O governo Dilma quebrou mesmo o país?

A presidenta Dilma foi retirada do poder acusada de práticas orçamentárias e financeiras que também foram realizadas pelos presidentes anteriores, por governadores e prefeitos em todo o país e pelo próprio governo Temer. Essas práticas nunca haviam sido questionadas pela Justiça ou pelos poderes legislativos e seus tribunais de contas e somente agora, e somente para o governo Dilma, foram consideradas crime.

Diante da fragilidade das acusações, alguns argumentam que não é por elas que a presidenta foi afastada, mas sim pelo “conjunto da obra”, que teria quebrado a economia do país. Esse argumento apenas confirma a ilegalidade do afastamento pelo Congresso, que julga crimes, e não essa “obra” que deve, isto sim, ser julgada pela população, nas eleições. Mas estaria ele correto ao afirmar que o governo Dilma quebrou o país?

O Brasil está quebrado?

NÃO. Um país somente está quebrado quando não consegue pagar suas dívidas com credores de outros países, que é o que ocorreu recentemente em alguns casos na Europa. Quando isso se dá, os credores tendem a se organizar e usar instituições como o FMI para exigir que o país adote políticas que garantam o pagamento de seus compromissos sem se importar com os cortes que tenha que fazer no atendimento às necessidades da população. É exatamente isso o que ocorreu no Brasil ao longo dos anos 1980 e durante o governo FHC, em que o país não tinha dólares suficientes para pagar a seus credores e missões do FMI vinham dizer ao governo o que fazer. Hoje o Brasil possui reservas internacionais elevadas e não há nenhuma perspectiva de que venha a enfrentar problemas para quitar suas dívidas. Por isso, dizer que o Brasil quebrou não faz nenhum sentido.

Então é o Governo Federal quem está quebrado?

NÃO. Somente faz sentido falar que o governo está quebrado quando ele não consegue pagar suas contas com os recursos que arrecada com tributos ou com a contratação de dívidas. Isso não ocorre no Brasil, que continua a arrecadar tributos e a emitir dívida e mantém total capacidade de pagar suas contas. O que sim ocorre é que para pagar essas contas em um momento em que a arrecadação caiu, a dívida pública medida em relação ao PIB, após cair quase todos os anos desde 2003 e atingir mínimos históricos no início de 2014, teve que aumentar bastante em 2015. Mas mesmo com o aumento, ela permanece abaixo da registrada em boa parte das grandes economias do mundo. Por isso, o seu principal problema não é o tamanho, mas sim seu custo, entre os mais altos do mundo em razão das taxas de juro praticadas no país.

Mas o Governo Federal perdeu o controle sobre os gastos, certo?

NÃO. É verdade que os gastos continuaram a crescer, como, aliás, vinha acontecendo há mais de vinte anos. Mas esse crescimento não deve por enquanto ser visto como ruim, já que resulta basicamente do aumento do valor das transferências (especialmente pensões e aposentadorias, além de outras, como o Bolsa Família) e dos serviços aos cidadãos (em especial saúde e educação) que são fundamentais para resgatar injustiças históricas e reduzir desigualdades sociais. Além disso, até meados de 2014 ele era sustentável, pois, acompanhado em um contexto de expansão do PIB pelo aumento das receitas públicas, convivia com a geração de resultados primários positivos. Nos últimos dois anos, todavia, isso não mais se deu. Mas não porque os gastos do governo se descontrolaram, o que não ocorreu (ao contrário, eles cresceram mais lentamente), mas sim porque houve uma rápida redução das receitas que se aprofundou com a recessão e as desonerações tributárias. Por isso, é claro que os gastos devem ser sempre monitorados para que todo desperdício e malversação sejam identificados e eliminados, mas não faz sentido falar hoje em descontrole.

Ou seja, o governo Dilma não deixou o país nem o Governo Federal quebrados, nem o Estado com as despesas descontroladas, astronômicas.

Mas os decretos questionados e as pedaladas levaram à crise econômica, certo?

NÃO. Em si, nem os decretos nem as pedaladas têm nenhuma relação com a crise econômica atual. Eles não fazem ninguém deixar de produzir e investir, não mudam a forma de atuação do governo nem provocam nenhum aumento ou redução de seus gastos. O que os decretos de abertura de crédito fizeram, isto sim, foi permitir a realocação do orçamento para destinações que mais precisavam de recursos, contribuindo assim pontualmente para sustentar a atividade econômica. Além disso, o somatório dos valores previstos nos decretos com as chamadas “pedaladas” não totaliza mais que 1,3% do orçamento executado da União em 2015.

Então o governo Dilma não é culpado pela recessão atual?

É, sim, mas não é o único. De fato, o governo ajudou a manter por muito tempo altas taxas de juro e a taxa de câmbio sobrevalorizada (dólar muito barato), reduzindo a competitividade da produção nacional e, com isso, o impulso ao crescimento. Além disso, as fortes desonerações tributárias implantadas em 2012 e 2013 ajudaram a manter o emprego, mas contribuíram para deteriorar a situação fiscal, e o ajuste adotado em 2015 para corrigir essa situação e ganhar a confiança dos mercados como meio para retomar o crescimento não atingiu seu objetivo; ao contrário, aprofundou a recessão.

Estes e outros elementos da condução da política, a serem discutidos em outro espaço, não são, todavia, os únicos culpados pela crise. Isto porque, em primeiro lugar, ela não é apenas interna, mas possui um componente externo fundamental. De fato, em 2014 e mais ainda em 2015 não foi somente o crescimento do Brasil que se reduziu, mas também o da maioria dos países emergentes. Dentre eles, a queda foi maior nos países da América Latina que, como o Brasil, são grandes exportadores de commodities e foram particularmente afetados pela queda no aumento do volume global de comércio, de 7,1% em 2011 para 2,8% em 2015.

Em segundo, e de modo crucial, o ambiente para o investimento e a produção foi marcado desde o início do segundo governo Dilma pela presença de uma oposição que não se conformou com o resultado da eleição. O impeachment se manteve como tema central na pauta política e jornalística e gerou uma situação de instabilidade aguda, que colocava em dúvida a simples continuidade de ações que afetam decisivamente a rentabilidade das empresas. Nessa situação, os empresários adotaram uma postura conservadora que os levava a pagar menos salários e adquirir menos insumos, reduzindo a demanda por bens e serviços de outras empresas que, por sua vez, produziam menos, realimentando assim a espiral negativa. Além disso, a oposição no Congresso inviabilizou quase todas as iniciativas legislativas do governo que poderiam ajudar a superar a crise; ao contrário, produzia pautas-bomba que dificultavam essa superação. Não surpreende que, nesse cenário, a recessão tenha se aprofundado.

O governo Dilma, portanto, não quebrou o país, mas um cenário internacional desfavorável e erros de condução da política econômica o levaram à recessão, que se aprofundou com a instabilidade criada pela oposição em sua tentativa de derrubar a presidenta e pela negativa do Congresso em aprovar medidas necessárias para superar a crise.