Partidos políticos no Parlamento: grupos privados usando recursos públicos


A estrutura física e o número de cargos que o parlamento brasileiro disponibiliza aos partidos políticos serve de atrativo para organizações políticas e atores fisiologistas, é preciso lançar luz sobre esta estrutura, se queremos superar nossa crise de representação.

No serviço público, o equilíbrio entre vontade política e capacidade administrativa ocorre sobre um fio tracionado por um lado pelos cargos comissionados, nomeados pelos representantes eleitos pelo povo, e por outro os servidores efetivos, aprovados em concurso público – tensão temperada ainda pelos servidores efetivos com conexões políticas. No Poder Legislativo federal, porém, há um desequilíbrio. Dos 15 mil funcionários da Casa (aos que se somam 3 mil terceirizados), pouco mais de 3 mil são concursados. A maior parte dos funcionários são Secretários Parlamentares, até 25 pessoas contratadas diretamente pelos Deputados para seus gabinetes pessoais, a um custo de R$ 78 mil reais mensais por parlamentar. Abordaremos aqui, porém, uma outra categoria: os chamados Cargos de Natureza Especial – CNEs. São hoje pouco mais de 1600 pessoas contratadas desta maneira na Câmara, diretamente pela Mesa Diretora, pelas comissões ou pelas lideranças partidárias.

Instituições privadas em órgãos públicos

Mas por que as lideranças partidárias teriam direito à contratação de pessoal às custas do erário? Na verdade, esta benesse é apenas uma parte da grande estrutura paga pelos cofres públicos para os partidos políticos no parlamento. É preciso que a população compreenda o que ocorre e que esta realidade seja submetida ao escrutínio público.

Uma coisa é garantir o funcionamento do partido, por meio da constituição de bancadas, dentro das Casas Legislativas, garantindo certas prerrogativas aos líderes (tema também sujeito a questionamento). Outra coisa é bancar uma estrutura completa para elas, as bancadas, dentro de cada Casa, com “direito” a sala, eletricidade, telefone, rede de computadores, computadores, funções comissionadas. Incluem-se aí as problemáticas funções para servidores concursados que, nesse caso – embora tenham se submetido a um concurso público, para atuar dentro de instituições estatais em prol da sociedade – passam a servir a um partido político, tornando-se inclusive, não raro, verdadeiros funcionários daquele partido. Na prática, portanto, tratam-se de escritórios particulares dos partidos pagos com dinheiro público.

Não há qualquer previsão legal para a cessão gratuita de áreas do parlamento aos partidos políticos ou a seus órgãos. Afinal, estas instituições já contam com o Fundo Partidário, e poderiam – no mínimo – arcar com a cessão onerosa e os custos desta estrutura. Ou seja: pagar aluguel como todos pagamos, pagar pelo uso da internet, pela eletricidade, pela água, pela manutenção.

Não há justificativa moral para que o contribuinte banque o funcionamento das estruturas criadas, que pague o salário de CNEs e muito menos, repita-se, que se tenha Funções Comissionadas disponibilizadas para elas, com servidores públicos sendo transformados em funcionários de partidos políticos, que são, conforme estabelece a Lei 9096/95, “pessoa jurídica de direito privado”. Some-se a isso as diversas Fundações e Associações privadas abrigadas gratuitamente dentro do Congresso, como a Fundação Ulysses Guimarães (PMDB), a Fundação Milton Campos (PP), a Fundação Instituto Pedro Aleixo (PSC). Uma visita aos sites destas instituições particulares mostrará seu funcionamento em pleno Anexo I da Câmara dos Deputados.

É certo que a democracia representativa, para manter-se sadia e forte, depende da existência de partidos igualmente robustos. É verdade que o partido político é legitimo, fundamental, para garantia de um Estado Democrático de Direito. É certo também, por outro lado, que estes partidos devem ser autônomos, independentes, apartados do Estado – a despeito do Fundo Partidário. Disputam o poder e podem participar da direção do Estado, mas não devem se confundir com ele, e sua relação com a infraestrutura física do Parlamento deve ser aquela de uma instituição privada com um órgão público.

Lembremos que os deputados (individualmente) já contam com uma gigantesca estrutura, um gabinete, como indicado acima, que pode contratar até 25 funcionários (de acordo com o como desejar dividir os salários entre estes) e muitos recursos, incluindo a famosa Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar que pode alcançar o valor de R$ 45.612,53 (quarenta e cinco mil, seiscentos e doze reais e cinquenta e três centavos) por mês, para os deputados de Roraima, e de R$ 30.788,66 (trinta mil, setecentos e oitenta e oito reais e sessenta e seis centavos) para os deputados do Distrito Federal, que destina-se a cobrir gastos com aluguel de carro, combustível, de escritório nos estados, divulgação, alimentação, telefonia, consultorias etc. Além disso, o deputado conta também com um auxílio-moradia, caso não ocupe um imóvel funcional – mas, de qualquer modo, tem moradia paga com dinheiro do contribuinte –, recebe jornais, revistas e publicações técnicas de graça, pode solicitar (além do uso que faz da CEAP) confecção de trabalhos gráficos, reprodução de documentos e material de expediente, e sua remuneração corresponde ao teto do serviço público, a saber, o salário de ministros do Supremo Tribunal Federal.

No Senado, a situação não é muito distinta, com a diferença de que servidores concursados assumem funções nos gabinetes e os gabinetes podem ter dezenas de funcionários contratados.

Não se trata aqui de um falso moralismo, de uma defesa do corte de recursos para o cumprimento da função pública do Legislativo. A função pública necessita de recursos para ser exercida. Sabe-se que este tipo de visão pseudo-espartana, por assim dizer, favoreceria justamente os políticos de partidos abastados – que não precisam de recursos públicos para montar seu escritório. Tampouco se trata da defesa irrestrita da burocracia estatal concursada, que costuma ascender ao poder justamente em estados totalitários. Trata-se, isso sim, de submeter a escrutínio público constante tais mecanismos, e buscar simplificá-los ao máximo. Trata-se de tornar mais transparentes os gastos públicos com o parlamentar, evitando desvios personalistas tornados possíveis por um intrincado sistema de benefícios e rubricas. Tantos benefícios, tão detalhados quanto obscuros, cumprem uma função clara no jogo do poder: favorecem o surgimento de políticos fisiologistas, que se ocupam antes em garantir a gestão destes vultuosos recursos que em realizar sua função pública. Se o cerne da crise política que vivemos é a crise de representação, tão importante quanto uma reforma política é uma revisão do tipo de representante que esta grande estrutura burocrática atrai.