O SUS sob ataque: os anúncios do governo golpista contra a saúde pública

por De Olho no Golpe

O Ministro da Saúde do governo interino tem anunciado ou ao menos sinalizado para medidas que colocam o Sistema Único de Saúde sob ataque. Elencamos algumas das mais significativas, tendo em vista seus potenciais impactos sobre a saúde pública brasileira.

Em 17 de maio de 2016, a Folha de São Paulo publicou entrevista com o ministro golpista Ricardo Barros, segundo o qual:

Em um determinado momento, vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las.

Posteriormente, o governo encaminhou ao Congresso Nacional PEC que limitará o crescimento das despesas primárias do governo federal à inflação do exercício anterior. A medida tornou concreta a redução do SUS a que o Ministro interino se referiu. Com o texto recém divulgado, já é possível estimar os impactos da PEC sobre a saúde caso as despesas do setor fiquem restritas à inflação do ano anterior.

Se fosse aplicado o teto de crescimento dos gastos de saúde pela inflação desde 2003, o valor federal executado em 2015 pela União teria sido, no máximo, de R$ 55,4 bilhões, menos que o valor executado em 2009, seis anos atrás, e pouco superior à metade do que foi efetivamente despendido em 2015 (R$ 100,5 bilhões). Mas mesmo esse valor despendido mostra-se baixo em relação a outros países. Por exemplo, segundo dados divulgados pelo Banco Mundial, o Brasil aplica 3,8% do PIB em gastos públicos de saúde, percentual inferior ao de países com sistemas universais de saúde como Canadá (7,4%), Reino Unido (7,6%) e França (9%), mas também ao de nações do Mercosul, como Colômbia (5,4%) e Uruguai (6,1%), e até mesmo a países que sequer pretendem dispor de sistema de saúde universal, como os EUA (8,3%).

O gasto comparativamente baixo em saúde pública no país ocorre apesar de o acesso ao SUS ser um direito de todos e dever do Estado, e se reflete no fato de que, dos gastos totais em saúde no país, menos da metade constitua gastos públicos. Portanto, eis a equação atual do financiamento do SUS: manter um sistema para 204 milhões de brasileiros – 100% – com apenas 46% do total de recursos aplicados em saúde no Brasil. Em vista dessa equação, sem prejuízo da necessidade de avançar na gestão dos recursos públicos, a garantia ao SUS de fontes de financiamento compatíveis com seu caráter universal segue sendo um desafio a qualquer governo que vise à melhoria dos serviços públicos na área. De fato, mesmo que as despesas em saúde de todos os entes venham evoluindo desde a Emenda Constitucional no 29/2000, o subfinanciamento persiste.

Todavia, o governo golpista pretende reduzir o financiamento ainda mais, indo em direção oposta aos avanços na saúde pública. A limitação de gastos pela inflação – que, como viu-se, cortaria pela metade os recursos do SUS – inviabilizaria políticas implementadas nos últimos anos, tais como a ampliação do Programa Saúde da Família, a expansão das transferências aos estados e municípios voltadas ao cofinanciamento de procedimentos hospitalares e ambulatoriais, a criação do SAMU, as UPAS, o Mais Médicos, a disponibilização gratuita de medicamentos e vacinas, dentre outros.

No período entre 2003 e 2015, caso estivesse vigente a regra de limitação do crescimento da despesa de saúde à inflação, o SUS teria perdido acumuladamente mais de R$ 250 bilhões, conforme tabela a seguir, com impacto negativo no número de médicos, unidades e equipes de saúde, leitos, ambulâncias do SAMU, medicamentos, vacinas e equipamentos para exames.

Na mesma entrevista acima citada, o Ministro ainda afirmou que “quanto mais pessoas puderem ter um plano de saúde, melhor”. De uma ideia nasce a outra. A redução do SUS viria acompanhada da expansão da saúde suplementar, de modo que o direito à saúde dependeria, essencialmente, da capacidade financeira de cada trabalhador contratar seu próprio plano. O que não deixa de ser uma volta, ainda que com diferenças, aos princípios do modelo pré-SUS, no qual o acesso à saúde dependia do pertencimento a determinada categoria profissional, ou do dispêndio de recursos próprios. O direito era assegurado não a todos, mas apenas àqueles indivíduos que possuíssem tais recursos, ou que apresentassem carteira de trabalho e comprovassem serem membros formais de corporações com acesso à assistência médica. Esse modelo reforça as desigualdades sociais, pois exclui trabalhadores informais, pobres, por conta própria, entre outros, que não pertencem àquelas corporações nem possuem renda suficiente – e deixariam de ter, portanto, direito à saúde. É a mercantilização completa do direito à saúde.

