Reestruturação do MinC (Mini-Estéril?)

Exonerações em massa (Desaparelhamento?!), Processo Seletivo Interno para Servidores Efetivos (Valorização?!), Reestruturação do MinC (Mini-Estéril?), Aparelhamento pelo PPS (a olhos vistos)

Em julho de 2016 houve exonerações em massa no MinC. Foram mais de 80 servidores ocupantes de cargos e funções comissionadas exonerados numa primeira leva em finais de julho, mas chegou à absurda cifra de 117 em agosto, com a publicação do Decreto 8837/2016 que estabeleceu a nova estrutura do MinC, extinguiu os cargos e exonerou automaticamente quem ainda estava ocupando os cargos. Tudo fez parte da propaganda do desgoverno Temer em relação ao corte de gastos e equilíbrio das contas públicas. Com a redução muito significativa da força de trabalho, essa extinção de cargo impactou diretamente na execução e acompanhamento de muitas ações, comprometendo gravemente as políticas culturais. Calero cumpriu fielmente as ordens do núcleo golpista instalado no Planalto.

Antes de abordar o tema do prejuízo às políticas públicas, é preciso tratar da forma como a gestão Temer-Calero fez essas exonerações e extinções de cargo.

A notícia sobre corte de cargos não era novidade. Já era debatida no primeiro governo Dilma (2011-2014) e ganhou muita força em 2015. Havia negociações, estudos e debates na gestão Juca Ferreira nesse sentido. Os números que circulavam nos corredores do MinC variavam, e de fato nunca foram menores do que 30, mas fala-se sobretudo em torno de de 60. O que a gestão Temer-Calero fez, no entanto, foi uma medida impulsiva, midiática, inadequada, irresponsável, desrespeitosa e perversa, pelo que expomos a seguir:

  1. Em sua maioria, os servidores ficaram sabendo da notícia pelo Diário Oficial. Havia rumores circulando há algumas semanas nos corredores, mas eram muitas as versões e controvérsias. Não houve uma comunicação respeitosa aos servidores que seriam exonerados;
  2. Não houve por parte do Gabinete do Ministro esforço político para negociar com a Presidência a quantidade de cortes. Pelo contrário, a impressão que ficou é de um ministro que queria mostrar ser um bom cumpridor de ordens. Em outras pastas o corte encomendado não foi cumprido com tanta submissão como no MinC;
  3. Não houve estudo técnico para adoção de critérios razoáveis. Adotou-se o critério único e absurdo de exonerar todos os servidores não-concursados, sob a sedutora lábia de “valorização dos servidores de carreira (os efetivos, ou também chamados de “concursados”) e luta contra nepotismo e nomeações político-partidárias. Alguns cargos foram de fato extintos e os que sobraram foram em grande parte transformados em funções exclusivas destinadas a servidores concursados (FCPE), por meio do chamado “processo seletivo simplificado (PSS)”.
  4. Não houve um estudo de impacto dos cortes, um planejamento de implementação por etapas, um planejamento de transição. Com isso, alguns setores fundamentais do MinC simplesmente pararam durante algumas semanas, e depois retomaram atividades em ritmo muito lento. Vários dos servidores exonerados estavam no órgão há mais de 5 anos, muitos há mais de 10 anos, e não havia pessoal qualificado dentre os servidores concursados para substituir todas as pessoas à altura de forma imediata. Em alguns casos, é importante registrar, os cargos foram ocupados por servidores que sim estavam capacitados, mas relatos diversos de servidores do MinC, bem como de interlocutores da sociedade civil que têm projetos tramitando atualmente no MinC apontam para um cenário de muitos casos em que a medida, pela forma como foi feita, gerou mais prejuízo do que benefícios, e prejuízos significativos para o órgão. Fizeram um bolo sem seguir os passos necessários, pularam etapas, retiraram ingredientes, substituíram ingredientes importantes por outros que estavam à mão na pressa midiática de gerar notícias ribombantes custe o que custar. Depois jogaram corante, conservante, saborizantes artificiais, fizeram uma foto editada com photoshop e jogaram na mídia como mais uma medida desesperada de legitimar o (des)governo Temer.
  5. Um dos aspectos mais perversos dessa onda de demissões foi atitude do então ministro Calero de ir à imprensa dizer que estava operando um desaparelhamento do MinC. Muitas fontes escutadas, de servidores, ex-servidores e interlocutores frequentes da sociedade civil próximos ao MinC, dão conta de que foi leviana e perversa a declaração do ex-ministro Calero, posto que muitas e muitos dos 81 exonerados não tinham qualquer vinculação partidária com o PT ou outros partidos da base do governo Dilma Rousseff, e em alguns casos, pelo contrário, eram pessoas cujas posições políticas tinham simpatia muito maior pelos partidos de direita. A maioria absoluta dessas pessoas estava lá por sua competência técnica, pela sua experiência, e foram mantidas nos cargos pelos governos petistas tão somente por isso. É perverso um ministro dizer isso à grande imprensa no dia em que saem os nomes dessas pessoas em uma lista de exonerados difundida amplamente pela grande mídia. A afirmação desqualifica essas pessoas, desrespeita e prejudica sua trajetória profissional e sua honra. Não fosse o medo e o desconhecimento dos meios legais, muito desses servidores poderiam até ter processado o ex-ministro Calero por essas afirmações. Reportagem do Estadão à época “matou a charada”, entre aspas porque de charada não tinha nada, era mais do mesmo: “Segundo fontes ouvidas pela reportagem, as exonerações no Ministério da Cultura ocorreram para ‘acomodação’ política de outros indicados”. A notícia se referia à gestão Calero, mas cumpre registrar que praticamente todas as indicações e nomeações em cargos feitas pela gestão Roberto Freire são quadros do PPS, e muitos com trajetória dubitável no campo cultural.
  1. O processo seletivo interno realizado para ocupação dos cargos pelos servidores efetivos (concursados) teve graves falhas:
  • Muitos cargos foram postos em concorrência ao mesmo tempo, e muitos relatos apontam que não havia pessoal capacitado para ocupar todos eles dentre os servidores efetivos. Com isso, alguns cargos terminaram sendo ocupados por pessoas sem a qualificação suficiente, gerando situação temerária para o MinC e para o próprio servidor que ocupa o cargo;
  • A descrição dos cargos era pouco precisa em muitos casos, confundindo os servidores;
  • A estrutura do MinC estava em mudança, e não havia definição final em muitos setores, ou quando havia não circulava a informação correta, e sendo assim muitos servidores não sabiam com clareza qual seria a estrutura e atribuições regimentais dos setores que iriam chefiar ou coordenar.

