Cultura afro-brasileira no desgoverno Temer

A Fundação Cultural Palmares (FCP), criada por lei no ano de 1988, é responsável pela proteção, preservação e promoção da cultura afro-brasileira, bem como pela certificação do autorreconhecimento das comunidades remanescentes de quilombo (CRQ) e defesa e garantia de seus direitos.

Não obstante o escopo de sua missão, a FCP, ao longo de seus 28 anos de história, nunca conseguiu reunir um quadro técnico a altura, somando meros 26 servidores efetivos, reunidos aí os que se encontram na sede e os que estão distribuídos entre suas 5 representações regionais ativas.

Tal dado revela, desde já, que a situação de abandono da instituição é histórica, deixando claro também que ela e sua agenda são alvos de racismo institucional. Em 2012, foi solicitada abertura de concurso com mais de 200 vagas. Contudo, o Ministério do Planejamento só liberou 11, para reposição de quadro. O concurso foi realizado em 2014.

A atual situação da entidade, no que tange à disponibilidade de recursos humanos, tende a piorar, já que, assim como outras vinculadas do MinC, servidores estão envias de se aposentar (o que certamente ocorrerá, caso aprovada a afrontosa reforma da Previdência Social) e devido aos baixos rendimentos mensais e ausência de um plano de carreira, o que leva seus servidores a buscar ingresso em outras carreiras públicas e mesmo no setor privado.

Ainda no segundo mandato do Governo Dilma, cedendo a pressões da mídia e visando recuperar popularidade entre setores conservadores, o Palácio do Planalto iniciou um processo de cortes de cargos comissionados (conhecidos como DAS – cargos de Direção e Assessoramento).

Atendendo a essa demanda, a então presidente, Cida Abreu, cedeu ao MinC 6 (seis) DASs, o que comprometeu de imediato o trabalho do órgão, pois reduziu recursos humanos que já são ínfimos. Porém, a situação pioraria em seguida.

Após o golpe de 2016, assumiu a presidência da FCP o Sr. Erivaldo Oliveira, indicado direto de Geddel Vieira Lima. Embora um homem negro, Erivaldo não tem qualquer expertise nas questões da cultura afro-brasileira e mesmo nos temas mais caros ao movimento negro. Desenvolvia, antes de chegar a Palmares atividades de consultoria na área de gestão pública, onde atendia basicamente prefeituras de municípios interioranos que buscavam melhorar o desempenho da máquina pública.

O atual presidente da FCP chegou com o discurso de tornar a instituição mais eficiente e mais eficaz no cumprimento de sua missão, inserindo-a na lógica da administração pública gerencialista.

Todavia, o discurso não se coaduna com a prática. Poucas coisas concretas foram implementadas. Após quase um ano de desgoverno Temer, a gestão de Erivaldo realizou:

  1. o lançamento de uma coleção de 5 livros selecionados por meio de edital idealizado e executado pela gestão anterior, que contemplou obras que versam sobre a cultura afro e a história e vida da população negra no Brasil. Registre-se que cada obra teve uma tiragem de 6 mil exemplares, porém ainda não foi definido como será feita sua distribuição entre as bibliotecas públicas do país. Entretanto, sucessivas cerimônias de lançamento têm ocorrido em vários estados (DF, BA, RJ, AP, etc.), onde são distribuídos sem critérios aos presentes;
  2. realização do evento de comemoração ao 28º aniversário da Fundação Cultural Palmares, quando foi comunicada a parceria com o GDF para realização do Mapeamento de Casas de Matriz Africana do DF;
  3. divulgação da campanha Filhos do Brasil por meio de eventos. Dedicada ao enfrentamento da intolerância religiosa, a campanha foi idealizada pela gestão anterior e lançada nas vésperas do golpe que destituiu a presidenta Dilma. Foi repetido o formato do lançamento original (organização de uma mesa com representantes de diversas correntes religiosas e não-religiosas) em eventos como o realizado na Casa Brasil, na zona portuária do Rio de Janeiro, durante as Olimpíadas;
  4. realização das atividades em comemoração ao Mês da Consciência Negra/Memória de Zumbi dos Palmares. As atividades ocorreram na Serra da Barriga (União dos Palmares/AL) e na capital alagoana.

