estadual paulista Alexandre Pereira da Silva (SD) foi nomeado Superintendente Regional de São Paulo do INCRA no dia 04 de Julho. Cabe ressaltar que na disputa entre Solidariedade e PMDB, o deputado federal Paulinho da Força é o principal articulador da disputa por espaço – e por cargos, como se pode observar.

Exclusão do Desenvolvimento Agrário na Câmara de Comércio Exterior (Camex)

Por meio do Decreto 8.807 de 12 de julho extinguiu-se a representação do Desenvolvimento Agrário na Camex. Também foi extinta a participação no Comitê executivo de gestão da Camex (Gecex), órgão que permitia a participação de um conjunto amplo de instituições como o Ministério da Saúde e do Meio Ambiente, no entendimento de que o comércio exterior em um mundo globalizado é uma pauta transversal, com impacto em várias áreas de atuação do Estado. A saída da representação do desenvolvimento agrário na Camex e no Gecex coloca em risco boa parte da atuação internacional do extinto MDA e suas ações de cooperação envolvendo outros países, assim como as próprias políticas de desenvolvimento da agricultura familiar em curso, uma vez que muitos acordos comerciais e atos internacionais podem afetá-las.

A profundidade do desmonte e desgoverno representado pelas ações acima, que ainda não configuram a totalidade dos retrocessos vividos pelo antigo MDA, joga o Brasil algumas décadas no passado, no qual se imaginava que a política agrícola no Brasil deveria consistir unicamente no apoio e subsídio irrestrito ao agronegócio. Essa atividade, desenvolvida em grandes propriedades rurais voltada à exportação de commodities, com grande prejuízo socioambiental, vem reiteradamente demonstrando que não responde aos desafios do abastecimento interno no Brasil.

Uma política de desenvolvimento agrário que pense o campo para além de uma visão economicista, respeitando a diversidade e as especificidades que este público tem e com vistas à garantia constitucional do direito à alimentação adequada é pilar fundamental da construção democrática. Toda a sociedade brasileira já reconhece a importância da agricultura familiar para o país, responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos consumidos no Brasil, empregando 77% do trabalho rural e contribuindo em cerca de 10% para o PIB nacional, mesmo em um contexto de enorme concentração fundiária e de acesso a recursos. Nos últimos anos, o fomento desse setor estratégico dependeu de um conjunto de políticas públicas específicas, elaboradas num esforço conjunto entre governo e sociedade, sob a liderança institucional do MDA.

Assim, para além da disputa de espaço no governo interino que desenha uma possível volta do MDA, a visão deste governo interino e ilegítimo sobre a agricultura familiar e desenvolvimento agrário não representa nem a vontade das urnas e nem aquela expressa em diversos espaços de participação social como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Agrário Sustentável (Condraf), as Conferências Nacionais de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário e de Assistência Técnica e Extensão Rural, entre outros, que estão, eles mesmos, fadados ao desaparecimento em um governo que não respeita a democracia.

Referências

Direito à cidade e à moradia

Após a extinção do BNH, em 1986, estabelece-se um vácuo de quase 20 anos nas políticas de acesso à moradia, com políticas e programas dispersos, reflexos da grande instabilidade econômica e política do período da redemocratização. Algumas experiências foram resultantes da ação isolada de alguns municípios. No plano da política nacional, o financiamento habitacional estava associado à falta de subsídios, tornando inviável o pagamento do saldo devedor dos contratos, que crescia mais que a renda dos mutuários.

Em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade, marco regulatório das novas políticas urbanas, resultado de um processo iniciado na elaboração da Constituição de 1988, que inclui dois artigos que tratam da questão urbana, e que fortalece um sistema de municipalização das políticas públicas na área. Em 2003 é criado o Ministério das Cidades, que se destaca no início do primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010).

Este novo processo é respaldado pelo caráter participativo, implementado pelas primeiras conferências das cidades, ainda em 2003, que reúnem os diversos segmentos do poder público e da sociedade civil para discutir as bases de formulação das políticas públicas urbanas, e a instituição do Conselho das Cidades, quando é resgatado um acúmulo técnico e político que resulta em importantes regulações para uma nova sistemática de atuação. Essa nova política traz na sua concepção a perspectiva da descentralização de recursos, da gestão e dos sistemas de produção.

No bojo dessa nova política, e no quadro de crise econômica internacional que desponta a partir de 2008, visando a aceleração do crescimento econômico e com o fortalecimento da produção no país, é lançado pelo governo federal, em 2009, o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que começa a implantar fortes subsídios à produção para as camadas de baixa renda da população. Outra característica predominante nesse programa é a ampla descentralização territorial da produção, que se instala para além das metrópoles, expandindo-se numa ampla gama de municípios, inclusive os de médio e pequeno porte.

Nas faixas de menor renda, muitas famílias passaram a ter acesso ao crédito e à moradia por meio da concessão de subsídios pelo FGTS. O programa prevê o atendimento da demanda por moradia nas áreas urbana e rural, a fim de enfrentar um déficit habitacional de mais de 5,4 milhões de unidades habitacionais. O Minha casa, Minha Vida subdivide-se em 3 Faixas, conforme a renda familiar bruta dos beneficiários a serem atendidos: Faixa 1 – até R$ 1.800,00 de renda familiar bruta mensal; Faixa 2 – de R$ 1.800,01 a R$ 3.600 de renda familiar bruta mensal; Faixa 3 – de R$ 3.600,01 a R$ 6.500,00 de renda familiar bruta mensal.

Até 30/06/2016 o programa Minha Casa, Minha Vida já contratou 4.359.396 unidades habitacionais, das quais já entregou 2.926.381 UHs (67,12%). São mais de 11 milhões de pessoas beneficiadas pelo programa. O programa, priorizado nas gestões de Lula e Dilma, beneficiou prioritariamente o atendimento da Faixa 1, ou seja, os de menor ou nenhuma renda, que sobrevivem da forte rede de proteção social.

10 principais retrocessos na habitação durante os 90 dias do governo interino

  1. Criminalização dos movimentos sociais, com suspensão de portarias e das contratações nos programas Minha Casa Minha Vida Entidades e Minha Casa Minha Vida Rural. Ministro das Cidades interino demonstra desconhecer o processo de produção social da moradia, com forte participação dos movimentos populares, conquista de mais de 30 anos de luta a partir da redemocratização pós ditadura militar.
  2. Alteração de regras para cobrança das prestações do programa Minha Casa Minha Vida Entidades, inclusive para os contratos já assinados com as Entidades Organizadoras, o que invalida milhares de termos de adesão assinados por beneficiários que acompanham seus empreendimentos desde a formulação das propostas.
  3. Não reconhecimento do Conselho das Cidades e suas instâncias de participação como parte da gestão do Ministério das Cidades. Não reconhecem a importância da gestão democrática das cidades, retornando com velhas práticas clientelistas e de troca de favores. A agenda da Reforma Urbana e do Sistema Nacional de desenvolvimento Urbano está sob ameaça.
  4. Preparação de medidas para vetar a utilização de instrumentos urbanísticos de acesso à terra, previstos no Estatuto das Cidades e legislação específica, como CDRU – Concessão de Direito Real de Uso e reconhecimento da desapropriação por interesse público com imissão na posse.
  5. Suspensão da contratação do Faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida, nas modalidades FAR Empresas, Entidades e Rural, ou seja, os que mais precisam ficaram sem atendimento.
  6. Com a suspensão das faixas que atendem os mais pobres, o Minha Casa Minha Vida (MCMV) vai deixar de gerar R$ 70 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) em três anos, até 2018. Em 2016, o PIB da construção registrou retração de 7,6% e o total de empregos com carteira assinada atingiu 2,9 milhões de trabalhadores, patamar semelhante ao do início de 2010.
  7. A redução dos investimentos tem impacto direto no nível de emprego do setor com saldo de menos 385,2 mil vagas no acumulado nos últimos 12 meses, representando 39% do total de vagas fechadas no período.
  8. Desaceleração do crédito imobiliário devido à paralisia do setor e falta de confiança dos mercados. Com a queda da renda e o poder de compra das famílias, as empresas estão com maior dificuldade de comercialização das unidades produzidas, gerando estoques em algumas faixas valor de UH e unidades comerciais, acarretando a diminuição da liquidez das empresas.
  9. Retrocessos irreparáveis na indústria de insumos e tecnologias inovadoras para construção civil. Retração no setor que criou novas alternativas para construção de unidades habitacionais em larga escala, com menor custo e com mais qualidade.
  10. O governo interino não assumiu a meta do MCMV 3, de pelo menos 2 milhões de unidades habitacionais até 2018. Segundo o Ministério das Cidades, em 2016, devem ser contratadas 400 mil unidades das faixas 2 e 3, ou seja, apenas para os trabalhadores com renda e capacidade de endividamento.

Direitos humanos, igualdade racial e de gênero

Depois de 90 dias de aprofundamento do processo de golpe, torna-se evidente que as temáticas de Gênero, Igualdade Racial e Direitos Humanos não só perderam sua importância na estrutura formal deste atual (des)governo, como também estão sendo ignoradas.

A Portaria nº 611/2016 proíbe a celebração de contratos e convênios, a realização de eventos, a nomeação de servidores e despesas com passagens e diárias no Ministério da Justiça e Cidadania, excetuando apenas a Secretaria Executiva, as Polícias Federal e Rodoviária Federal, a Força Nacional e atividades relacionadas aos Jogos Olímpicos. Além disso, a liberação de recursos para execução de convênios fica dependente de autorização expressa do ministro interino. Isto significou, entre outras coisas, uma forma de esvaziar serviços e programas de pouco interesse do governo golpista, bem como a paralisação de todos os encontros de órgãos colegiados, que reunem governo e sociedade civil, buscando fortalecer a democracia participativa. Programas de extrema importância para a garantia de direitos humanos, como os de Proteção a Vítimas e Testemunhas, de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte e a Implementação do Sistema Socioeducativo também se encontram paralisados em função dessa portaria.

Conforme já denunciado no documento sobre os primeiros 15 dias do golpe, além de deixar de fora pautas importantes, a integração das três pastas ao Ministério da Justiça e Cidadania provém de uma visão policialesca de questões sociais transversais.

No caso das políticas para as mulheres, a criação do “Núcleo de Proteção à Mulher” fora da estrutura da Secretaria de Políticas para as Mulheres para “coordenar trabalhos de combate à violência à mulher” resume o enfrentamento à violência contra as mulheres como uma questão de segurança pública. A medida publicada por meio da Portaria nº 586 é o atestado de óbito de toda a Secretaria de Políticas para as Mulheres, pois esvazia o único eixo do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres que teria legitimidade de existir dentro da estrutura do Ministério da Justiça.

Demonstrando que o golpe é golpe, a Secretaria de Políticas para as Mulheres vem sendo comandada pela então secretária e por uma equipe por ela escolhida, porém não nomeada – conforme denunciado pela própria mídia golpista, em matéria no “O Globo” em 24 de junho. Aos poucos essa equipe vai sendo nomeada, mas o desconhecimento e desimportância à legalidade são recorrentes, como a consulta sobre formas de cooperação com entidades privadas sem licitação e consulta sobre como contratar indicadas como atendentes do Ligue 180.