Eis o resultado da reestruturação do MinC feita por Calero e sua equipe:

Cabe destacar que nenhuma fase do processo de reestruturação – inclusive o plano de valorização dos servidores – contou com a efetiva participação dos servidores, ainda que mediante sua associação representativa da classe. Além disso, o processo foi criticado pela falta de transparência, pois poucas informações foram divulgadas no decorrer da reestruturação, que ocorreu sem nenhum diálogo prévio com os técnicos competentes.

Registre-se também a imensa demora para concretizar várias nomeações, gerando instabilidade e ainda maior lentidão às ações do MinC. Como houve trocas abruptas em grande escala em toda esplanada, e com um clima estabelecido de minuciosas consultas à vida política de cada um dos novos indicados, em clima de medo e desconfiança geral, algumas nomeações levaram meses e meses para se concretizar.

Há anos, os servidores e trabalhadores da Cultura denunciam que o número de servidores é insuficiente para a gestão dos diversos programas que são fundamentais para a sociedade, ressaltando a necessidade de realização de concursos públicos e estruturação de um plano de carreira. Essa redução, executada sem o planejamento necessário para garantir uma transição que possibilite a continuidade dos programas, aprofunda a crise de pessoal em que estamos inseridos, que consequentemente gera impactos no atendimento à sociedade. O número de servidores vem diminuindo ao longo do tempo, pela ausência de novos concursos, evasão causada pelos baixos salários e falta de um plano de carreira, e pelo processo natural de aposentadorias. Nessa infindável e fantasiosa busca por um “Estado mínimo”, o MinC vai se tornando um “mini-estéril”.

A gestão Calero se empenhou em expor à sociedade um possível caráter moralizador de tal ação, mas não chegou a apresentar ações e programas prioritários, nem informou claramente quais programas e ações seriam de fato continuados ou não. Muitas políticas, programas e ações foram fruto de longos processos de discussão com a sociedade, e constam no Plano Nacional da Cultura, que define metas a serem cumpridas até 2020. A nova estrutura de cargos, portanto, deveria se fundamentar na definição das políticas e ações, e ser amplamente discutida com os servidores e a sociedade.

Embora a justificativa de tal medida seja o desaparelhamento do MinC, como já exposto isto não se aplica em boa parte dos casos, já que muitos dos exonerados estavam há anos no ministério e não tinham vinculação político-partidária. Assim, ficou tão evidenciada a imprudência da decisão, que dias depois o ministro anunciou o retorno da equipe gestora da Cinemateca. No entanto, na maioria dos casos não houve essa reversão das exonerações, e os prejuízos estão vigentes.

É lamentável, portanto, o uso dos servidores para justificar a exoneração de mais de 80 cargos comissionados, por entender que os procedimentos adotados não atendem ao critério democrático e de distribuição por competências que os próprios servidores do sistema MinC pleiteiam. É essencial que o processo de escolha dos cargos comissionados seja mais democrático, planejado e estruturado, e que exija dos profissionais o conhecimento e a experiência necessários na gestão pública de políticas culturais.

Com a mudança de gestão de Calero para Freire, o MinC passou a ocupar o noticiário a partir de março de 2017, com denúncias de notável e inquestionável aparelhamento partidário. A ocupação dos cargos desconsidera a qualificação dos profissionais, e os prejuízos para as políticas públicas se agravam aceleradamente. Vários servidores de carreira já foram substituídos por gente partidária de confiança, inclusive alguns que tinham sido selecionados pelo concurso interno feito por Marcelo Calero.

O retrocesso na cultura evidencia que a verdadeira valorização dos servidores e das políticas culturais deve ser feita através de um orçamento compatível com as atividades da pasta (mínimo 1% do orçamento federal), do processo participativo de elaboração e acompanhamento da execução das políticas culturais, da realização de concursos públicos, da criação de um plano de carreira e de condições de trabalho adequadas e salubres.

Não há políticas culturais estruturadas, com pactuação federativa e com impacto positivo para a sociedade sem a existência de um Ministério da Cultura fortalecido e valorizado; não há avanços no Estado Democrático de Direito sem a criação e gestão participativa de políticas culturais; não há sociedade igualitária, justa e emancipada sem políticas culturais dignas.