Educação para a desigualdade: receituário do governo interino para a área educacional

por De Olho no Golpe

A maioria da população brasileira votou na candidata do PT na última eleição presidencial, mas, pela obra e graça do golpe institucional praticado, está prestes a assistir ao retorno de políticas conservadoras e mercantilizantes na área educacional. Na partilha do poder entre as forças que perpetraram a derrubada do governo eleito, o Ministério da Educação coube ao DEM, que apontou o “grande nome” de Mendonça Filho para a pasta.

O currículo de “Mendoncinha” – como é conhecido em sua terra natal, Pernambuco – é absolutamente nulo na área educacional. Sua única experiência de gestão foi como governador tampão durante oito meses, quando o titular do cargo se afastou para se candidatar ao Senado Federal. Tampouco se destaca na política partidária, tendo herdado de seu pai um curral eleitoral no agreste pernambucano, que tem garantido aos Mendonças a presença perpétua na política pernambucana, sem qualquer contrapartida relevante em favor da população que eles representam.

Ciente de suas próprias limitações, o Ministro Mendoncinha resolveu terceirizar o comando do ministério para burocratas ligados ao PSDB, formando uma assustadora dobradinha com sua Secretária Executiva – uma espécie de vice-ministra –, Maria Helena Guimarães, que foi braço direito do ex-Ministro da Educação tucano Paulo Renato Souza, foi secretária de educação de José Roberto Arruda, no Distrito Federal e secretária de educação de José Serra, no Estado de São Paulo. Para entender o que está por vir na campo das políticas para a área educacional, precisamos compreender tanto os perigos do conservadorismo do DEM, quanto dos traços mercantilizantes do tucanato.

Comecemos pelo DEM, que encampou com entusiasmo a luta contra o acesso popular ao ensino superior. O partido chegou a ingressar com duas ações no Supremo Tribunal Federal para barrar medidas essenciais implantadas durante o Governo Lula: as cotas raciais para o ingresso nas universidades federais; e o PROUNI.

A instituição de cotas para ampliar o ingresso de negros no ensino superior, iniciativa dos próprios conselhos das instituições federais de ensino, gerou a inclusão (ainda tímida) de uma camada da população que sequer sonhava em ter acesso às melhores universidades do país. Já o PROUNI, ao trocar isenções tributárias sem contrapartida das instituições por vagas gratuitas em faculdades privadas, fez com que milhares de estudantes pobres pudessem se matricular em um curso que não poderiam pagar com sua própria renda. De formas diferentes, tanto as cotas como o PROUNI possibilitam o acesso ao ensino superior a um público historicamente marginalizado. Essas ações em prol da igualdade de oportunidades desagradaram ao DEM, que, como foi dito, contestou ambas judicialmente. E, para a sorte do povo pobre do Brasil, perdeu as duas ações.

O Ministro Mendoncinha, no entanto, pretende mostrar que as coisas sempre podem piorar. Na primeira semana de sua ilegítima gestão, deixou claro que mantém relações perigosas com um cidadão de caráter controvertido. Não se está falando aqui do ator Alexandre Frota – de quem trataremos mais adiante -, e sim do empresário José Janguiê Bezerra Diniz, proprietário do SER Educacional, um dos maiores grupos de educação superior privada do país. Janguiê, enquanto ocupava cargos públicos na Universidade Federal de Pernambuco e no Ministério Público do Trabalho sem praticamente pisar nessas instituições, direcionou seu tempo de trabalho para a construção de uma cadeia de instituições particulares de ensino, com a segurança do salário do serviço público que praticamente não desempenhava. Hoje é um tubarão do ensino privado superior e acaba de emplacar um ex-empregado seu como Secretário da Regulação e Supervisão do Educação Superior (SERES) do MEC. Isso mesmo. Mendoncinha nomeou um representante do empresário Janguiê para fazer a regulação do setor onde esse mesmo empresário tem concentrados seus interesses econômicos. Trata-se de Maurício Romão, que alega que deixou o emprego no grupo SER Educacional uns poucos meses antes de ser convidado pelo ministro do governo interino. Já se pode imaginar como será a regulação das faculdades privadas daqui pra frente…