Enquanto isso, servidoras da casa não só são ignoradas como são convidadas a se retirarem de reuniões públicas tocantes a suas atribuições funcionais para que a equipe interina, totalmente estranha ao serviço público, as acompanhem. Além disso, servidoras de concurso temporário são tratadas com descaso e após documento público e coletivo solicitando informações sobre a não renovação de seus contratos foram informadas de que o projeto ao qual foram contratadas – no caso a composição do quadro da própria SPM – havia acabado e não seria possível realizar novas contratações.

Reflexo de tudo isso na política: Prêmio Construindo Igualdade de Gênero com inscrições não abertas e fora do cronograma; Programa Pró-equidade de Gênero e Raça sem cronograma; convênios cancelados por total desconhecimento dos encaminhamentos que deveriam ter sido feitos; implementação das Diretrizes Nacionais para enfrentar o Feminicídio (que vai muito além da segurança pública) sem acompanhamento do Governo Federal; ausência de monitoramento e acompanhamento da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres;

No âmbito dos Direitos Humanos, após 90 dias de desconstrução de políticas públicas e desestabilização de direitos anteriormente garantidos, apontamos pautas colocadas por esse governo golpista, dentre muitas outras, de prejuízo mais evidente e imediato. São elas:

Perda de autonomia da pasta de direitos humanos

A Medida Provisória 747 transforma a Secretaria de Direitos Humanos em Secretaria Especial vinculada à estrutura do Ministério da Justiça, sem orçamento específico e com relação de dependência para decisões de um Ministro, cujo foco é na segurança pública, com viés fortemente repressivo. Vale ressaltar que vivemos em uma realidade em que o Estado é o maior violador de direitos, no que se refere à violência institucional e que instâncias como o mecanismo de combate à tortura, a Comissão da Verdade para mortos e desaparecidos políticos e programas de proteção ficam alijados de sua função quando vinculados diretamente ao órgão que é dirigido, muitas vezes, por autores desses feitos.

Sinalização de desmonte da política para crianças e adolescentes

Sinalização, em reuniões, de estabelecer políticas separadas para crianças da chamada Primeira Infância e demais crianças e adolescentes. Isso acarreta cisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), desorganização das políticas dirigidas à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes ao longo de seu desenvolvimento e minimização da vulnerabilidade existente nas demais faixas etárias do segmento. Inviabiliza também as políticas de acompanhamento continuado de crianças e adolescentes como o acolhimento institucional, voltando ao padrão de separação do atendimento antes vigente. Além disso, sinaliza-se a possibilidade do tratamento das políticas para adolescentes em conflito com a lei no âmbito do Departamento Penitenciário Nacional, o que também contraria o ECA e a lei 12.594/2012. Ainda, políticas de prevenção aos assassinatos de jovens negros também ficam extremamente prejudicadas pela ruptura de políticas para adolescentes.

Ameaça à educação sobre direitos humanos nas escolas

Em um país marcado pela violência contra mulheres, negros e público LGBT, o apoio do governo interino ao PL da “Escola sem partido” representa grave ameaça à concretização da cultura da paz e dos direitos humanos no ambiente escolar. Ao contrário, incentiva a cultura do estupro, da homofobia, do racismo e da intolerância religiosa. Tudo em nome de uma ideologia reacionária, saudosa das “recatadas” aulas de moral e cívica da ditadura, que reprimiam a liberdade de expressão e o pensamento crítico que são partes fundamentais de uma política de educação emancipadora, que reconheça os/as estudantes como sujeitos de direitos capazes de reflexão própria.

Sinalização de privatização do ensino superior

O Pacto dos Direitos Econômicos e Sociais, cujo Brasil é signatário, aponta para o direito à educação fundamental gratuita, ampliando para as demais etapas de ensino. Como o Brasil tem em seu sistema de ensino escolas gratuitas de ensino superior, retroceder nesse aspecto seria descumprir o Pacto, dado que o documento pressupõe avanços na conquista e implementação de políticas garantidoras dos direitos ali exarados. Além disso, a sinalização da retirada de programas como o FIES, PROUNI e Cotas nas Universidades reduzem o alcance do ensino, em particular para as classes populares, negros/as e indígenas.

Desmonte do SUS e a desigualdade

Ameaças à continuidade do Sistema Único de Saúde, afetam diretamente processo histórico de melhoria nos indicadores de mortalidade infantil, na melhoria da qualidade de vida de pessoas com doenças antes segregadoras, como a hanseníase, o HIV e os transtornos mentais.

No que tange às políticas de Promoção da Igualdade Racial, em primeiro lugar, cabe destacar que a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, criada ainda no Governo Lula por meio da Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº 10.678 do mesmo ano, é fruto do reconhecimento das lutas históricas dos movimentos negros brasileiros. Dentre as competências da referida Secretaria estavam a formulação, a coordenação e a articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, no que diz respeito às políticas afirmativas e às políticas para povos e comunidades tradicionais, com ênfase na população negra, além da promoção e acompanhamento da execução dos programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais e das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial. Tal medida representou um grande passo em direção à construção e implementação de políticas públicas de reconhecimento e inclusão social dos povos e comunidades tradicionais e da população negra, na perspectiva da superação do racismo e da discriminação étnica.

Desde então foram consolidados avanços normativos extremamente importantes como o Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003, que instituiu a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), com o objetivo de reduzir as desigualdades raciais, por meio da defesa de direitos, das ações afirmativas e da articulação das dimensões de gênero, raça e etnia; o Decreto nº 6.872, de 4 de junho de 2009, que inaugura o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial estabelecendo um conjunto de ações vinculadas à temáticas como trabalho e desenvolvimento econômico, educação, saúde, diversidade cultural, direitos humanos e segurança pública, povos e comunidades tradicionais, política internacional, desenvolvimento social e segurança alimentar, infraestrutura e juventude; o Estatuto da Igualdade Racial, de 20 de julho de 2010, definindo os conceitos de discriminação racial e étnica e de racismo, além de delimitar as principais áreas a serem reconhecidas pelas instituições públicas para a superação das desigualdades raciais. Além disso foram estabelecidos mecanismos institucionais como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o Sistema Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial e as Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial.

Outra importante conquista normativa foi a Lei de Cotas no ensino superior. Aos 29 de agosto de 2012, foi sancionada a Lei nº 12.711, que dispõe sobre a reserva de vagas com critérios para estudantes da escola pública, negros e indígenas, reservando a esses, no mínimo, 50% das vagas para acesso às universidades federais e às instituições federais de ensino técnico de nível médio[1].

No que tange aos povos e comunidades tradicionais, a Secretaria atuou de maneira substancial pelo reconhecimento e pela efetivação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro, das populações quilombolas e dos povos ciganos. A gestão dessas políticas vinha se consolidando em torno da coordenação do Programa Brasil Quilombola – PBQ e do Plano Nacional de Políticas para os Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, além da articulação de metas e iniciativas específicas com órgãos do governo federal. Sua atuação se configurou de fundamental importância para a progressiva inclusão desses grupos populacionais no escopo de atuação do Estado brasileiro, uma vez que o racismo e a discriminação por eles sofridas, sistematicamente os excluem do acesso às políticas e serviços públicos.

Ademais, ao longo de sua existência, a SEPPIR promoveu três Conferencias Nacionais de Promoção da Igualdade Racial, as quais tiveram como resultado propostas e deliberações que serviram como baliza para a atuação do órgão.

Em que pese o fato da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial desde sua criação não ter sido munida de orçamento e estrutura dignos à sua tarefa e, ainda, ter sofrido no Governo Dilma reforma estrutural sendo incorporada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, cabe apontar algumas ameaças do gabinete golpista de Temer aos direitos e às políticas públicas conquistadas pela população negra e pelos povos e comunidades tradicionais.

A extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos e a incorporação das competências da SEPPIR pelo Ministério da Justiça e Cidadania, presume a redução da estrutura da Secretaria e, portanto, de sua capacidade de operacionalização e articulação de Programas e ações coordenadas por ela. Soma-se a isso, a nomeação de Alexandre de Moraes como Ministro da Justiça e Cidadania, reconhecido pela repressão dos movimentos sociais e pela atuação de sua gestão na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo marcada pelo alto índice de homicídios praticados por policiais contra a juventude negra, o que representa uma afronta a programas coordenados pela SEPPIR, como o Juventude Viva, que tem como principal premissa reunir ações de prevenção para reduzir a vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica.

Além disso, é da base aliada do gabinete golpista que partem os maiores ataques no Congresso Nacional e no STF aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e da população negra. O DEM move uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239), no STF, questionando o decreto que regulamenta a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras quilombolas; é de autoria do PR- RR a PEC 215 que propõe que as demarcações de terras indígenas, a titulação dos territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental passem a ser uma responsabilidade do Congresso Nacional, ou seja, uma atribuição dos deputados federais e senadores, e não mais do poder Executivo, como é hoje; e a PEC 171/93 que reduz a maioridade penal é de autoria do PP- DF.

Como se não bastasse, a bancada ruralista do Congresso Nacional está à frente das pastas da Educação, do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social, cuja atuação parlamentar é contra as políticas de cotas raciais, a reforma agrária, a agricultura familiar e os direitos das comunidades e povos tradicionais. Isso é uma ameaça aos direitos conquistados e contradizendo a própria atribuição institucional dos Ministérios.

Por fim, deve-se considerar, no entanto, que os impactos da mudança de projeto de governo orquestrada pelo gabinete golpista têm como alvo principal àquela parcela da população mais vulnerável, a saber a população negra e os povos e comunidades tradicionais. As medidas recentemente impetradas pelo governo interino, relativas às pastas sociais trazem uma perspectiva ainda mais drástica para estes segmentos que representam o maior contingente da parcela da população em situação de extrema pobreza, pobreza e insegurança alimentar e nutricional. Por fim, chama-se atenção para o ataque ao Sistema Único de Saúde, à Previdência Social e à educação pública gratuita, cujos impactos terão efeitos irreversíveis para a população negra e para os povos e comunidades tradicionais.

Educação

Nos últimos 90 dias vivemos um estado de exceção no qual, sob um ar de pretensa legalidade, direitos duramente conquistados foram usurpados. Para além do direito ao voto, os direitos das nossas crianças, jovens e adultos à educação estão sendo destruídos.

Os princípios historicamente defendidos da educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada estão cada dia mais longe tanto daqueles/as brasileiros/as que se vêem impedidos/as do acesso às políticas públicas educacionais devido a sua interrupção, como daqueles/as que historicamente atuam na área e se sentem apartados das possibilidades de exercer seu papel, uma vez que os espaços de discussão social acerca da educação estão sendo minados e eliminados pelo governo golpista.

