Em defesa do Programa de Aquisição de Alimentos

spd-card-paaNo dia 31 de maio, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário do governo ilegítimo, sem nenhuma explicação plausível, cancelou o repasse de R$ 170 milhões que deveriam ser operados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para aquisição de alimentos da agricultura familiar, paralisando o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Estima-se que a medida poderia gerar prejuízos para mais de 400 mil agricultores familiares.

Mesmo com a liberação de parte dos recursos nos últimos dias, essa lacuna gerou sérios constrangimentos na execução de um programa que exige um nível considerável de planejamento dos atores envolvidos e o cumprimento de prazos estabelecidos.

A iniciativa arbitrária de recolher os recursos repassados à Companhia só agrava a situação da execução da modalidade de Doação Simultânea por parte da CONAB impactando diretamente não só no dia a dia dos agricultores familiares e suas organizações, mas nas instituições que contavam com os alimentos doados pelo Programa para ofertar aos seus beneficiários. Assinala também a disposição do governo ilegítimo em deslegitimar o programa, fazer uso político dos seus mecanismos, e finalmente, colocar fim a uma das maiores conquistas da agricultura familiar no Brasil

Entenda o caso e conheça melhor o Programa de Aquisição de Alimentos e a sua importância para o rural brasileiro no segundo texto da série Desenvolvimento Agrário.

1. O que é o programa

O surgimento do PAA, em 2003, faz parte do reconhecimento do estado brasileiro à agricultura familiar e sua relevância econômica e social para o país.

O PAA foi criado para atender duas questões fundamentais: disponibilizar alimentos para combater a fome e a insegurança alimentar e garantir renda aos agricultores familiares por meio do acesso ao mercado público com instrumentos garantidores de preços justos.

O PAA é um dos principais programas de apoio a ações da agricultura familiar em todo o país, já que permite a aquisição de alimentos por parte do governo federal, direto de agricultores familiares, por meio de dispensa de licitação. Maior parte dos alimentos são destinados para doação à rede socioassistencial do governo, como escolas, hospitais e restaurantes comunitários.

O Programa é considerado um dos principais agentes da distribuição de alimentos para a população brasileira mais pobre, contribuindo significativamente para a exclusão do Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas, conforme relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) 2014.

Para a agricultura familiar esta era uma demanda histórica de suas organizações e dos movimentos sociais rurais de inclusão deste público como beneficiário das políticas públicas do estado brasileiro. Possibilitar, sobretudo, instrumentos que garantissem a comercialização da produção agrícola e mecanismos de garantia de preços diante das constantes flutuações do mercado.

O PAA possui um conjunto de 6 modalidades de execução com diferentes finalidades, fontes orçamentárias, executores e limites.

A modalidade de Compra com Doação Simultânea – CDS permite a aquisição de alimentos in natura ou processados, enriquecendo os cardápios dos beneficiários consumidores. O fornecimento de produtos orgânicos é privilegiado, sendo possível incluir até 30% a mais do que o valor pago para o alimento convencional sendo obrigatória a participação de no mínimo 40% de mulheres rurais.

Esta modalidade tem uma importância vital no diálogo e desenvolvimento das economias locais ao permitir que organizações fornecedoras, sobretudo as associações, com pouca experiência de acesso ao mercado ingressem na engrenagem da compra pública com segurança e garantia de renda.

2. Impactos do programa (resultados)

O PAA já foi responsável por adquirir cerca de R$ 6,4 bilhões em alimentos da agricultura familiar de todo o país de 2003 a 2015, beneficiando em torno de 1,6 milhão de agricultores familiares no mesmo período. Além disso, observam-se impactos positivos do PAA no aumento da renda agropecuária das famílias participantes, na promoção da diversificação de cultivos por parte dessas famílias – inclusive na valorização de cultivos regionais e tradicionais, com impactos na condição nutricional dos agricultores e dos consumidores dos alimentos, na intensificação da promoção agroecológica (por meio dos mecanismos formais que privilegiam esses produtos) e na inclusão de grupos particularmente marginalizados no processo produtivo dentro do circuito de comercialização.

O Programa alcança progressivamente seus objetivos, ao promover o incentivo à agricultura familiar com geração de renda, sustentação de preços aos produtos agrícolas e segurança alimentar e nutricional para populações urbanas e rurais.