Mas tratemos de Alexandre Frota agora, uma das primeiras “personalidades” a ser recebida pelo ministro ilegítimo. Em primeiro lugar, vale lembrar que o ator, além de não ter qualquer histórico de atuação na área educacional, é conhecido por fazer declarações machistas em redes sociais e chegou a confessar (aos risos) em programa televisivo exibido em cadeia nacional ter estuprado uma mulher inconsciente. É importante saber, ainda, que o ator foi recebido pelo ministro golpista antes de qualquer reitor de universidades e institutos federais.

Talvez mais assustador que a primazia da audiência é o seu tema: a implantação da ideologia do movimento Escola Sem Partido na educação básica brasileira. O Escola Sem Partido pretende limitar a liberdade de cátedra dos professores, na pretensa busca de uma educação “desideologizada”. O grande objetivo, na verdade, é tolher as discussões naturais e necessárias no âmbito de disciplinas como história, geografia, sociologia e filosofia, instrumentalizando a perseguição política a professores que manifestam visão de mundo que desagrada a pais conservadores. Esse movimento absolutamente reacionário e medieval foi a primeira entidade da sociedade civil a entregar uma proposta ao ministro golpista Mendoncinha. Não por coincidência, no dia 2 deste mês de junho foram exonerados sem qualquer aviso prévio 23 assessores técnicos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Aparentemente, a audiência já está dando resultados.

Mas, como mencionado no início deste texto, o DEM não assumiu o MEC sozinho. Está trazendo consigo uma experiente equipe do PSDB. Mas experiente em quê, precisamente? Bom, primeiro precisamos lembrar da nada saudosa gestão do ex-Ministro Paulo Renato Souza e depois fazer um rápido balanço das experiências mais atuais dos tucanos nas secretarias de educação dos estados que governam.

Paulo Renato Souza foi o titular do MEC nos dois mandatos de FHC e é preciso reconhecer o papel de sua gestão na universalização do ensino fundamental e na criação do FUNDEF (mais tarde enormemente ampliado pelo Governo Lula no formato do FUNDEB). Mas sua outra grande pauta, condizente com o espírito de estado mínimo e fragilizado do governo tucano, era o quase completo estrangulamento orçamentário das universidades federais e concomitante liberalização plena do mercado do ensino superior para os grupos educacionais privados.

Os resultados dessa política são bem conhecidos: instituições públicas de excelência sucateadas lutando para manter padrões mínimos de qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, juntamente com a criação abrupta de centenas de faculdades privadas sem qualquer controle de qualidade, com foco único e exclusivo no lucro. Essa instituições privadas concentraram suas atividades em cursos de baixo custo e alta procura, produzindo uma massa de bacharéis com qualificação fragilizada. Em paralelo, mantinha-se o ônus de formar engenheiros, cientistas e profissionais da saúde em um sistema público sem recursos. A regulação do ensino superior foi reformulada nos governos do Presidente Lula, com a implantação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) como base para a regulação do ensino superior, e, no primeiro governo Dilma, em 2011, foi criada a Secretaria da Regulação e Supervisão do Educação Superior (SERES) como embrião de uma agência de regulação do ensino superior, com carreira própria e independente, dando um passo importante para uma maior institucionalização da regulação. Todo o avanço dos últimos anos para consolidar a regulação setorial, no entanto, pode ser rapidamente desfeito ao se colocar à frente da secretaria uma pessoa vinculada diretamente a interesses do setor regulado.