Vale lembrar que nos quinze primeiros dias do golpe, o governo Temer já indicava o corte de verbas para a educação através da desvinculação das receitas para a área e a estreita relação do novo governo com o setor privado, principalmente na educação superior. Nesse momento, também foi reafirmado o compromisso do Ministro Golpista da Educação, Mendonça Filho, com o projeto Escola Sem partido (na prática, a escola de partido único) e com uma educação acrítica.[1]

Essas primeiras intenções foram corroboradas e tomaram corpo nos últimos dias, com os desmontes das políticas educacionais ocorrendo de diversas formas. Uma delas foi a exoneração dos responsáveis pelas elaborações e implementações das políticas, como ocorreu com os membros do Fórum Nacional de Educação e por consequência a descontinuidade do acompanhamento da execução do Plano Nacional de Educação. Uma segunda maneira de desmonte é pela retirada de verbas dos projetos, como ocorre com FIES, e PROUNI e PRONATEC cujas novas vagas foram cortadas pelo governo Temer, impedindo o acesso de jovens e adultos à programas de qualificação profissional, escolarização, e formação universitária.

Outro golpe à educação também foi deferido no campo da Pesquisa e Inovação Científica com o fim do Programa Ciências sem Fronteiras para estudantes de graduação, restringindo a possibilidade de intercâmbios culturais e acadêmicos às classes altas que se autofinanciam; e a redução drástica do número de bolsas de pesquisa para estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado), que são responsáveis pela produção de novos conhecimentos e inovações tecnológicas nos mais diversos campos do saber.

Porém os ataques anteriormente citados não encontram nenhum precedente perto do que ainda está por vir! Pelas mãos do Golpista Temer e seus aliados tramitam, no Congresso Nacional três projetos totalmente nefastos para a população que atingem diretamente a educação: o retorno da desvinculação de receitas da união (DRU) para educação e saúde, que possibilita que o Governo Federal reduza o orçamento dessas áreas e transfira esses recursos para outras áreas (principalmente para pagar juros para o sistema financeiro); o Projeto de Emenda Constitucional 241/2016 (PEC 241), que congela gastos públicos por 20 anos, impedindo financiamento de novas políticas educacionais, a ampliação ou até mesmo a manutenção das políticas existentes, uma vez que as verbas disponibilizadas diminuiriam com um baixo crescimento da economia brasileira, abrindo espaço para que o governo brasileiro gaste menos que o mínimo constitucional para a educação; o fim do Regime de Partilha do Pré-Sal, que retira a obrigatoriedade da Petrobras na exploração de petróleo das bacias do Pré-Sal. Hoje 75% dos royalties do petróleo e 50% do fundo social do Pré-Sal são destinados à educação; caso esse projeto se torne lei, os recursos advindos dessa fonte para a educação serão drasticamente diminuídos. Aliás, a aprovação dos três projetos, significa decretar, na prática, o fim do Plano Nacional de Educação, pois não há como atingir as metas, sem políticas e sem orçamento.

Nesses 90 dias de golpe, fica evidente a atuação dos campos privados na educação. As equipes que compõem o novo MEC são vinculadas diretamente a grupos que tratam da educação como mercadoria, tanto no comércio de materiais didáticos, aulas e currículos (que são vendidos aos municípios e não construídos com a participação social de professores, estudantes e comunidade, como deveriam ser), quanto àqueles ligados às instituições de nível superior privadas.

A interferência desses setores no ministério é problemática porque desvirtua a essência do espaço público. Enquanto qualquer ação privada visa o lucro (seja de forma direta, seja na construção de novas necessidades e demandas sociais) a essência do setor público deveria ser o atendimento às demandas e às necessidades da população. Enquanto a gestão privada trabalha para registrar sua marca e garantir acesso aos que pagam, excluindo boa parte da população de seus serviços, a educação pública serve a toda a população, exercendo inclusive funções que a iniciativa privada não entende como lucrativa, mas que são necessárias ao desenvolvimento da sociedade.

No governo golpista, alguns exemplos de que esses setores privados compraram o Ministério da Educação foi a indicação de pessoas ligadas a eles para compor o Conselho Nacional de Educação – CNE. Estão ali representadas grandes empresas de aplicação de provas e pessoas ligadas a grupos mantenedores de faculdades privadas. Nesta ocasião, também foram destituídos pelo governo golpista conselheiros/as ligados/as aos movimentos sociais dos/as trabalhadores/as de Educação e à universidade pública, desconsiderando as indicações das entidades as quais representavam e descumprindo a legislação, que lhes garantia mandatos de quatro anos.

Quanto mais as empresas privadas adentram e se apossam do Ministério da Educação, mais a sociedade se afasta dele. Assim, a educação se torna distante dos/as educadores/as e se transforma em instrumento de barganha política (e falamos da pasta com um dos maiores orçamentos da esplanada dos ministérios!). É nesse sentido que a dissipação do Fórum Nacional de Educação – FNE, responsável pela construção dos fóruns municipais e estaduais de educação, impede a organização da sociedade civil em torno do próximo Plano Nacional de Educação e suas metas. Com a destituição dos/as conselheiros/as do Fórum Nacional de Educação, extingue-se um espaço de interlocução entre governo e sociedade civil, impedindo que a população possa discutir e indicar posicionamentos sobre as políticas educacionais.

Por trás da aparência de um debate técnico e sem vinculações políticas, a verdade é que estamos perdendo os espaços de participação social na construção de Políticas Públicas que foram duramente conquistados. A partir desse mesmo discurso, criou-se uma comissão, com nomes indicados pela “presidente” do INEP, que visa fazer uma “análise conclusiva final” da prova do ENEM (portaria Inep 348/2016). O foco das preocupações que a motivaram é impedir que se leve para discussão social temas como violência contra a mulher, questões raciais ou qualquer autor que não represente ideais liberais, impedindo que a prova contenha múltiplos enfoques. Para quem não sabe, até então os itens da prova são construídos por profissionais selecionados por chamada pública aberta a toda a sociedade e por servidores concursados, ou seja, sem qualquer vinculação partidária, e que tem seu poder de decisão substituído por uma equipe convocada por razões políticas pelo governo golpista.

Também constatamos que em diversos órgãos federais vinculados à educação, servidores/as públicos/as concursados/as também foram afastados/as de seu trabalho, sofrendo perseguições que vão desde o corte de cargos comissionados (que já era previsível), passando pelo confisco de materiais de trabalho como computadores e arquivos, afastamento dos projetos que desempenhavam até então para serem substituídos por pessoal de fora do quadro de servidores, ligados às instituições privadas e “movimentos sociais” reacionários , até a abertura de Processos Administrativos contra servidores/as em função de posicionamentos em defesa da educação pública de qualidade. Em órgãos federais vinculados ao MEC está ocorrendo a substituição de quadros capacitados por pessoas sem as devidas qualificações técnicas ou insuficientemente qualificadas de forma a atender caprichos políticos, o que certamente irá influenciar no bom andamento dos trabalhos.

O pretenso caráter antipolítico do novo “governo”, que na verdade une os grupos mais conservadores na sociedade, é expresso também pelo apoio a famosa lei da Escola sem Partido e suas versões estaduais, as Leis da Mordaça. Esse Projeto de Lei[2] (PL 867/2015), com apoio de bancadas evangélicas no Congresso Nacional, possibilita que professores sejam denunciados e punidos caso se manifestem contra as concepções ideológicas, políticas ou religiosas de qualquer família. Além de desconsiderar que é impossível que todas as famílias tenham uma visão igual sobre todos os assuntos, a lei impede que posicionamentos distintos sejam discutidos e apresentados aos estudantes, contribuindo para uma educação sem criticidade e sem fundamentação científica (sendo esta substituída pelo senso comum da família ou por visões religiosas).

Em uma de suas primeiras agendas como novo Ministro da Educação, Mendonça recepcionou o “expoente e grande pensador da educação brasileira” Alexandre Frota e o criador do grupo Revoltados Online. Depois desse episódio memorável, que revoltaria Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, resolveu nomear Adolfo Sachsida, defensor público da Escola Sem Partido, como assessor especial. Sachsida não chegou a tomar posse devido ao escândalo gerado pela nomeação.

Por fim, o discurso de que a política não deve fazer parte da vida das pessoas ou de seus espaços de convivência gera apenas um maior afastamento da população de espaços participativos e democráticos e, consequentemente, do poder de decisão sobre os rumos do país. Em outras palavras, essa narrativa veiculada através das ideias do Escola sem Partido propõe o retrocesso educacional para que voltemos aos tristes tempos da censura e obscurantismo vividos na Ditadura Militar.

Registra-se que, mesmo vivendo com medidas que significam um caos educacional que, se concretizadas, significam uma volta à educação sem condições mínimas de financiamento e, consequentemente, de desenvolvimento de políticas públicas educacionais de qualidade, Temer já anunciou em diversos meios de comunicação que outras medidas impopulares ainda serão tomadas.

Aguardem! Os desmontes serão aprofundados. Já começamos a ver retornar a discussão de pagamentos de mensalidades nas universidades públicas, com a antiga estratégia de deslegitimar as universidades e seu papel público, como se fossem um produto ou mero serviço ofertado. O governo golpista traz de volta e dá centralidade à lógica mercantilista na educação, na qual o Estado não se responsabiliza pela qualidade ou acesso, desmonta qualquer iniciativa que atraia para si a responsabilidade de garantir educação pública, se colocando como observador de um sistema que, na verdade, deveria ser sua responsabilidade e um direito de todos/as.

Referências

  1. Sobre os primeiros dias do Governo golpista de Temer, verificar o documento “15 dias de desgoverno: o desmonte do estado democrático”, produzido pela Frente Ampla das Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público pela Democracia
  2. Para saber mais sobre o Projeto Escola sem Partido, acesse os textos http://www.fe.unb.br/noticias/679-nota-do-conselho-da-faculdade-de-educacao-da-universidade-de-brasilia-fe-unb-sobre-o-projeto-de-lei-escola-sem-partido ou https://gepepi.net/2016/06/13/por-que-temer-a-escola-sem-partido/

Meio ambiente

As condições socioeconômicas são indissociáveis da qualidade ambiental. Os principais grupos econômicos e políticos que se aliaram para tomar o poder são os mesmos que vêm propondo a redução da regulação ambiental, investindo contra o licenciamento e fiscalização promovidos pelos órgãos ambientais e pregando a privatização dos recursos naturais em nome do lucro máximo. A tragédia social e ambiental ocorrida em Mariana é símbolo das medidas propostas por esses grupos, que não raro resultam em tragédias humanas e ambientais. O descaso do governo golpista com o meio ambiente pode ser constatado tanto por medidas no Executivo quanto por movimentações no Legislativo.

Desmonte do licenciamento ambiental

Proposta da Emenda Constitucional (PEC) 65/2012: Com tramitação retomada em março desde ano. Prevê que apenas a apresentação de Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de um empreendimento seja suficiente para a concessão de licenças ambientais, que não poderão ser suspensas ou canceladas. Na prática, o licenciamento ambiental perde toda a sua eficácia.

Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015: Define o prazo de apenas oito meses (prazo considerado insuficiente para técnicos da área) para o licenciamento de grandes obras, consideradas estratégicas para o governo, como hidrelétricas e estradas. A proposta não prevê a realização de audiências públicas e elimina uma série de fases essenciais do licenciamento, inclusive o sistema trifásico (licença prévia, de instalação e de operação). Ainda de acordo com o PLS, se o órgão ambiental envolvido no processo de licenciamento descumprir os prazos estabelecidos, fica considerado que o empreendimento está de acordo com o licenciamento.

Projeto de Lei (PL) 3.729/2004: Projeto que dispensa o Licenciamento Ambiental para várias atividades econômicas nas quais o licenciamento é exigido atualmente, como plantações de eucalipto, por exemplo. Prevê ainda um licenciamento autodeclatório, por cadastro eletrônico, sem passar por verificação dos órgãos ambientais. Segundo a proposta, órgãos que defendem os direitos de comunidades indígenas e tradicionais não teriam praticamente nenhum poder de intervenção no licenciamento. O parecer pode ser votado a qualquer momento no plenário da Câmara dos Deputados.

Alterações nas resoluções do Conama 01/86 e 237/97: Atualmente, a maior parte dos empreendimentos com impactos socioambientais precisa passar por um sistema de licenciamento com três fases: a prévia, de instalação e de operação. A proposta elaborada pela Associação Brasileira de Entidades estaduais do Meio Ambiente (Abema) em tramitação no Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) prevê a criação de mais três novas modalidades de licenciamento, todas com objetivo de simplificar processos: o licenciamento “unificado”, por “adesão e compromisso”, e por registro. A discussão do assunto no Conama teria sido prorrogada até o fim de julho.

O ministro do governo golpista, Sarney Filho, relatou em entrevista que está em construção uma proposta via Ministério do Meio Ambiente a fim de simplificar e “desburocratizar” o licenciamento ambiental. Os servidores não estão participando da elaboração desse documento, e somente terão acesso a seu conteúdo após sua conclusão.

Exonerações/Nomeações

Ministério do Meio Ambiente – Exonerações de Francisco Campelo (Diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente); Adalberto Eberhard (Diretor de Zoneamento Territorial) e da Gerente Ana Takagaki Yamaguishi, todos reconhecidos especialistas em suas áreas de atuação.

Superintendência do IBAMA de São Paulo – Superintendência do IBAMA de São Paulo foi assumida por ex-deputada estadual cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em substituição a uma servidora de carreira no órgão.

Superintendência do IBAMA da Bahia – Para a Superintendência do IBAMA da Bahia foi indicado Neuvaldo David de Oliveira, ex prefeito da cidade de Caravelas e autuado pelo Ibama em 2006 e que ainda possui dívida de 108 mil Reais em multas por desrespeitar as leis ambientais. O indicado responde ainda Ação Civil de Improbidade Administrativa. Em 2009, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) formulou representação ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) pedindo que Neuvaldo devolvesse, com recursos próprios, R$ 41 mil reais aos cofres da prefeitura de Caravelas.

Serviço Florestal Brasileiro – Samir Jorge Murad, concunhado de Sarney Filho, foi nomeado para a diretoria de Administração e Finanças do Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável por promover o uso sustentável dos 310 milhões de hectares de florestas públicas brasileiras, que equivalem a 36% do território nacional. Além de Murad, outra pessoa de confiança do clã Sarney, Ivana Colvara de Sousa, assume uma gerência executiva, antes ocupada por um analista ambiental.

O ministro golpista

  • Em 2010, Sarney Filho foi atingido pela Lei da Ficha Limpa. Sua candidatura chegou a ser impugnada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) do Maranhão. Após recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral, o deputado conseguiu manter o registro de sua candidatura.
  • Em 2009, Sarney Filho foi investigado pelo Ministério Público por ter usado sua cota parlamentar de passagens aéreas para viajar com a família para o exterior. Entre julho de 2007 e julho de 2008, a Câmara pagou oito passagens para Marco Antônio Bogéa, colaborador do empresário Fernando Sarney, irmão do deputado. Embora não tendo qualquer vínculo funcional com a Casa, Bogéa usou a cota de Sarney Filho, à época líder do PV na Câmara. Fernando Sarney e Marco Antônio Bogéa são acusados de participar de um suposto esquema de corrupção em estatais do setor elétrico e são alvo de investigações da Polícia Federal na Operação Boi Barrica.
  • Em setembro do ano passado, a CPI da Petrobras recebeu das mãos do deputado Jorge Solla (PT-BA) cópias de documentos da contabilidade extraoficial da Odebrecht, do fim da década de 1980, com registros de pagamento de propina a políticos das obras executadas naquela época. No material, entregue ao delegado Bráulio Cézar Galloni, coordenador-geral da Polícia Fazendária, constava o nome do deputado José Sarney Filho.
  • Sarney Filho foi ministro do Meio Ambiente entre 1999 a 2002, quando Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) utilizou o ministério para selar o apoio do conservador partido PFL, principal parceiro de coalizão do governo de FHC, e destinou mais de 90% do orçamento do ministério destinados à projetos de irrigação na Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), eclipsando o PPG-7 destinado à Amazônia. Sarney Filho ainda chefiou o ministério para o PFL após a reeleição de FHC em 1999, mas sem a mesma atratividade política com a retirada dos recursos para irrigação do MMA. A pequena importância política da agenda ambiental se revela na perda orçamentária em 2001, quando o Ministério do Meio Ambiente perdeu R$ 700 milhões do orçamento de 2002, pois sofreu o maior corte do governo Tucano.
  • No início do governo Lula o maior escândalo ambiental no país, com reflexos internacionais, foi o processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Barra Grande. Projeto iniciado na época em que Fernando Henrique Cardoso era Presidente da República. A licença ambiental prévia (LP) foi concedida em 1999 e a licença de instalação (LI) foi concedida em 2001. Em 2003, já no governo Lula, ao analisar o pedido de supressão florestal, o Ibama solicitou ao empreendedor um inventário, que mostrou a situação da cobertura florestal existente na área a ser inundada. Os dados originais eram falsos e omitiam até 1200 hectares de uma das últimas áreas conservadas de floresta com araucárias do pais.
  • Sarney Filho foi citado como interessado no suborno, cobrado pelo Superintendente do Ibama no Pará, Paulo Castelo Branco, preso em flagrante em 2000.
  • Em 2001, fustigado pela ameaça de uma CPI da Corrupção, FHC criou a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão que se notabilizou por abafar denúncias. A CGU, no governo Lula, passou a ocupar papel central no combate à corrupção e ainda No primeiro mandato de Lula, a Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou, no IBAMA, uma selva de irregularidades. Não é coincidência que Sarney Filho compactua e apóia o governo interino que acabou com a Controladoria Geral da União.
  • Seu ex-assessor no IBAMA e na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Estado do Maranhão (SEMA) foi preso, acusado de participar de uma organização criminosa formada por servidores públicos da SEMA e do IBAMA, que foi desarticulada pela Polícia Federal nas Operações Ferro e Fogo I e II.
  • O acordo de delação premiada de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, relacionou mais um ministro do governo Michel Temer. Uma planilha com valores e datas produzida por Machado e entregue à PGR aponta que o filho do ex-presidente da República José Sarney, Sarney Filho, atual ministro do Meio Ambiente, recebeu R$ 400 mil como “vantagens ilícitas em doações oficiais no ano de 2010”.

Resistência

  • O Comitê de Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e do Serviço Florestal Brasileiro – SFB Contra o Golpe, em conjunto com a Seção Sindical do Sindsep-DF nos órgãos, realizou no dia 08/06/16 um café da manhã solidário, seguido do debate “Meio Ambiente para Todos só com Democracia”, em comemoração a Semana do Meio Ambiente. O debate foi proposto como espaço para se discutir a respeito das implicações da conjuntura para políticas de meio ambiente no país, da gestão de recursos naturais estratégicos, fortalecimento da democracia com participação social e garantia de direitos sociais de atingidos por grandes obras, da agricultura familiar, das cidades e populações tradicionais, como extrativistas, quilombolas e indígenas.
  • Os dirigentes do MMA e Ibama têm fugido do enfrentamento aos servidores, se encastelando nos gabinetes. Mas no dia 14/06/16 os servidores conseguiram se mobilizar de emergência para fazerem uma ação durante a cerimônia de posse da presidenta interina e ilegítima do IBAMA, Suely Araújo, mesmo com o convite para a cerimônia divulgado de última hora na rede interna do Ibama, para evitar protestos por parte dos servidores.
  • No dia 23/06/16, servidores do Ibama mobilizados contra desmonte do Licenciamento Ambiental se reuniram na entrada da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic), para discutir o desmonte dos mecanismos de licenciamento ambiental. Durante a conversa a diretora golpista da Dilic, Rose Mirian Hofmann, ao invés de buscar diálogo com os servidores, tentou criar intrigas entre as entidades representativas, diante dos servidores, para desviar o foco e tentar criar alguma cisão, no que não teve sucesso.

Pulverização de inseticida em áreas urbanas

O presidente interino, Michel Temer, sancionou a Lei que dispõe sobre medidas de combate ao mosquito Aedes aegypti incluindo um item que permite pulverização de inseticidas por aeronaves.

A pulverização aérea é extremamente perigosa, porque atinge outros alvos além do mosquito, como residências, escolas, creches, hospitais, clubes de esporte, feiras, comércio de rua e ambientes naturais, meios aquáticos como lagos e lagoas, além de centrais de fornecimento de água para consumo humano. Além disso, a pulverização aérea é ineficaz, pelos seguintes motivos: atinge muitos outros alvos ao invés do mosquito; mata o mosquito adulto e não a larva e não mata os mosquitos que estão dentro de prédios (lembrando que a maior parte dos focos de mosquito está dentro de residências). A sanção da lei contrariou inclusive pareceres técnicos do próprio governo.

Planejamento

Os 90 dias de governo golpista e provisório estão deixando marcas profundas no Estado brasileiro. E, no âmbito do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, as mudanças estruturais que se desenham anunciam medidas inconstitucionais que podem destruir a capacidade de o Estado brasileiro planejar o futuro do país.

A alteração no nome do Ministério, agora Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, realmente foi apenas o início de uma agenda de retrocesso. A vinculação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social sob a regência de Jucá, “o Breve”, não implicou, como já tínhamos previsto, em qualquer discussão mais aprofundada sobre as escolhas para o desenvolvimento brasileiro, mas foi uma estratégia para impor o controle de caixa. Agora parece haver uma tentativa de caça às bruxas no Banco, ou apenas mais um instrumento de pirotecnia, com o anúncio de investigações dos financiamentos ao porto de Muriel, em Cuba.

