A Câmara em regime de exceção: permanecem os ânimos

Após um ano e quatro meses de gestão na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha e sua Mesa Diretora deram uma amostra do estado de exceção que seu grupo político pretende implementar: não apenas em todo o funcionalismo público, mas também em todo o país. O arbítrio, a exclusão, a priorização dos interesses particulares sobre os públicos, a falta de espírito democrático, enfim, infelizmente foram a tônica de sua administração. O Comitê pela Legalidade da Câmara denuncia aqui aqui algumas dessas práticas como alerta à sociedade. Entre alguns servidores, permanecem os ânimos inconformistas, permanece a recusa à ausência de diálogo como regra e à opressão como fato consumado a ser aceito em silêncio.

Antes mesmo de assumir a presidência da Câmara, Cunha adiantou-se em programar as obras de uma Parceria Público-Privada para a construção daquele que seria conhecido na imprensa como “Parlashopping” – na verdade um prédio de escritórios para lobistas – com mais de vinte mil metros quadrados de área privativa comercial em lotes públicos.1 Em troca, a empresa não construiria novos plenários, nem espaços para acolhimento da sociedade. Seria realizado um novo bloco de gabinetes privativos para os deputados. Porém, a PPP foi malograda. Nenhuma empreiteira se interessou em apresentar proposta – prova da pouca efetividade de uma prática gerencial supostamente inovadora.

Nenhuma inovação porém estava por trás da implementação de controle de frequência eletrônica dos servidores da Casa. Iniciativa levada a cabo de ofício, sem regulamentação ou sistema informatizado confiável suficientemente desenvolvidos, e principalmente sem diálogo com representantes da classe.2 Garantir a presença de funcionários no órgão evidentemente não é sinal de aumento de sua produtividade: como foi implementada tratou-se somente de uma medida repressiva, à que se seguiriam outras. Os servidores da Câmara dispõem de um plano de saúde com um fundo particular. A Mesa prontamente buscou meios de interferir em sua gestão, num verdadeiro ataque aos bens e direitos dos trabalhadores. Só recuou parcialmente após veemente ato às portas da presidência, em 19 de junho de 2015.3 O achaque aos funcionários do quadro continuou: a Mesa ordenou a exoneração arbitrária de experientes diretores das áreas de engenharia,4 informática,5 documentação,6 gestão socioambiental – quer como simples bodes expiatórios por seus próprios erros, divulgados pela imprensa, quer como represália por não confirmar declarações do Presidente. De modo a controlar politicamente a divulgação de seus atos, a Mesa alterou ainda a estrutura Administrativa da Secretaria de Comunicação da Casa, dando sua direção a um parlamentar – um cargo que sempre havia sido ocupado por servidores do quadro.7 Entre estes, permanecem os ânimos de que ainda será possível restaurar a pluralidade de opiniões própria de uma verdadeira democracia.

O franco acesso da população a seus edifícios sempre fora uma das peculiaridades da Câmara dos Deputados. Com a atual Mesa, porém, tal liberdade de entrada foi drasticamente reduzida. As restrições tiveram início com o fechamento das galerias do Plenário Ulysses Guimarães, e culminaram com o bloqueio total de metade dos edifícios (mesmo a servidores) às vésperas da votação da admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Roussef, em 17 de abril de 2016.8 As restrições continuam ainda hoje: a pretexto de uma troca de balcões de atendimento, foi ordenado recentemente o fechamento total das portas do Edifício Anexo II – local das comissões – durante toda a semana de votação do processo de cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Na mesma semana – de 6 a 10 de junho de 2016, foi “testado” um sistema de reconhecimento facial neste edifício – a cargo de uma empresa colombiana.9 Mas permanecem os ânimos combativos dos defensores de direitos humanos no país, que ainda encontram meios de participar diretamente do debate político.

De modo a calar as vozes discordantes, a Mesa não apenas contratou uma guarda particular para proteção pessoal do presidente, como também transformou a Polícia Legislativa do Parlamento numa verdadeira tropa de choque – tanto na indumentária quanto em novos treinamentos. Hoje quem entra na Câmara se depara com verdadeiros “Robocops”, paramentados com coletes à prova de balas, capacetes, “tasers”, spray de pimenta (já usado mesmo dentro dos edifícios) e outros equipamentos de confronto direto – e não de diálogo e mediação. Armando-se a polícia, coloca-se em risco tanto a segurança do público quanto a dos próprios agentes. As restrições acabariam por estender-se à liberdade de expressão. Em dura nota interna divulgada 31 de março de 2016, a Administração da Casa informou que sujeitaria a “apuração legal” os autores de um brando manifesto veiculado na véspera, fora do ambiente de trabalho, pelo Comitê pela Legalidade.10 Mas permanecem os ânimos e a certeza de que é permitido ao servidor público ter opinião e voz política.

Estes exemplos são apenas alguns dentre muitos episódios de arbítrio, de autoritarismo, de imposição pela força praticados pela atual Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, comandada pelo deputado, hoje afastado, Eduardo Cunha. São indícios evidentes de que estes políticos não são verdadeiros democratas. Impõem suas visões de mundo pela força, em lugar de construí-las com diálogo. Não se trata de um problema interno apenas dos servidores ou cidadãos que frequentam o Parlamento. É um problema de todos os brasileiros: alguns deste grupo que implementou um verdadeiro regime de exceção na Câmara estão entre os que ascenderam ao poder no país, com o afastamento de Dilma Roussef. Mas hão de permanecer os ânimos e a esperança de que ainda é possível construir um Brasil mais justo e solidário por meio da democracia.

Comitê pela Legalidade.

Brasília, 24 de junho de 2016.

Serviço Público pela Democracia

Serviço Público pela Democracia


  1. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1631662-cunha-vence-e-deputados-dao-aval-a-construcao-de-shopping-na-camara.shtml
  2. Na realidade, o ponto eletrônico nunca foi aplicado ao Secretariado Parlamentar. Mesmo quando foi regulamentado para os Cargos de Natureza Especial (CNEs), ficou aberta a possibilidade de que, “a critério do parlamentar titular … o servidor poderá ser dispensado excepcionalmente do registro” (veja-se o Ato da Mesa 24/2015 e a Resolução 9/2015 da Câmara dos Deputados). Veja-se também a matéria no Congresso em Foco: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/camara-institui-ponto-eletronico-para-secretarios-parlamentares/
  3. http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-06-19/funcionarios-da-camara-protestam-contra-cunha-por-plano-de-saude.html
  4. http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2015/03/04/internas_polbraeco,473872/cai-a-farra-do-aviao-mas-a-do-shopping-dos-deputados-prossegue-na-cam.shtml
  5. http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/04/eduardo-cunha-demite-chefe-da-area-de-informatica-da-camara.html
  6. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1702795-cunha-exonera-diretor-que-teria-reclamado-de-pressao.shtml . A exoneração de Eiras, da Informática, foi um dos motivos elencados pelo STF para justificar o afastamento de Cunha do cargo em 2016.
  7. http://oglobo.globo.com/brasil/cunha-aprova-projeto-para-que-um-deputado-comande-orgaos-de-comunicacao-social-da-camara-15581641
  8. http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/04/camara-tera-acesso-restrito-em-semana-de-votacao-do-impeachment.html
  9. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1778879-camara-faz-teste-para-instalar-sistema-para-reconhecimento-facial.shtml
  10. http://servidor.adv.br/noticias/servidores-da-cmara-dos-deputados-so-impedidos-de-participar-de-reunio-contra-impeachment/410398740