Além disso, sobram a realização/participação em eventos para assinatura de termos de compromisso que se revelam infrutíferos.

Cabe ressaltar que, embora defendendo a renovação da gestão pública, a atual gestão da Palmares reproduz práticas calcificadas na administração pública brasileira, como o patrimonialismo e a falta de transparência.

Em meados de outubro do ano passado, o presidente Erivaldo Oliveira convocou reunião interna em que, dentre outras coisas, apresentou a primeira grande ação de sua gestão: o lançamento de um livro didático sobre a história africana e afro-brasileira, o que vinha ao encontro do disposto na Lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino dessa disciplina. Entretanto, o livro já havia sido lançado meses antes, por uma iniciativa da Prefeitura Municipal de São Paulo, então administrada por Fernando Haddad (ver matéria).

Erivaldo poderia simplesmente ter assumido que iria encomendar uma maior tiragem para que a obra chegasse aos quatro cantos do país, mas achou mais interessante apresentar a proposta como se por ele idealizada.

Outro problema se soma ao caso: dezenas de milhares de exemplares do livro foram impressos, mas não se sabe até o momento como eles chegarão às escolas, já que não foi estabelecida nenhuma parceria ou acordo com o Ministério da Educação para isso. Ademais, para ser adotado como livro didático, ele precisa estar inscrito no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o que depende de avaliações realizadas em parceria com universidades públicas.

Esse é um exemplo que mostra como o dinheiro público e os parcos recursos da FCP vêm sendo aplicados nesta gestão golpista sem qualquer planejamento.

Outro ponto central diz respeito aos recursos humanos da fundação autárquica. Assim que chegou, Erivaldo afirmou em reunião que a Palmares não carecia de servidores; era preciso apenas saber alocá-los melhor. Bem, após 180 dias pós-golpe, 13 (treze) DAS continuavam vagos, incluindo dois de representantes regionais (AL e RS); a representação regional de Minas Gerais continua desativada, não obstante ser esse estado um dos 4 com maior número de comunidades quilombolas no país; cargos estratégicos foram ocupados por pessoas com pouca ou nenhuma experiência nas áreas afetas; enquanto outras áreas continuam acéfalas, como a Comunicação Social.

A substituição de DASs pelas famigeradas FCPEs (Funções Comissionadas do Poder Executivo) complicou ainda mais a disponibilidade de mão de obra na FCP. Em uma instituição que carece de pessoas, limitar a ocupação de cargos a quem é servidor, significou uma redução ainda maior de seu corpo funcional. Adotando o discurso de que sua gestão valorizaria o servidor da casa, todas as FCPEs foram assim preenchidas, resultando no definhamento de equipes já raquíticas. Como resultado, análises de processos de licenciamento ambiental e de convênios se avolumam, bem como as cobranças por parte do Ministério Público Federal quanto à inobservância de prazos legais.

Por fim, é impressionante a incompreensão do atual presidente e sua equipe quanto à divisão de atribuição entre os órgãos. Recorrentemente, a FCP vem assumindo e anunciando compromissos que são da competência da SEPPIR (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial), como a construção de casas e a oferta de bolsas para preparação em concursos, o que pode implicar futuros questionamentos por parte do Tribunal de Contas da União (TCU) por aplicação indevida de recursos.

Não bastasse o uso indiscriminados dos parcos recursos da FCP, o presidente Erivaldo Oliveira costuma dizer, em reuniões ou eventos com participação de representantes do movimento negro, que embora tenha pouco dinheiro a Palmares possui mais de 25 ministérios para buscar parcerias, o que implicitamente significa dizer que não se empenhará pela ampliação de seu orçamento.