Extinção do MinC em 2016: Argumentos e fundamentos, versões e controvérsias

Vale lembrar que durante o governo Dilma Rousseff mais de uma vez houve estudos e intenções de extinguir o MinC, rebaixando-o ao status de Secretaria Nacional dentro de outra pasta. Mas justamente porque o tema era estudado, dialogado e negociado, nunca se concretizou. O que se viu em maio de 2016 foi uma extinção sem estudo, sem diálogo, sem fundamento técnico ou orçamentário. Os fundamentos combinavam fatores como:

  1. um marketing de “enxugamento da máquina”, de ações de impacto midiático para convencer a população brasileira de que agora chegava um governo sem medo de tomar medidas drásticas para “colocar a casa em ordem”;
  2. argumentos de desvalorização do Estado. É fato que a cultura existe muito, muito, muito além das ações do Estado. O povo faz cultura, e tantas e tantas vezes, faz cultura apesar de um poder público que o ignora e o reprime. Uns evocam o chamado “mercado”, mas o investimento das empresas é comprovadamente muito baixo – basicamente apóiam projetos culturais  que darão visibilidade a suas marcas, o que implica muitas vezes no investimento em artistas e grupos já consagrados, usando recursos públicos via renúncia fiscal -, e o consumidor comum, os cidadãos e cidadãs que consomem bens e serviços culturais, em geral, ainda sofrem grande influência da grande mídia em ação conjugada com empresas culturais de grande porte nacionais e internacionais, gerando cenário de desafio à valorização de expressões culturais locais, da real valorização da diversidade. A ação estatal é fundamental para cumprir os artigos 215 e 216 da Constituição Federal. O discurso do Estado mínimo ignora que o MinC hoje já não dá conta de analisar todos os projetos, prestações de contas e realizar ações sob sua responsabilidade com agilidade minimamente aceitável. Sim, existem falhas de gestão, é preciso fortalecer as ações de capacitação dos servidores, e ademais existe uma carência grave de recursos e cultura tecnológica (cultura digital) à altura dos desafios enfrentados no dia a dia. Mas a solução desses problemas não é mágica, leva tempo, e cortar recursos humanos e orçamentários indiscutivelmente agrava o problema.
  3. argumentos de que o Estado é demasiado centralizador, e portanto não seria necessário um Ministério, que o foco deveria ser nas cidades que é onde o povo de fato vive. Essa é uma falsa contradição, explorada para justificar a retirada de status e orçamento da pasta da Cultura, pouco prioritária no jogo político maior. Em realidade nos últimos 13 anos houve avanços significativos com a criação do Sistema Nacional de Cultura (artigo 216-A da CF, por ser regulamentado). É fato que poucas políticas do MinC se valem da parceria federativa como pilar de sustentação, tal como o faz a Política Nacional de Cultura Viva (pontos de cultura). É inegável também registrar que o Fundo Nacional de Cultura ainda está longe de ter mecanismos que permitam um fluxo federativo descentralizador dos recursos, à semelhança da Saúde e da Educação, por exemplo. Resulta disto, por exemplo, que a Política dos Pontos de Cultura depende ainda de um emaranhado de convênios entre o MinC e vários estados e municípios brasileiros, e esse é um dos problemas graves que impedem o crescimento e fortalecimento de políticas como essa. Mas a questão é: o que o fim do MinC resolveria nesse sentido? A resposta desde nosso ponto de vista é simples: nada, só piora o cenário. Se um Ministério (maior estrutura) já não dá conta de estruturar uma política cultural dialógica, descentralizada à altura do que se propõe o Sistema Nacional de Cultura, que dirá uma Secretaria Nacional com estrutura ainda mais reduzida.
  4. o fato de o grupo político-econômico-jurídico que engendrou a manobra do golpe saber, uns mais, outros menos conscientemente, que as artes e as variadas formas de expressão cultural empoderam o povo. Um povo que valoriza suas expressões culturais e respeita sua diversidade de formas de ser, é um povo mais forte, mais difícil de dobrar e manipular. Na hora de escolher os ministérios que iam pra guilhotina da MP 726, a pouca importância dada às expressões culturais, o baixo nível de compreensão das expressões culturais brasileiras, da importância que a cultura tem para o povo, somou-se ao vingativo prazer de golpear um setor incômodo, cultivador de pessoas que ousam a reflexão, ousam a expressão, ousam não aceitar imposições autoritárias, ousam transformar a sociedade. A atriz Fernanda Montenegro comentou sobre a decisão do atual governo de acabar o Ministério da Cultura: 

“Uma tragédia. Esse governo interino vai pagar um preço alto por essa pouca visão de um Ministério sempre dotado de um orçamento miserável. A cultura é a base de um país”.

É certo que o Ministério da Cultura ainda tem excessiva dedicação orçamentária e institucional ao mecanismo de renúncia fiscal (conhecido popularmente como “Lei Rouanet”), que representa cerca de 80% dos recursos federais para o campo da Cultura. Vários ex-ministros e ministras, mas especialmente Juca Ferreira, apontaram para as mazelas da excessiva concentração de recursos nesse mecanismo, que outorga aos departamentos de marketing de empresas o poder de escolha dos projetos culturais a serem apoiados. Essa concentração resulta em um Ministério com grandes dificuldades para de fato contemplar a cultura brasileira em sua diversidade, com equidade. Mas são inegáveis os múltiplos esforços e frentes de trabalho que nos últimos 13 anos foram realizados visando transformar esse cenário, e esse esforço de transformação incomoda. A aversão a esse esforço de mudança foi também um elemento provocador da decisão de extinção.

A violenta reintegração do Palácio Capanema no dia 25 de Julho de 2016, casa do movimento OcupaMinc na capital fluminense: um dos principais focos de resistência democrática ao gabinete conservador, misógino, racista, elitista, entreguista e opressor que se apossou do poder em nosso país, mostra a verdadeira face das intenções do governo golpista para com a Cultura e seus criadores. Não bastasse a desocupação (realizada sem nenhum diálogo), a praça do Palácio Capanema foi cercada por um muro de aço e arame farpado em seguida.

Em reportagem para “O Globo”, Calero argumentou que “A gente dizia que não pediria reintegração na medida em que as manifestações obedecessem o Estado democrático, o que não aconteceu. Houve denúncias de drogas, assédio a servidores, danos ao patrimônio. É claro que o movimento que estava lá vai dizer o contrário. Corre inclusive na Polícia Federal uma investigação. Além disso tudo, havia um atraso na obra do Capanema por conta das pessoas ali”.

Naquele contexto, ficava explícito na verdade que se tratava de um ato de desespero opressivo, fruto da incapacidade extrema desse governo de dialogar com a população. Se de fato o interesse maior fosse na continuidade da função pública dos edifícios que foram desocupados, haveria esforço real de diálogo, envolvendo todas as partes – população local, servidores públicos, artistas e trabalhadores da cultura, etc. Da forma como foram feitas, desocupações como a do Capanema transpareciam a intenção predominante de desmontar um foco de incômodo político, para gerar uma “paz”-opressiva, uma “tranquilidade”-autoritária.