Desenvolvimento Agrário expulso das negociações internacionais no Governo Temer

O descaso do Governo Interino com a agricultura familiar e reforma agrária é cada vez mais visível. Na última terça feira (12), mais um duro golpe: depois de 12 anos, a agricultura familiar e reforma agrária ficará sem voto nas discussões sobre comércio exterior do país.

Desde 2004 até o dia 12 de julho último os interesses da agricultura familiar e da reforma agrária, assim como da política de segurança alimentar e nutricional do país, eram reconhecidos e assegurados no âmbito da política de comércio exterior por meio da participação do Ministério do Desenvolvimento Agrário na Câmara de Comércio Exterior, conhecida também por Camex. Por meio do Decreto 8.807 extinguiu-se a representação do Desenvolvimento Agrário nesta câmara. Também foi extinta a participação no Comitê executivo de gestão da Camex (Gecex), órgão que nos governos Lula e Dilma permitia a participação de um conjunto amplo de instituições como o Ministério da Saúde e do Meio Ambiente, no entendimento de que o comércio exterior em um mundo globalizado é uma pauta transversal, com impacto em várias áreas de atuação do Estado.

A saída da representação do desenvolvimento agrário na Camex e no Gecex coloca em risco boa parte da atuação internacional do extinto MDA e suas ações de cooperação envolvendo outros países, assim como as próprias políticas de desenvolvimento da agricultura familiar em curso, uma vez que muitos acordos comerciais e atos internacionais podem afetá-las.

Ou seja, na prática ficam sem representação dos interesses da agricultura familiar e das ações de segurança alimentar as negociações de acordos de livre comércio com outros países e da Organização Mundial do Comércio (OMC). De imediato, fragiliza a participação nos acordos comerciais de livre comércio em negociação com a União Europeia e o México. Uma situação que se torna ainda mais grave considerando o enorme esforço da gestão interina para fechar acordos de livre comércio baseados na forte abertura do mercado brasileiro para produtos agrícolas. Isso significa que produtos importantes para a segurança alimentar do país podem ter suas taxas de importação reduzidas, tornando-se vulneráveis a crescentes importações de alimentos, desorganização e quebra da produção nacional.

Impactos nos agricultores familiares brasileiros

MDA

MDA

Além do comércio de bens, outros elementos da política de desenvolvimento rural ficam fragilizados. As negociações de acordos internacionais de compras públicas podem atingir programas de sucesso como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). As negociações internacionais de Serviços e Investimentos também podem ter impactos importantes na legislação atual sobre arrendamento e aquisição de terras por estrangeiros no Brasil. E as negociações de acordos de propriedade intelectual podem atingir a soberania do país na produção de suas sementes e prejudicar a comercialização de alguns produtos alimentares sob a alegação de descumprimento de proteção de algumas indicações geográficas, como é o caso de vários tipos de queijos comercializados no país.

A exclusão do desenvolvimento agrário das discussões que envolvem definição de tarifas de importação de produtos agrícolas do Mercosul e do uso dos instrumentos de defesa comercial (medidas antidumping, salvaguardas, etc) também fragilizam as políticas da agricultura familiar e de segurança alimentar.

Integração Regional

Com o Decreto 8.807 enfraquecem-se também os principais esforços de integração regional do setor, representados especialmente pela Reunião Especializada da Agricultura Familiar no Mercosul – REAF. Um espaço construído em 2004 e que tem sido de fundamental importância para construção de políticas de apoio à agricultura familiar nos países do Bloco, tendo, inclusive, regulamentado a definição desse público no Mercosul e contribuído para criação de secretarias da agricultura familiar em vários países.

Uma exclusão política

Não há que se dizer que a saída da representação do Desenvolvimento Agrário nos espaços de poder que definem a política de comércio exterior e, em certa medida, internacional, é uma questão menor. O Desenvolvimento Agrário não saiu da Camex simplesmente porque deixou de ser Ministério, pois o Decreto 8.807 incluiu também como um de seus membros a Secretaria Executiva do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República. Por que não incluir também a Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário? Também não é verdade que os interesses da agricultura familiar continuam sendo representados pela Casa Civil, pois esse nunca foi o papel desse órgão. Hoje, efetivamente, apenas o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, cuja representação foi mantida na Camex, toma decisões nos temas agrícolas, o que representa um enorme retrocesso.

Está claro que a retirada da participação do desenvolvimento agrário da Camex e do Gecex é uma decisão política. Expressa sim um governo que quer tornar sem voz, sem voto e invisível 4,2 milhões de agricultores e agricultoras familiares de todo país. Que é contra a reforma agrária, os direitos dos povos e comunidades tradicionais e a democratização dos espaços de poder.