Mais recentemente, governos estaduais do PSDB têm se destacado na pauta educacional ao tentar privatizar a gestão de escolas públicas e usar como principal metodologia de diálogo com estudantes e professores a repressão policial. Em São Paulo no ano de 2015, a famigerada “reorganização” escolar do Governo Alckmin deu início a uma onda de ocupações estudantis em escolas públicas. A repressão foi assustadora: a tropa de choque alckmista usou de violência extrema contra jovens desarmados. Nada inédito, uma vez que no início do ano o Governador Beto Richa já tinha feito o mesmo contra professores grevistas desarmados, deixando mais de 200 docentes feridos no enfrentamento com a polícia do Paraná.

A mais fantástica experiência tucana de gestão educacional, no entanto, é provavelmente a do Governador Marconi Perillo, no Estado de Goiás. Combinando a vocação privatista com o caráter cada vez mais conservador do PSDB, a gestão das escolas estaduais está sendo entregue a organizações sociais e – pasmem – à Polícia Militar. Mais uma vez os estudantes reagiram a esse retrocesso institucional ocupando escolas e realizando protestos públicos, sendo mais uma vez reprimidos com violência.

Vale notar que as políticas educacionais executadas nas gestões tucanas e agora importadas para o âmbito nacional, a despeito do discurso de modernização e de eficiência, não trouxeram resultados minimamente satisfatórios. Isso pode ser visto nas notas decepcionantes no IDEB, principal indicador de qualidade da educação, dos sistemas estaduais de ensino sob o comando do partido. São Paulo obteve, entre os estudantes do terceiro ano do ensino médio, nota 3,7 (na escala de 0 a 10) na última edição do exame, em 2013, ainda menor que a da edição anterior, em 2011, quando ficou com 3,9. Goiás também não mostrou desempenho melhor: a nota da rede pública estadual ao final do ensino médio foi de 3,8 em 2013. Tanto em Goiás, quanto em São Paulo, o governo do Estado está nas mãos da mesma coalizão ininterruptamente desde os anos 1990: em São Paulo, o  PSDB assumiu o comando em 1995; em Goiás, em 1999. Alckmin já foi vice-governador por dois mandatos e governador em outros três; Perillo está em seu quarto mandato como governador. Parece tempo suficiente para demonstrar a falência dessas políticas.

Essa temerária coalizão Demo-Tucana assume o MEC em um momento crucial. Primeiramente por conta das pautas estratégicas que estavam em andamento antes do golpe, dentre as quais se  destacam:

  1. a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, documento político-pedagógico que irá embasar todos os currículos escolares estaduais e municipais do país; e
  2. a constituição do Sistema Nacional de Educação – SNE, que, à imagem e semelhança do SUS, pretende articular de maneira mais inteligente as ações federativas no campo educacional.

No caso da Base, as inclinações conservadoras podem eliminar a diversidade e a pluralidade necessárias para que o documento possa ser legitimamente aplicado nos milhares de estabelecimentos públicos de educação básica do Brasil; no caso do SNE, há risco até do abandono do projeto, uma vez que um sistema unificado e forte é um óbice à redução de recursos para a área educacional (vide o posicionamento do ministro golpista da saúde, Ricardo Barros, em relação ao SUS).

A segunda razão para apreensão é que a coalizão ilegítima que assumiu a Educação, ao contrário de qualquer força política eleita, está pronta para aceitar sem protestos um inédito ataque aos investimentos na área, que vinham crescendo sólida e justificadamente há praticamente 20 anos. O teto de gastos já anunciado pelo governo golpista servirá na prática para congelar os valores do investimento em educação da União, uma tragédia num país em que o gasto por aluno da educação básica ainda é de um terço do realizado em países desenvolvidos. Se o teto tivesse sido aplicado na última década, o gasto em educação seria aproximadamente metade do que é hoje.

Não podemos permitir tantos e tamanhos retrocessos. Uma educação pública de qualidade ainda é um dos poucos caminhos que uma população pauperizada e segregada como a de nosso país tem para encontrar (ou criar) oportunidades de ter uma vida melhor.

Tânia Rêgo/Agência Brasil/Fotos Públicas

Tânia Rêgo/Agência Brasil/Fotos Públicas