Vão-se os sonhos da educação

Caio Vilela / Fotos Públicas.

Caio Vilela / Fotos Públicas.

Vão-se os sonhos.

Chegamos no Município do Oiapoque vindo por péssima estrada cheia de buracos e atoleiros à 600 quilômetros de Macapá, capital do estado do Amapá em novembro de 2013. Eu já conhecia o lugar, tinha estado por aqui em situações de controle de endemias, trabalhando na área da saúde. Outros colegas não. Era um desconhecido lugar que a maioria só tinha ouvido falar pelo chavão “do Oiapoque ao Chui”, mas todos com objetivos comuns de levar conhecimento e ciência ao ponto mais remoto do Norte do Brasil. Cumprimos as etapas do concurso público federal para professores do magistério superior e optamos pelo Oiapoque.

Aqui percebemos que a realidade vivida era exatamente a que consta nos artigos e citações do lugar: um lugar inóspito, malária, dengue, chikungunya, leishmaniose, ambas endêmicas, baixa qualidade de vida, atividades ilegais, porta de entrada de produtos ilícitos, saída de recursos naturais da flora, fauna e minerais explorados ilegalmente com danos ambientais; prostituição, tráfico de pessoas, drogas, armas e tantos outros crimes próprios de uma área desassistida de fronteira.

Era um desafio implantar uma célula universitária no Oiapoque, um Campus Binacional da Universidade Federal do Amapá, no qual o suposto parceiro estrangeiro nunca se interessou na internacionalização, sendo que todo o recurso para a criação foi exclusivamente do Brasil, ainda assim, perpetuou-se o nome “Binacional”.

Fizemos o primeiro vestibular isolado e quando saiu o resultado das provas percebi o porquê eu escolhi o Oiapoque. Vi neste dia os futuros alunos em passeata pela cidade e os moradores aplaudindo-os como ídolos. Nunca vi nada igual em toda minha vida, uma comunidade inteira homenagear seus jovens pelo ingresso no meio acadêmico. Percebi que ali estava a razão e a resposta mais clara para mudar o estigma do lugar.

Morenos, pardos, negros e ameríndios de várias etnias. Gente bonita que está sempre sorrindo. Uma riquíssima salada cultural, nossos estudantes, em boa parte, não têm o português como sua primeira língua.
Tudo era uma grande novidade para mim tanto quanto para os outros professores que estavam vindo de todos os cantos do Brasil e, até mesmo, do exterior. A maioria, com titulação de mestre e doutor, rapidamente se integrou à comunidade oiapoquense, ensinando e deixando-se ensinar coisas que esta região extrema – Amazônica – tem a oferecer.

Cheguei a sonhar com a transformação deste Campus na futura Universidade Federal da Fronteira Norte, contando com instalações estruturais, como alojamentos, restaurante universitário e ampliação de salas e laboratórios, que poderiam atrair estudantes de várias partes do país. No momento, as obras de ampliação do espaço físico para salas e laboratórios, estão paralisadas, sem previsão de funcionamento, tal qual a ponte internacional, a estrada e a praça da cidade.

Hoje temos uma comunidade acadêmica com mais de mil pessoas, técnicos, estudantes e professores, um embrião de uma cidade universitária, com aproximadamente dezessete mil moradores na sede do município e com um entorno de dez mil pessoas residindo em aldeias e vilas. Somos um grupo institucional percebido por toda população neste curto espaço de tempo que aqui estamos: quase três anos.

Nossos sonhos são pequenos comparados com os milhares de sonhos que instigamos em nossos estudantes. Jovens que veem na sua formação o único caminho de melhoria pessoal e regional. Gente visionando a porta que se abrirá após sua graduação, consequentemente, trazendo desenvolvimento à todos.

Estamos prestes a roubar estes sonhos com o fim das atividades no Campus Binacional do Oiapoque, deixando nossos jovens à mercê da vida ilícita da fronteira. Imoral com toda uma comunidade que nos recebeu de braços abertos. Sinto vergonha em noticiar as dificuldades financeiras que estamos passando com a forte possibilidade de interrupção das atividades. Este é o primeiro ano sem ingresso de novos estudantes e em 2017 será o segundo. É o princípio do fim. Possivelmente terei que me mudar com minha família, assim como outros professores que aqui já se instalaram e adquiriram imóveis.

Resta-me sensibilizar o Ministério da Defesa, que não entregue essa área ao crime, e pense na Universidade como a única solução para modificar essa esquecida fronteira, resta-me sensibilizar o Ministério da Educação para retornar a ser nosso parceiro de mudança. A população do Oiapoque deve reivindicar seu direito de ter uma universidade pública e gratuita para seus jovens.

Não podemos deixar que isso aconteça. Vamos gritar aos quatro cantos e denunciar esse descaso.


Prof. Ballarini
Julho de 2016