Não conseguem aceitar que o BNDES é um instrumento de promoção do desenvolvimento e os seus financiamentos se destinam apenas a empresas brasileiras, incluindo aí apoio a exportações a bens e serviços – como foi o caso. Os golpistas não podem ter esquecido que o instrumento de promoção das exportações do BNDES foi criado ainda no governo FHC. Mas certamente não entendem, nas certezas de seu liberalismo acrítico, que todos os Estados promovem suas empresas no contexto internacional, e a tentativa de criminalizar tais práticas pode ter uma agenda estrangeira de diminuição do alcance do Brasil na América Latina e África, principalmente. Ademais, a retirada do BNDES do financiamento dos projetos de infraestrutura tem, ao menos, duas consequências nefastas para o país: abrir mais um flanco para o comando do financismo e o prolongamento da crise econômica.

A permanência no cargo de um ministro interino, Dyogo de Oliveira, revela bastidores das orientações de desmanche do Estado brasileiro e de sua apropriação por grupos particulares. Dyogo, que já vinha sendo investigado na operação Zelotes, agora também foi citado por Fábio Cleto em delações da Lava-Jato como defensor de interesses de Eduardo Cunha no Conselho Gestor do FGTS. Dyogo de Oliveira, vale lembrar, foi quem assinou os decretos de créditos que foram justificativas para o afastamento da Presidenta legítima, e desde a primeira hora se revelou forte apoiador do governo golpista.

Aliás, a evolução das discussões do processo orçamentário continua a revelar que os créditos foram apenas a justificativa necessária para o golpe. Em primeiro lugar, comissão de peritos indica que, no caso dos atrasos de pagamentos do tesouro ao Banco do Brasil no Plano Safra, as chamadas “pedaladas fiscais”, não houve nenhum ato da Presidenta Dilma. Em segundo lugar, revelando um julgamento totalmente político e enviesado, o Tribunal de Contas da União deu aval a atos do governo interino de edição de créditos suplementares via Medida Provisória, sem aprovação prévia do congresso. Como ministros do TCU indicam que não há grandes diferenças entre as medidas de Temer e Dilma, há, em verdade, dois pesos e duas medidas para julgar o mesmo ato. Um novo atentado contra o Estado Democrático de Direito.

Além disso, o Decreto 8.818, que alterou a estrutura do Ministério do Planejamento, anuncia o início de um novo estágio de destruição da capacidade do Estado. A intenção inicial de extinguir a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos foi parcialmente revertida pela mobilização dos servidores. Todavia, a lógica de subordinação das políticas sociais à política fiscal está presente, trazendo à tona o questionamento proposto pelos golpistas de que a Constituição de 88 e os Direitos Sociais ali assegurados não tem mais espaço, não no Estado, mas nessa política econômica promotora do atraso. Não é de surpreender, nessa linha, que o Ministério tenha negligenciado a carreira de Analistas Técnicos de Políticas Sociais, carreira criada para a avaliação e qualificação das políticas sociais, muito bem denunciado pela Associação da Carreira. Em um governo que não cabem políticas sociais, que pretende queimar a constituição cidadã para diminuir direitos, porque haveria de ter espaço uma carreira de Estado para, justamente, aperfeiçoar e aprofundar essas políticas?

Por último, e ainda mais importante, a transferência da Secretaria de Orçamento Federal para o Ministério da Fazenda, em um movimento amplamente divulgado na imprensa, fecha o ciclo em torno da mudança do nome do Ministério. Essa medida deve ser lida de forma muito mais ampla do que uma disputa interna na qual o Ministro da Fazenda busca se fortalecer, inclusive, para as eleições de 2018. É uma medida contra a lógica constitucional de amarração entre os instrumentos de planejamento de longo, médio e curto prazo e que fere a legislação em vigor.

O orçamento é o instrumento em que se materializam as disputas das agendas governamentais na ótica da alocação. Essa disputa deveria ser informada, de acordo com a Constituição, pelo Plano Plurianual, onde se estabelecem as diretrizes, objetivos e metas para o período de quatro anos a partir da sistematização dos planos setoriais e de longo prazo. Separar o planejamento do orçamento, e/ou ainda submetê-los a lógica do curto prazo, significa concretamente limitar a visão do Estado, deixando-a unicamente direcionada pela lógica fiscal.

Foi por isso que a Lei 10.180/2001 instituiu um Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, para estabelecer e desenvolver os processos de planejamento e orçamento no sentido de concretizar os objetivos de médio prazo do país, legítimos e democraticamente referendados pela população. Os governos eleitos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma buscaram aprofundar esse sistema com a promoção da participação social, em vários temas e escalas. O Governo Golpista trata agora de retirar essa capacidade do Estado, para deixar o destino da Nação a mercê das suas intenções inconfessáveis, encobertas por processos decisórios desinstitucionalizados e tomados à sombra dos gabinetes palacianos ao som dos conchavos, alguns contando ainda com sotaque estrangeiros, próprios aos golpes de Estado.

Previdência social

A Previdência Social é considerada o maior patrimônio do/a trabalhador/a brasileiro/a. Como a maior política de redistribuição de renda do país, é reconhecida e premiada mundialmente. A cobertura previdenciária1 da população ocupada (16-59) é de 72,6% e da população idosa (60 e mais) é de 81,7%, uma das maiores coberturas previdenciárias de idosos do mundo. Os benefícios previdenciários e assistenciais (Benefício de Prestação Continuada- BPC) retiram da linha de pobreza 26,0 milhões de pessoas em todo o país. Atualmente, são 1.702 agências do INSS presentes em todos os municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, prestando atendimento direto à população, além de 5 embarcações, chamadas de PREVBarcos, distribuídas entre os estados do Amazonas, Pará e Rondônia para atender a população ribeirinha de difícil acesso. A seguir alguns dos golpes do governo interino à previdência.

Extinção do Ministério da Previdência Social

A Medida Provisória 726/2016 desvinculou o Ministério da Previdência Social do Ministério do Trabalho e passou as atribuições previdenciárias para o Ministério da Fazenda, através da Secretaria de Previdência, criada dentro da estrutura da Fazenda, ou seja, essa medida se traduziu na extinção do Ministério da Previdência Social, resumindo-o a uma secretaria, e no esquartejamento de suas atribuições e das instituições a ele vinculadas.

Ainda, em consequência da Medida Provisória 726/2016, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi vinculado ao então Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), Ministério este que, legalmente e tecnicamente, não possui atribuições de normatizar, aperfeiçoar, sistematizar, avaliar e monitorar a política previdenciária, o que era feito pelo extinto Ministério da Previdência Social. Além disso, a medida também transferiu a Previc, o Conselho de Recursos, o Conselho Nacional de Previdência Social – este que hoje, não à toa, é nomeado apenas como Conselho de Previdência, pois foi suprimido o “Social” de sua nomenclatura – e a Dataprev para o Ministério da Fazenda.

Proposta de Reforma de Previdência

Delegar para o Ministério da Fazenda as atribuições da política previdenciária teve como finalidade exclusivamente realizar uma reforma previdenciária baseada apenas em uma lógica fiscal e economicista, o que representa a retirada de direitos de milhões de brasileiros/as, garantidos constitucionalmente. A principal alegação do governo interino é o “déficit” nas contas da Previdência, um déficit totalmente questionável, uma vez que, dependendo da metodologia utilizada para elaborar esse cálculo, o resultado pode ser bastante diferente. Segundo a Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP), a dívida ativa da Previdência Social já chega a R$ 340,0 bilhões, referentes ao que a Previdência deixar de arrecadar de empresas e trabalhadores que não pagam suas contribuições, valor suficiente para cobrir o “rombo” estimado para 20162. Considerando que a Previdência integra o orçamento da Seguridade Social, estudos da ANFIP3, e de estudiosos do tema, mostram que esse orçamento é superavitário ao longo de décadas e que o “déficit” é uma falácia para justificar o corte nas políticas de Seguridade Social4. Das receitas previstas no Art. 195 da Constituição, que financiam a Seguridade Social, mais de 30% delas são apropriadas pelo orçamento fiscal para aplicação livre de vinculações, mecanismo conhecido como Desvinculação de Receitas da União (DRU).

Somado a isso, as renúncias fiscais, só em 2016, somam R$ 69,0 bilhões. Mas quando o governo ilegítimo propõe uma reforma de previdência, sempre é a parte mais frágil que é afetada: os(as) trabalhadores(as). As grandes empresas são as maiores devedoras da Previdência e as que mais lucram com a exploração dos(as) trabalhadores(as). Sabe-se que uma reforma é necessária, frente à conjuntura econômica e demográfica do país, mas deveria ser uma reforma justa, que reconheça e considere as desigualdades trabalhistas e de remuneração da população urbana e rural, de homens e mulheres e das diversas categorias de trabalhadores (as); uma reforma que não penalize o (a) trabalhador (a), a começar pela revisão da desoneração da folha de pagamentos, das renúncias fiscais e da cobrança da dívida ativa da Previdência.

Por fim, quando o governo ilegítimo propõe uma pauta de reforma, esta é destinada apenas para o Regime Geral de Previdência Social, no qual, aproximadamente, 70% dos benefícios são de até 1 salário mínimo. Já a previdência dos militares e dos políticos, que seguem regras diferentes, com benefícios de valores altíssimos, permanecem intocáveis. Enquanto um(a) trabalhador(a) precisa trabalhar 30 ou 35 anos para se aposentar, os políticos brasileiros, na maioria das vezes, precisam de apenas oito anos para se aposentar. Para eles, não há fator previdenciário. No Congresso, cerca de 250 deputados e senadores conseguiram a aposentadoria a partir de oito anos de contribuição e com altos valores5.

A seguir, estão listadas as principais propostas de reforma de Previdência, ainda não finalizadas e encaminhadas ao Congresso, mas já enunciadas em diversas oportunidades pelo governo golpista:

  • Idade mínima de 65 anos para aposentadoria, para homens e mulheres, sem regra de transição, para todas as categorias, incluindo professores;
  • Idade mínima de 65 anos para aposentadoria, com uma regra de transição bastante restritiva, para todas as categorias;
  • Adoção da fórmula 105 ou 110 – idade mais tempo de contribuição para homens e mulheres;
  • Desvinculação dos benefícios do salário mínimo, o que pode levar a uma aposentadoria e pensão inferiores a 1 salário mínimo;
  • Fim da garantia dos reajustes anuais pelo INPC, no mês de janeiro, para aposentados e pensionistas, podendo ser inferior à inflação ou mesmo zero;
  • Aumentar a idade mínima de aposentadoria das mulheres de 60 para 65 e o período de contribuição de 15 para 20 anos;
  • Aumentar a idade mínima de trabalhadores rurais, de atualmente 60 para homens e de 55 para mulheres, para 65 ambos;
  • Reduzir o valor da aposentadoria por invalidez de 100% para 65% do salário mais 1% por ano de contribuição;
  • Aumento da idade e tempo de contribuição para aposentadorias especiais, de pessoas com deficiência e trabalhadores de áreas insalubres, expostos a riscos;
  • Fixação da pensão por morte em 50% ou 60% da remuneração, podendo reduzir a pensão para meio salário mínimo, com a desvinculação dos benefícios do salário mínimo;
  • Unificação das regras da previdência do setor público com o setor privado, com aumento de 11% para 14,5% da contribuição dos novos aposentados e pensionistas do setor público;
  • Redução do BPC/LOAS para meio salário mínimo, fim do abono salarial e mais restrições nas regras de concessão do seguro-desemprego.

