Política para as Artes no desgoverno Temer

No que tange à Fundação Nacional de Artes (Funarte), presidida à época por Francisco Bosco, a ruptura da segunda gestão Juca Ferreira interrompeu um momento ímpar na história das políticas culturais brasileiras em que, pela primeira vez desde a sua criação, o Ministério da Cultura voltava-se especial e prioritariamente para a formulação e implantação de uma política abrangente e nacionalmente integrada específica para as artes, já sob a concepção antropológica da cultura inaugurada pela gestão Gilberto Gil em 2003.

Após a reformulação que abarcou o período de entendimento do alargamento do conceito de cultura e seu processo de institucionalização, com culminância especialmente nas aprovações da Lei nº 12.343/10 (Plano Nacional de Cultura e Sistema de Informações e Indicadores Culturais), da PEC nº 34/2012 que institui o Sistema Nacional de Cultura (Art. 216-A da CF) e da Lei nº 13.018/14 (Lei Cultura Viva), torna-se nítida a necessidade de uma reformulação à altura, que possa contemplar também as especificidades do campo artístico dentro das políticas desenvolvidas pelo Ministério da Cultura.

Nesse contexto, o MinC inaugurou em 2015 o processo de construção de uma Política Nacional para as Artes (PNA), envolvendo diversos atores internos e externos ao ministério, em um processo prioritário liderado pela Funarte, idealmente transversal e bruscamente interrompido pela mudança de gestão. Este processo, sobretudo, ressignifica a importância da pauta e vem para reaproximar e recolocar a Funarte – institucionalmente enfraquecida e majoritariamente executora desde a sua desestruturação pelo governo Collor – em um lugar de protagonismo nas formulações políticas para o seu setor.

O processo de construção da Política Nacional para as Artes (PNA), em seu pouco tempo de realização e a partir do acúmulo de formulações anteriores (documentos de gestão e produtos de instâncias de participação social, tais como colegiados, fóruns e conferências), debruçou-se de forma republicana com os setores sobre o papel do Estado e cada um de seus entes federados para as políticas públicas para os seis segmentos artísticos – Artes Visuais, Circo, Dança, Literatura, Música, Teatro (exceto Audiovisual, de competência da SAV) – e traçou diretrizes transversais prioritárias, assim como apontou para possíveis saídas aos gargalos setoriais identificados.

Este processo envolveu uma estrutura organizacional específica formada por Articuladores e Consultores oriundos da sociedade civil especializados em cada um dos segmentos artísticos; os Centros da Funarte responsáveis por cada linguagem; e um Comitê Executivo que, envolveu, além do ministro e do presidente da Funarte, quadros das secretarias Executiva, de Políticas Culturais e de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC. A interrupção deste processo significa uma irresponsabilidade não apenas administrativa, mas com relação ao compromisso que o Ministério da Cultura assumiu com o setor artístico, de consequências ainda inestimáveis para a história das políticas culturais no Brasil.

A formulação, bem como o histórico das atividades processo, pode ser acessada através do Relatório de Atividades de Março de 2015 a Maio de 2016, disponível em:

Concretizado o golpe em maio de 2016, o Ministro ilegítimo Marcelo Calero manteve a Funarte sob o comando interino de seu Diretor Executivo Reinaldo Veríssimo por quase dois meses. Após sucessivas negativas de artistas e gestores para presidirem a instituição, uma mobilização interna dos servidores da Funarte apresentou ao Ministro o nome do diretor, produtor cultural e servidor aposentado Humberto Braga, que aceitou assumir o cargo. Na gestão Calero a Funarte permaneceu completamente inerte, tendo como seu único feito relevante o pagamento de editais atrasados. Com a saída de Marcelo Calero e a entrada de Roberto Freire no MinC, a dança das cadeiras também repercutiu na Funarte, levando à sua presidência o ator Stepan Nercessian, colega de partido do “novo” Ministro.