O PAA contribui para a manutenção da biodiversidade ao dedicar-se no apoio aos Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares, estes que mudaram sua realidade ao emergir para uma condição de empoderamento. Antes eram receptores de cestas de alimentos e hoje se enquadram como beneficiários fornecedores. Ademais, o PAA propiciou a inserção digna e respeitosa dessas comunidades no mercado local, a partir do estabelecimento de relações sociais baseadas em uma percepção renovada, superando preconceitos e reconhecendo seu papel na economia local e regional.

Firmado nos seus principais objetivos que são o incentivo à agricultura familiar e a promoção do acesso à alimentação àqueles em situação de insegurança alimentar, o PAA – operacionalizado pela Conab – atravessou doze anos sustentado pelo vigor dos seus diversos atores (governo federal, funcionários, agricultores familiares, associações e cooperativas e beneficiários consumidores).

3. Prejuízos com a paralisação do PAA para os agricultores familiares: entenda o caso

A Conab desde 2009 vem cadastrando os Agricultores Familiares, as Organizações da Agricultura Familiar e as Unidades Recebedoras que enviam propostas de participação para o Programa por meio de um sistema de gestão do PAA. Com esses dados é possível afirmar que ao se paralisar parcialmente o PAA gera-se um prejuízo para 443.474 mil agricultores familiares, 6.930 CNPJs da Agricultura Familiar e 38.709 CNPJs de Unidades Recebedoras já cadastrados pela Companhia.

Em 2015 a demanda chegou a mais de R$ 500 milhões em propostas feitas por mais de 66 mil agricultores familiares organizados. Abaixo são apresentados dados da execução junto a Associações e Cooperativas, nos últimos três anos.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) recolheu, no último dia 31 de maio, R$ 170 milhões que deveriam ser aplicados, durante o ano de 2016 do PAA, cujo o executor é a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Segundo informações da Conab, para a execução do programa durante o ano de 2016, a Companhia chegou a receber uma primeira parcela de R$ 170 milhões. Mas, no dia 31, “a empresa foi comunicada pelo MDSA que os recursos orçamentários e financeiros descentralizados para a Companhia estavam sendo recolhidos para reavaliação”. Mesmo com a liberação da quase totalidade dos recursos nos últimos dias, essa lacuna gerou sérios constrangimentos na execução de um programa que exige um nível considerável de planejamento dos atores envolvidos e o cumprimento de prazos estabelecidos.


Programa de Aquisição de Alimentos – Recursos e estimativa de atendimento

  • Durante o ano de 2015, o MDS destinou R$ 266 milhões para as ações executadas pela Conab no PAA.
  • A Lei Orçamentária Anual prevê na ação sob responsabilidade do MDS para o ano de 2016 (2069.2798.0001 – Aquisição de Alimentos Provenientes da Agricultura Familiar).
    • R$ 478.369.945, sendo que R$ 270 milhões para as modalidades executadas pela CONAB.
    • Expectativa de atendimento da ação da CONAB: 51 mil agricultores familiares.

A interferência no andamento do Termo de Cooperação para descentralização de recursos do MDSA para a CONAB impacta diretamente no atendimento de projetos, muitos deles já aprovados há meses nas Superintendências Estaduais do órgão executor. Impacta no planejamento de milhares de agricultores familiares e organizações fornecedoras que despenderam tempo, energia e recursos para viabilizar a confecção e envio das propostas à CONAB. Coloca também em risco os próprios rendimentos desses agricultores e suas organizações, uma vez que a garantia da compra pública não se efetive.

Para termos uma ideia do impacto dessa interferência, entre março e junho de 2015 a CONAB aplicou R$ 46,2 milhões no atendimento de projetos de doação simultânea beneficiando 6 mil agricultores familiares em 15 estados. No mesmo período de 2016 nenhum projeto pôde ser contratado até o momento, devido ao resgate do orçamento pelo MDSA e atraso na liberação. A iniciativa arbitrária de recolher os recursos repassados à Companhia só agrava a situação da execução da modalidade de Doação Simultânea por parte da CONAB impactando diretamente não só no dia a dia dos agricultores familiares e suas organizações, mas nas instituições que contavam com os alimentos doados pelo Programa para ofertar aos seus beneficiários.