Desmonte do INSS

Como se não bastasse a extinção do Ministério da Previdência Social, os desmontes chegaram também ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O governo ilegítimo exonerou a presidente – servidora de carreira do órgão – e os cinco diretores do INSS, agora vinculado ao MDSA. Foi nomeado para presidente o político Leonardo de Melo Gadelha, qua alcançou suplência para Deputado Federal, assumindo o cargo em dezembro de 2011, no qual permaneceu até março de 2014. Gadelha é mais um parlamentar da bancada evangélica da Câmara, defensor de fundamentalismos religiosos, em detrimento de políticas públicas universais, filiado ao Partido Social Cristão (PSC) desde 2009, e que agora está à frente de um órgão de tamanha magnitude e importância para a população brasileira.

Com a publicação da MP 731/2016 (especificamente no parágrafo 1° do artigo 2° desta), o INSS virou cabide de empregos para políticos que não possuem o menor compromisso, nem competência técnica para atuar na política previdenciária6. Um exemplo disso aconteceu na cidade de Aracaju/SE, onde foi nomeado para o cargo de Gerente Executivo do INSS o vice-presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB), pastor Aristóteles Fernandes, que não possui formação técnica para assumir cargo de chefia, ainda contrariando o Decreto 7.556/2011 e a Portaria INSS 387/2015, que exigem que as funções de Superintendente, Gerente Executivo, Gerente de APS, Chefias e Supervisores sejam ocupadas por servidores do quadro do Instituto. Tanto a referida Portaria quanto o Decreto não foram revogados e, assim, torna-se evidente mais uma das práticas ilegais do governo ilegítimo.

Referências

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio-PNAD/IBGE-2014

  1. http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/ANFIP-na-midia-Divida-ativa-da-Previdencia- Social-e-de-aproximadamente-R-340-bilhoes-Hoje-em-Dia_23-05-2016
  2. http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/ANFIP-desmente-rombo-na-Previdencia-Social_ 11-02-2015
  3. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/550763-em-tese-de-doutorado-pesquisadora-denuncia-a-farsa-da-crise-da-previdencia-social-no-brasil-forjada-pelo-governo-com-apoio-da-imprensa
    http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FEconomia%2FDeficit-da-previdencia-Que-deficit-%2F7%2F35445
  4. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/abrimos-a-caixa-preta-da-aposentadoria-dos- politicos/
  5. http://nosdoinss.blogspot.com.br/2016/07/inss-vira-balcao-de-empregos-para.html
    http://sindiprev-se.org.br/site/noticia/588/inss-vira-balc-o-de-empregos-para-polticos

Relações exteriores

A nomeação de José Serra para conduzir a política externa do governo ilegítimo não é algo casual. Não se trata de mera acomodação de interesses partidários ou prêmio de consolação pela perda da condução da economia. A nomeação obedece uma calculada estratégia destinada a criar as condições para tornar perene e sólida a pretendida restauração do neoliberalismo tardio no Brasil.

Todos sabem que as políticas internas influenciam a condução da política externa. Mudanças no governo produzem, com frequência, câmbios significativos na inserção internacional do país. Ao contrário do que algumas vezes que se diz, a identificação dos “interesses nacionais” que conduzem a política externa se dá, em uma democracia, com base em eleições, não em castas burocráticas. Mudando-se as condições internas, a política externa muda também, até mesmo porque, num país e num mundo em transformação, políticas externas imutáveis seriam extremamente ineficientes. Isso é bastante óbvio.

O que não é óbvio, por outro lado, é que a política externa e a inserção internacional do país também condicionam fortemente a condução das políticas internas. Na realidade, em alguns casos, a política externa pode criar balizamentos estreitos e irreversíveis para a condução das políticas internas. Pode até impedir, ou tornar muito difícil, a implantação de políticas autônomas relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico, ao desenvolvimento industrial e ao desenvolvimento socioeconômico como um todo.

Em síntese, a política externa e a forma de inserção no cenário mundial podem contribuir fortemente para tornar o Brasil, de novo, um país periférico, condenado a políticas neoliberais moldadas pelo capital financeiro internacional, que gera mecanismos de dependência de difícil reversão, uma vez sedimentados em instrumentos aparentemente neutros e “técnicos” dos tratados internacionais.

Nesse sentido amplo, José Serra, por suas posições conhecidas em temas de política externa, é o “homem certo no lugar certo” para criar as condições que tornem o neoliberalismo tardio não uma opção a ser escolhida em eleições livres e diretas, mas em imposição a ser cristalizada em acordos internacionais e numa inserção subalterna do Brasil nas “cadeias internacionais de valor”. Para tanto, algumas diretrizes já parecem delineadas.

O novo inquilino do Itamaraty já manifestou, por diversas vezes, que considera que o Mercosul foi um “delírio megalomaníaco, uma farsa, que paralisou a política de comércio exterior brasileira”. Tal tese não tem nenhuma base nos dados empíricos. Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 617%, ampliando mais de sete vezes, em apenas 11 anos. Saliente-se que, no mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme os dados da OMC, foi de 180%. Ou seja, o crescimento das exportações intrabloco foi, no período mencionado, muito superior ao crescimento das exportações mundiais.

Serra também já deu claros sinais de que reduzirá a importância dada a cooperação Sul-Sul e a celebração de parcerias estratégicas com países emergentes. Em diversas ocasiões, o Ministro classificou tais relaçoes como “ideológicas e terceiro-mundistas”, que impediriam que o Brasil se integre mais aos países que “verdadeiramente importam”, como os EUA e os europeus. Da mesma forma, o chanceler interino deu indicações de que pretende fechar Embaixadas brasileiras na África e no Caribe, com o intuito de reverter o processo de expansão da presença brasileira em países fora do eixo Europa-EUA.

Essa avaliação revela um grande desconhecimento das profundas mudanças geoeconômicas e geopolíticas pelas quais o mundo passou nos últimos 20 anos. O Brasil aproveitou-se bem, de forma pragmática, dessas mudanças geoeconômicas. No período de 2003 a 2013, as exportações brasileiras para os países em desenvolvimento cresceram fantásticos 515%, ao passo que nossas exportações para os tradicionais parceiros desenvolvidos aumentaram apenas 166%. Quanto aos saldos obtidos, as informações são ainda mais ilustrativas: o saldo acumulado com os países em desenvolvimento, com o Sul geopolítico, foi 9 vezes maior que o obtido com os países desenvolvidos. Esses saldos extraordinários foram de fundamental importância para reverter a vulnerabilidade externa da nossa economia, herdada do período neoliberal.

Com a escusa de fazer o Brasil participar das “cadeias globais de valor” e romper com o “isolamento imposto pelo Mercosul”, a ideia é firmar acordos comerciais de “nova geração”, como a TPP e a TTIP. Tanto a TPP quanto a TTIP são propugnados essencialmente por iniciativa dos EUA, com idênticos objetivos. São dois mega-acordos que colocam os EUA no centro das iniciativas econômicas e comerciais, objetivando maior projeção de seus interesses no mundo. O problema, além da assimetria óbvia entre as partes em negociação, está no fato de que esses acordos não são simplesmente acordos de livre comércio. Eles contêm cláusulas que vão muito além dessa dimensão.

No caso do TPP, dos 29 capítulos, apenas 5 dizem respeito a comércio de mercadorias. Na realidade, as novas regras inseridas nesses acordos já negociados ou em negociação visam promover os seguintes grandes objetivos.

O primeiro é abrir o comércio internacional de serviços, o setor econômico mais importante no mundo de hoje. Observe-se que, em países desenvolvidos, os serviços respondem por um montante que oscila entre 70% e de 80% do PIB, e as firmas desse setor que lá existem são bastante competitivas. No entanto, em muitos países emergentes e mesmo em alguns países desenvolvidos, tal setor é ainda bastante protegido, pois lida com atividades estratégicas e muitas vezes públicas.

A ideia presente no TPP e no TIPP é reduzir tal proteção e abrir esse setor à concorrência internacional. Assim, serviços relativos à saúde, à educação, à cultura, ao meio ambiente, à construção civil, ao provimento de energia, a consultorias diversas, as comunicações e, sobretudo, a bancos e finanças, bem como a vários outros, poderiam ficar expostos à concorrência de grandes supridores internacionais de serviços.

O segundo grande objetivo impor normas mais rigorosas de proteção à propriedade intelectual. A ideia aqui é impor aos Estados nacionais cláusulas TRIPS+, de modo a proteger de forma mais rigorosa, e por mais tempo, os chamados direitos de propriedade intelectual.

É essa flexibilidade do TRIPS que permite que o Brasil, entre outros países, possa desenvolver uma política de medicamentos genéricos, inclusive com quebra de patentes, para sustentar importantes vertentes da saúde pública, como o programa de combate a AIDS, por exemplo.

Pelas informações disponíveis, tanto o TPP quanto o TTIP pretendem acabar com essa flexibilidade, aumentar a proteção de patentes de medicamentos de 20 anos para 80 anos, ou mesmo para 120 anos. Pretende-se também limitar os casos previstos para licenciamento compulsório. Ademais, há o intuito de se ampliar a matéria patenteável, nela incluindo coisas que hoje, pelas regras do TRIPS, não podem ser objeto de patente e monopólio, como plantas e outros seres vivos, métodos de diagnóstico e de tratamento, técnicas cirúrgicas, recursos genéticos, etc.

Outra vertente de política pública que poderia ser comprometida por essas normas bem mais rígidas seria à afeta à ciência, tecnologia e inovação. Paradoxalmente, o excesso de rigor na proteção à propriedade intelectual desestimula a inovação, especialmente em médias e pequenas empresas, pois incide negativamente sobre o acesso materiais de pesquisa, muitos dos quais são objeto de patente e, portanto, objeto de monopólio. Assim, a possibilidade do Brasil desenvolver uma indústria competitiva se tornaria, no caso de adesão a acordos desse tipo, bastante remota. Teríamos maquiladoras, não indústrias. O ministério da ciência, tecnologia e inovação já foi extinto. Só falta extinguir o pouco da nossa ciência e tecnologia.

O terceiro objetivo é abrir o setor de compras governamentais à concorrência internacional. Desse modo, grandes empresas, em especial norte-americanas, europeias e japonesas, poderiam participar de concorrências promovidas pelo setor público em seus diversos níveis (nacional, estadual e local) para fornecer bens e serviços. Governos de países menos competitivos, com toda razão, resistem a este objetivo, pois sabem que as compras governamentais são de grande importância para aumentar a demanda interna e estimular empresas locais e nacionais.

O quarto e principal objetivo visa instituir um direito dos investidores, em detrimento das prerrogativas dos Estados Nacionais de controlarem os fluxos de capitais. Trata-se de construir, em âmbito praticamente mundial, um MAI (o famigerado e malogrado Acordo Multilateral de Investimentos), o qual foi negociado, em vão, no âmbito da OCDE, na segunda metade da década de 1990.

