Decretos orçamentários, “pedaladas” e a crise

Diante das dificuldades jurídicas em justificar o impeachment da presidenta Dilma com base em decretos orçamentários supostamente editados em desacordo com a lei e no cometimento das “pedaladas fiscais”, alguns defendem que mesmo sem caracterizar crimes de responsabilidade, eles justificam o afastamento porque teriam ajudado a provocar a crise econômica. Mas, existe mesmo alguma relação entre essas acusações e a crise?

No caso dos decretos de crédito suplementar, eles são apenas autorizações para que os gastos especificados entrem no orçamento do governo, o que não implica automaticamente que eles venham a ocorrer. Para isso, é necessário que o órgão responsável por esses gastos possua limite de execução financeira, o que é definido em outro tipo de decreto, o de programação, que sequer entrou no processo.

Como os decretos questionados não alteram o limite geral de despesas, não têm nenhum impacto sobre o resultado fiscal do governo. Por isso, mesmo que se acredite na hipótese de que a deterioração fiscal é um elemento central na decisão dos empresários de deixar de investir e produzir e dos consumidores de deixar de comprar, que é o que gera o desemprego e a redução da renda que caracterizam a crise, não são os decretos questionados que gerariam tais efeitos.

Por outro lado, o que tem sido chamado de “pedalada” é o atraso, defendido como necessário em razão do tempo consumido na conferência e validação dos valores exigidos, no repasse de recursos do governo para os bancos públicos que efetuam pagamentos em seu nome como, no caso questionado no processo, são aqueles referentes a subvenções no âmbito do Plano Safra para a agricultura. Admitindo que esses repasses devessem, como pretendem os críticos, ocorrer antes ou simultaneamente aos pagamentos, o fato de não ter sido assim até 2015 não piorava os resultados fiscais, mas os melhorava. Logo, mesmo que se acredite que variações marginais nestes resultados possam ter impacto nas decisões de empresários e consumidores, eles teriam sido então positivos, não negativos.

Portanto, os questionados decretos e as “pedaladas” não levaram à crise econômica que se aprofundou a partir de 2015.

Em compensação, as constantes movimentações de amplos setores da oposição para inviabilizar as iniciativas legislativas e criar “pautas bomba” desde o início do governo Dilma para, finalmente, levar ao impedimento da presidenta eleita, introduziram um elemento de aguda incerteza no ambiente em que as decisões de produção e investimento são tomadas.

Afinal, a substituição de um governo carrega a possibilidade de alteração, por vezes drástica, de políticas como a cambial, fiscal, creditícia ou monetária ou alguma política setorial capaz de afetar decisivamente a rentabilidade esperada do capital aplicado, fazendo com que um investimento antes rentável possa vir a se mostrar desastroso e, inclusive, leve a empresa à quebra.

Nesse contexto, é natural que o empresário adote uma postura conservadora e prefira esperar para investir em um momento menos incerto. Ao fazer isso, ele paga menos salários a seus funcionários e adquire menos insumos, reduzindo a demanda por bens e serviços produzidos por outras empresas as quais, por sua vez, também reduzem a aplicação de recursos, realimentando uma espiral negativa de atividade.

Assim, independentemente dos questionamentos que se possa fazer à gestão fiscal nos últimos anos, os fatos pelos quais a presidenta é acusada no processo de impeachment não têm nenhuma relação com a crise; a pressão constante pelo impedimento, em compensação, certamente foi um elemento central para seu aprofundamento.

U. Lourenço / Fotos Públicas.

U. Lourenço / Fotos Públicas.