Um acordo desse tipo daria aos investidores estrangeiros vários privilégios, como o de exigir do Estado nacional reparações financeiras, caso as suas expectativas de lucro sejam diminuídas ou frustradas por ações governamentais, e o de poder acionar unilateralmente o Estado receptor dos investimentos em tribunais internacionais, passando ao largo dos tribunais locais, na eventualidade de surgirem quaisquer conflitos relativos aos seus investimentos.

Vale mencionar também que a legitimidade do governo interino e, consequentemente, de seu chanceler é questionada por diversos países e organismos regionais, como UNASUL, CEPAL, Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), OEA e o Parlamento Europeu.

Em contradição com princípio da Constituição (Art. 4o, parágrafo único), um dos primeiros atos do chanceler interino foi a publicação de notas desrespeitosas, em tom flagrantemente contrário à tradição diplomática do Itamaraty, como reação às manifestações de países da região de repúdio ao golpe. A iniciativa, além de solapar o projeto de integração regional, chega à vulgar ameaça de suspender projetos de cooperação técnica que se destinam a assegurar a vigência de direitos fundamentais com esse países.

Como se não bastasse, é público e notório que Serra é um dos candidatos às eleições presidenciais de 2018, o que coloca em xeque, desde já, a sua capacidade de liderar a política externa como política de Estado. O chanceler interino já demonstrou que pretende passar mais tempo despachando em São Paulo do que em Brasília. Em clara contradição com discurso de reconstruir uma política externa isenta de interesses partidários e em uma demonstração clara de aparelhamento da maquina pública para seus interesses eleitorais, Serra solicitou que o Escritório Regional do MRE em São Paulo (ERESP) tenha seu endereço transferido para uma instalação maior, apesar de a sede atual ter sido inaugurada recentemente, além de ter criado (Decreto 8817) dois cargos em comissão do Grupo-DAS 102.5, de um do Grupo-DAS 102.3 e de um do Grupo-DAS 102.2 com lotação naquele Escritório. Cumpre mencionar que o mesmo Decreto rompe com tradição do MRE de destinar cargos de confiança a servidores/as do quadro, permitindo que para as duas vagas criadas em São Paulo as nomeações sejam ainda mais discricionárias.

Ainda, na nova estrutura do MRE, foi extinta a Coordenação Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome, unidade que encabeçou a agenda de cooperação brasileira em matéria de segurança alimentar e nutricional e rendeu ao país alguns dos seus maiores logros diplomáticos como a eleição de um brasileiro ao cargo mais importante da Organização das Naçoes Unidas para Alimentação e Agricultura.

Por fim, o mesmo Decreto que aprova a nova estrutura interna do Itamaraty torna latente a sanha de que não se trata apenas de desconstruir a chamada política externa “ativa e altiva” implantada nos governos do PT, mas de reorientar a inserção internacional do país para os interesses das potências hegemônicas tradicionais.

Referências

http://plataformapoliticasocial.com.br/o-papel-da-politica-externa-na-restauracao-do-neoliberalismo-tardio-por-marcelo-zero/

Desenvolvimento Social e Sistema Único de Assistência Social (SUAS)

No campo da Assistência Social, as primeiras declarações do governo ilegítimo soaram o alerta da redução nas políticas de combate à pobreza, podendo resultar no agravamento da situação justamente dos mais vulneráveis, trazendo impactos negativos para o conjunto da sociedade. O Brasil é reconhecido internacionalmente por seu esforço de tirar 22 milhões de pessoas da extrema pobreza e virtualmente erradicar a fome em seu território. O Programa Bolsa Família hoje alcança 50 milhões de brasileiros.

O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) atende milhões de brasileiras/os em todo o território nacional, com ofertas públicas organizadas por níveis de proteção – Básica e Especial. Conta atualmente com uma rede socioassistencial pública-estatal de mais de 10.000 unidades no território nacional. Além disso, integram esta rede de proteção social as entidades e organizações de assistência social, corresponsáveis pela ampliação da proteção social.

O que está em jogo é a atuação das políticas públicas de assistência social, inclusão produtiva e segurança alimentar e nutricional voltadas para diferentes segmentos da população em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.

Ao invés de encarar os resultados dessas políticas como patamares mínimos de conquistas sociais que não deveriam sofrer, sob hipótese alguma, redução, descontinuidade ou retrocesso, o governo ilegítimo sinaliza pela sua contração, sob o falso argumento da eficiência. O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS transformado em Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário – MDSA é o órgão federal responsável por coordenar e garantir essas políticas. Até o momento diversos anúncios e ações revelam o propósito colocado para esta pasta, dentre estes:

Partindo do discurso da “autonomia” e meritocracia, o ministro anunciou que premiará os gestores municipais que realizarem a revisão dos beneficiários do Bolsa Família, buscando com isso a redução do número de pessoas que recebem o benefício.

O ministro interino, a despeito de todos os estudos e dados que já foram apresentados pela equipe técnica responsável pelo Programa Bolsa Família comprovando que as irregularidades no programa são mínimas e que existem ações em curso no sentido de saná-las, continua se utilizando do discurso da fraude no programa, de forma a legitimar a sua redução.

O ministro interino manifestou-se favorável a maior criminalização dos usuários de drogas, desconsiderando toda a construção das políticas nesta área e dos dados que provam que repressão e cárcere não reduzem uso de drogas nem violência. Nesta temática, o ministro interino inclusive exonerou sumariamente do cargo de coordenação um servidor que era o representante do MDS no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD, por este ter manifestado pela continuidade do debate e aprimoramento das políticas sobre drogas e sobre o papel do controle social sobre os serviços que atuam com a população usuária.

Ministro interino do Planejamento anunciou que benefícios precisam ser revistos, dentre estes o Benefício de Prestação Continuada – BPC, direcionado a pessoas com deficiência e idosas, a partir de critérios de renda e sociais/ambientais. Hoje são mais de 4 milhões de beneficiários. Chegou a anunciar que o beneficio poderia ser desvinculado do salário mínimo.

Foram anunciadas em 29 de julho 33 exonerações no MDSA. São servidores/as públicos comissionados/as que ocupavam cargos de coordenação e assessoramento. Todos/as profissionais técnicos/as qualificados/as e com formação e experiência nas áreas fins do Ministério. Ressalta-se que as secretarias do MDSA já há tempos vêm demandando a contratação de novos/as profissionais para repor e compor seus quadros, insuficientes hoje para atender a toda a demanda que a gestão de políticas nacionais requerem. As exonerações sumárias não vêm acompanhadas de planejamento de concurso público para tal fim, e portanto significam a precarização das estruturas e logo das políticas públicas, prejudicando a população brasileira. Utilizam-se do discurso mentiroso de inchaço na máquina pública do executivo e do aparelhamento político, mas exoneraram técnicos com alta competência e comprometimento com a política pública, está apartidária, direito do povo. Além disso, as exonerações foram realizadas de forma extremamente desrespeitosa com esses/as trabalhadores/as. Muitos/as deles/as ficaram sabendo que estavam demitidos ao ver o anúncio no Diário Oficial da União!

O debate sobre a focalização de diversas políticas de seguridade social e da redução da responsabilidade e participação do Estado na sua condução e oferta e como assegurador dos direitos básicos de cidadania vai na contramão dos principais debates no tema e apresenta à população uma falsa e ultrapassada dicotomia, que pressupõe a universalização como subordinada a um contexto orçamentário considerado favorável e não como garantia constitucional.

A ampliação dos serviços e benefícios socioassistenciais e do cofinanciamento aos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais não foi pautada por esse governo interino. O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, órgão de controle social desta política pública deve ser respeitado e autônomo, não sendo seus representantes, governamentais ou não, coagidos a adotarem posturas que contrariem as normativas desta política e os interesses públicos. É preciso fortalecer o caráter deliberativo dos Conselhos de Assistência Social e o cumprimento das normativas e pactuações do SUAS.

O golpe de Estado que sofremos trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, carregada de preconceitos contra os usuários das políticas – população pobre, negra, indígena, mulheres, LGBT, idosa e pessoas com deficiência, violadas nos direitos básicos, sem teto, sem acesso à educação e cultura – perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos. O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência e soberania nacional. Em suma, concentrar ainda mais a riqueza da sociedade para as mãos de poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, SUAS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.

Mais informações

https://maissuas.com.br

Sistema Único de Saúde (SUS)

Se, nos primeiros 15 dias de desgoverno, o ministro interino mencionou a possibilidade de redução do SUS, passados 90 dias, não se trata somente de afirmações, mas de atitudes e ações que demonstram nitidamente a intenção de desmonte do SUS. Caso tenham prosseguimento as manifestações de Ricardo Barros, o SUS passa a ser um mero prestador de serviços destinados a quem tem condições de pagar por um plano privado, ao invés de manter-se como política universal com organização de serviços e ações em diversos níveis de atenção à saúde, promoção e proteção à saúde, além de vigilância, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, conforme previsto na constituição.

Vale lembrar que o SUS é o único sistema público de saúde dentre os países com mais de 100 milhões de habitantes. Foi criado há apenas 25 anos, fruto de muita luta de movimentos sociais de trabalhadores/as de saúde, academia e usuários. Apesar de sua existência recente e constantemente ameaçada, o SUS vinha até este momento em um crescente de fortalecimento e qualificação, ainda que precise melhorar especialmente no que se refere a “gargalos” como o acesso para consultas com especialistas e alguns exames.

Com o que já é realizado e ainda com avaliações de que o próprio acesso ao SUS ainda precisa ser ampliado e qualificado, não há como se falar em redução do SUS. Ao contrário, é preciso maior orçamento para a saúde pública, ampliação e qualificação do atendimento à população, e também, melhorar a gestão e execução dos recursos. A seguir alguns dos passos no desmonte do SUS promovidos pelo governo golpista.

Nomeação de Secretário de Atenção à Saúde representante de entidades filantrópicas – raposa cuidando do galinheiro

Não bastasse um ministro que pouco entende de saúde, tem-se a nomeação de um Secretário de Atenção à Saúde, Francisco de Assis Figueiredo, com trajetória na gestão e representação de entidades filantrópicas. É discussão antiga, no SUS, o quanto as entidades filantrópicas ocupam grande espaço da prestação de serviços em saúde pública, o que não deveria ocorrer, caso houvesse maior financiamento diretamente aos serviços públicos. Ou seja, há claramente uma disputa sobre o direcionamento dos recursos, sendo que o controle sobre os serviços filantrópicos é muito menor do que os serviços próprios, no que se refere a formas de acesso, diretrizes de atendimentos, integração com a rede de atenção à saúde local. Essa escolha para o cargo de Secretário de Atenção à Saúde, cargo mais importante em termos de ações de saúde e de execução orçamentária, após o ministro, só reforça que a visão prevalente é de diminuir o SUS, se não, de desmontá-lo de maneira irrefreada.

Desmonte de programas de saúde, especialmente o Mais Médicos

Desde a tomada de poder pelos golpistas, o Programa Mais Médicos é alvo de diversos comentários e análises superficiais e equivocadas, como a de que o programa precisava passar a privilegiar os médicos brasileiros (desconsiderando que atualmente o programa já privilegia médicos brasileiros). É notável que houve certo recuo do ministro nas afirmações de fim do programa, mas certamente não pela falta que fariam à população, mas em decorrência de manifestações de prefeitos (inclusive do PMDB) que passam por eleição municipal em breve e que se prejudicariam muito com a saída dos médicos neste momento. Mais recentemente, em entrevista à Folha de São Paulo, o ministro novamente já demonstrou suas intenções com o programa. Disse que ele precisa acabar, uma vez que a provisão de profissionais é atribuição do município. Ora, se se foi necessário criar vagas em 4.058 municípios brasileiros, é porque não se trata de um problema que municípios, especialmente os pequenos e com receita baixa, conseguirão resolver isoladamente, sem apoio de estados e união.

O que é mais relevante, em todas as afirmações é que em momento, nenhuma preocupação é com o (des)atendimento à população. Por fim, apenas demonstrando o desconhecimento total sobre saúde, além de desrespeito às culturas tradicionais e mesmo a outras profissões da saúde, o ministro golpista diz que ao menos com o Mais Médico a população não precisa mais “recorrer ao famacêutico ou à benzedeira.

Invenção das doenças

Conforme publicado no Uol Notícias, em 16/07/2016, “o ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse na sexta-feira (15) que a maioria dos pacientes que procuram atendimento em unidades de atenção básica da rede pública apenas “imagina” estar doente, mas não está”. Em outra entrevista, ainda complementa, “Não temos dinheiro para ficar fazendo exames e dando medicamentos que não são necessários só para satisfazer as pessoas, para elas acharem que saíram bem atendidas do postinho de saúde.”

É fato que uma visão consumista da saúde tem ganhado cada vez mais espaço, e que muitos usuários realmente solicitam exames e medicamentos desnecessários, algo que precisa ser analisado seriamente na academia e nos espaços de gestão e de controle social da saúde, uma vez que inclusive pode levar a intervenções danosas à saúde. Isso é muito diferente de dizer que “a maioria das pessoas” procura unidades de saúde por problemas psicossomáticos, como algo depreciativo. Primeiro, porque problemas psicossomáticos devem também ser foco de atenção de profissionais de saúde e segundo porque não há dados que comprovem essa afirmação que parece ter saído da cabeça de Barros.

Além do mais, essa afirmação de Barros o coloca em grande contradição: historicamente é o modelo da saúde privada que promove a visão de saúde como consumo e, portanto, quanto mais intervenções, melhor. Assim, ao propor o aumento do uso de planos privados, em detrimento do acesso ao SUS, é justamente esse modelo de saúde que está sendo reforçado.

Plano de saúde popular

A Constituição Federal, no artigo 199, dispõe que “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste.” Ou seja, ainda que a luta dos movimentos da Reforma Sanitária brasileira não tenha sido exitosa em manter a saúde como área de ação exclusiva do Estado, o setor privado foi mantido como ação complementar ao Estado, portanto, e que, portanto, deveria atuar apenas nos casos de insuficiência dos serviço públicos. Ignorando isso, o ministro golpista vem, reiteradas vezes, defendendo que haja ainda maior participação da saúde suplementar, inclusive sugerindo a criação de planos de saúde populares. Esta proposta não é novidade e tampouco bem sucedida: basta resgatar o Brasil na época do INAMPS (focado no atendimento apenas curativo e procedimental e restrito a trabalhadores/as com carteira assinada) ou conhecer experiências de outros países, a exemplo dos Estados Unidos, que possui sistema de saúde totalmente baseado nos seguros privados e apresenta péssimos indicadores de saúde.

Chama atenção ainda a tendência que Barros tem de identificar bons resultados, ou mesmo resoluções fáceis para problemas com planos de saúde, em comparação com a visão sempre desqualificante do SUS. Frases como: “O atendimento vai ser muito bom, dentro do que for contratado” e “A pessoa não é obrigada a ter o plano. Se não estiver satisfeita, rescinde o contrato” demonstram o desconhecimento (ou a condescendência) em relação aos notáveis índices de insatisfação da população usuária de planos de saúde.

Vale destacar que não é à toa este forte incentivo do governo interino aos planos privados de saúde: um dos grandes financiadores da campanha de Barros para deputado federal pelo Paraná em 2014 foi Elon Gomes de Almeida, sócio do Grupo Aliança, administradora de benefícios de saúde.

Além disso, por visarem lucro, planos de saúde dependem de que as pessoas adoeçam e portanto não investem em ações de prevenção e de promoção de saúde. Ou seja, a afirmação de Barros de que quanto mais pessoas tiverem plano de saúde será melhor para o SUS é falsa, pois fortalecer o sistema privado de atendimento à saúde fortalece instituições, cujo principal objetivo não é a saúde da população. Um plano popular, tal qual proposto, contraria o principio constitucional de integralidade. Mesmo que até agora a “integralidade como sinonimo de tudo em saúde, apenas tenha significado permitir o lobby de empresas/laboratório e o “rent seeking” e até tenha incentivado a judicialização da saúde. Assim, com algumas outras declarações de Barros, fica evidente sua concepção de que saúde é passível de ser considerada uma mercadoria.

Integração dos Sistemas de Informação servem apenas para evitar fraudes, e não para melhorar o atendimento a população…

É notável a inabilidade de Barros em lidar com questões de saúde. Se ao assumir o cargo por diversas vezes falou que poderia apenas se manifestar sobre a necessidade de maior eficiência na gestão e no gasto público, dado que ainda precisava se apropriar das açõe do MS, passados três meses no cargo, o ministro ainda tem dificuldades de mencionar resultados de saúde para as iniciativas, mesmo as que considera prioritárias. Ao falar da agenda de fortalecimento da integração dos sistemas de informação em saúde, ao invés de apontar potencialidades dessa integração para a melhoria do SUS e principalmente para o atendimento à população, como diminuição em tempos de espera para consultas e exames, atendimentos mais qualificados por acesso a informações dos contatos do cidadão com os diferentes pontos da rede, Barros apenas consegue mencionar que a integração serve para evitar fraudes… Seria isso uma visão dos gestores golpistas, que pensam que toda a população é corrupta e oportunista como eles?

Para além das fronteiras do Ministério da Saúde, seguem as ações de desmonte do SUS pelo governo golpista:

Pulverização de inseticidas

A sansão de Temer à lei 13.301 que autoriza a pulverização de aérea com agrotóxico em áreas urbanas, desconsiderando diversos pareceres técnicos e áreas do Ministério. Envolve tanto os riscos dessa ações, quanto a ausência de eficácia comprovada, sendo mais uma evidência de que o desgoverno toma claramente o lado das grandes corporações e não o do conhecimento técnico e da eficiência, como alegam os golpistas.

PEC 241/2016

O desgoverno Temer apresentou PEC que limita as despesas primárias da União ao crescimento do IPCA, tendo validade por vinte anos. Além de ser uma medida crítica desde sua concepção, uma vez que trata de gastos com políticas sociais que garantem direitos básicos, como acesso à saúde e educação como se fossem dispensáveis, seus efeitos vão muito além das ações da União. Aproximadamente ⅔ do orçamento do governo federal para a saúde, por exemplo, é composto por transferências a estados e, principalmente, municípios, para que os serviços de saúde sejam prestados à população. Assim, o congelamento dos gastos incide diretamente na prestação de diversos serviços à população, sendo que obviamente quem sentirá maior impacto é a população com menor renda, que depende de maior número de ações do Estado.

O que esperar de um ministro da saúde que desconhece conceitos básicos de saúde; desrespeita reiteradamente preceitos constitucionais; toma decisões contrárias ao orientado por áreas técnicas (como no caso da pulverização de veneno nas cidades); afirma categoricamente que deve haver maior participação do sistema privado; e faz reuniões com movimentos sem nenhuma atuação na área da saúde, como o Movimento Brasil Livre e entidades médicas conservadoras, excluindo áres técnicas do CNS e do MS?

Se nos primeiros 15 dias de governo, as ameaças de desmonte do SUS foram fortemente disseminadas, na sequência do mandato golpista, o ministro e sua equipe estão de fato iniciando a concretização dessas intensões. Obviamente, que na maioria dos casos, não será por meio de decretos que determinem o fim de programas e ações, mas sim por meio de cerceamento técnico, contingenciamento orçamentário e demais manobras que levam ao esfacelamento do SUS e o fortalecimento da assistência privada à saúde.

Uma saúde integral e emancipatória, precisa de uma abordagem que visualize o ser humano em todos os seus aspectos atendendo suas necessidades em diferentes níveis de cuidado à saúde, contemplando desde as ações mais simples até aquelas que requerem maior complexidade e densidade tecnológica, desde a prevenção até tratamento e reabilitação. Para isso, é preciso garantir o SUS com acesso universal, gratuito e integral e cada vez mais qualificado.

E. Conclusão

As análises apresentadas neste documento oferecem uma visão ampla do processo de desmonte das políticas públicas orquestrado nestes 90 dias de desgoverno, ao mesmo tempo em que revelam uma atuação articulada sob a lógica de subordinação das políticas sociais à política fiscal, trazendo à tona a noção de que os direitos sociais assegurados na Constituição de 1988 não tem mais espaço no Estado e da primazia do mercado em relação à ação deste.

Desde de sua chegada ilegítima a presidência, o governo interino vem atuando para cumprir uma agenda de recuos na dimensão inclusiva do capitalismo contemporâneo. A despeito do discurso baseado em argumentos de eficiência e racionalidade, na prática seleciona-se uma série de setores e atividades que serão afetados ao passo em que são implementados novos tipos de intervenção Estatal. Trata-se, assim, de um processo de redução e de reinvenção restritiva e seletiva do Estado.

Nas esferas das políticas sociais, dos sistemas de proteção social e mercado de força de trabalho, avança-se sob a ótica do recuo da atuação Estatal, da privatização e da retirada de direitos. Com isso, fica inviabilizada a função social do Estado que deve contemplar a redistribuição da riqueza, a promoção da equidade e a garantia de políticas públicas universais baseadas em direitos integrais.

Temos vivenciado, neste ínterim, nomeações para as pastas ministeriais e autarquias que evidenciam a articulação dos principais grupos econômicos e políticos que se aliaram em torno deste projeto de poder e que vem assumindo cargos independentemente de possuírem expertise ou domínio sobre as temáticas para as quais são designados. Ao mesmo tempo, o gabinete golpista trabalha para esvaziar e desarticular os espaços de participação social, tais como conselhos e fóruns, principalmente daquelas áreas mais ameaçadas pelo projeto imposto, demonstrando o caráter autoritário das medidas implementadas.

Este projeto não foi eleito pelo povo. Estamos vivendo um golpe jurídico-parlamentar-midiático que afronta os nossos direitos e a democracia. No regime presidencialista, o julgamento político pertence única e exclusivamente ao cidadão que exerce esse direito nas urnas.