Talvez não por coincidência, o maior financiador da campanha de Ricardo Barros é sócio de um gigante da área de planos de saúde, conforme fartamente noticiado pela mídia insuspeita. É preciso redobrar a atenção, pois está em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 451/2014, de autoria do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que inclui como garantia fundamental na Constituição, plano de assistência à saúde, oferecido pelo empregador em decorrência de vínculo empregatício, na utilização dos serviços de assistência médica. O raciocínio é simples: um SUS de menor alcance com a limitação de gastos, na melhor das hipóteses focalizado nos mais pobres, empurra para o mercado de saúde suplementar milhões de brasileiros. Assim, voltamos ao Brasil para os 30% mais ricos, dividido entre os que contam com assistência médica paga e os que só podem recorrer a serviços públicos residuais ou à caridade.

Retomando a questão do financiamento do SUS, se projetados os números para os próximos anos, os prejuízos à saúde pública não são pequenos. A estimativa de despesas pela regra atual (EC 86/2014), que indexa o piso de aplicação em saúde à receita corrente líquida, alcançando 15% da RCL a partir de 2020, indica que o gasto federal em ações e serviços públicos de saúde deve totalizar R$ 867 bilhões entre 2017 e 2022. Se aplicada a esse período a regra anunciada, de controle da variação da despesa pública pela inflação, o valor global despendido em saúde seria, no máximo, de R$ 732 bilhões, implicando uma perda para a saúde pública de ao menos R$ 135 bilhões – mesmo diante da regra atual, que está longe de atender às necessidades de financiamento do SUS. Os números podem ser visualizados na tabela abaixo.

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Se a diferença for apurada em relação aos valores previstos pela PEC 1/2015, de autoria do deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), em tramitação no Congresso Nacional, os prejuízos são ainda maiores, tendo em vista que a medida prevê que a União aplique em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 19,4% da RCL em 2022, supondo que tenha efeito a partir do orçamento de 2017. Neste caso, a aplicação da regra de correção pela inflação no período 2017-2022 traria prejuízos de R$ 308 bilhões à saúde pública brasileira.

O SUS, mesmo diante do cenário de subfinanciamento, vem garantindo uma série de direitos à população. Atende a 204 milhões de brasileiros; realiza, por ano, 1,4 bilhão de consultas médicas e 11,4 milhões de internações; é o maior sistema público de transplantes do mundo; viabiliza o acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS; vem incorporando medicamentos de alto custo que garantem acesso gratuito a diversos tratamentos. Há tantas outras garantias que, combinadas a avanços em diversos setores, explicam a mudança do quadro epidemiológico no Brasil, ilustrado pela queda da mortalidade infantil, o aumento da longevidade, a redução das doenças infectocontagiosas, para citar os mais importantes. Persistem imensos desafios, sobretudo pelo quadro de transição demográfica, epidemiológica e nutricional no país, mas o SUS já é um patrimônio da população brasileira.

Dentre os avanços mais recentes, pode-se citar a criação do Programa Mais Médicos, em 2013, que assegura assistência à saúde de 63 milhões de brasileiros, por meio da atuação de 18,2 mil médicos em mais de 4 mil municípios e em 34 distritos indígenas. Os médicos brasileiros têm prioridade na alocação, de forma que os estrangeiros ou formados no exterior ficam apenas com as vagas remanescentes, geralmente em locais mais carentes, não ocupadas pelos médicos brasileiros.

Sendo assim, os médicos estrangeiros ou formados no exterior têm um papel decisivo no Programa, levando assistência à saúde a regiões remotas e mais carentes. Estudo do Tribunal de Contas da União mostrou que o Mais Médicos, num rol de 1,8 mil municípios examinados, aumentou 33% as consultas na atenção básica e 22% as visitas domiciliares. Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que 95% dos usuários do Programa dizem estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o atendimento dos médicos. Em razão dos impactos do Programa, a Presidenta eleita, Dilma Rousseff, assinou Medida Provisória, prorrogando por mais três anos a permanência no Mais Médicos de profissionais estrangeiros e formados no exterior.

No entanto, o Ministro golpista da Saúde, logo quando assumiu o cargo, anunciou que enfatizaria os médicos formados no Brasil e reduziria a presença de estrangeiros. Certamente, esperará as eleições municipais, já que os prefeitos, independente de corte partidário, dão forte apoio ao Programa, tendo em vista seu impacto nos municípios. Com isso, Ricardo Barros atende aos interesses das corporações médicas, em detrimento do direito de milhões de brasileiros.

Essas medidas dão o tom do programa do governo golpista para a saúde. Menos SUS, mais planos de saúde. Menos direitos à população, mais mercado. Menos médicos. Retirada de bilhões de reais do SUS, diminuindo seu alcance. O limite de gastos pela inflação, se estivesse em vigor desde 2003, teria retirado quase metade dos recursos aplicados pela União em saúde no ano de 2015. O efeito seria desastroso: corte, em relação à oferta atual do SUS, de metade dos médicos, metade das unidades de saúde, metade dos leitos, metade das vacinas, metade dos medicamentos, metade do SAMU, metade do Farmácia Popular, metade dos tratamentos, metade das consultas, metade dos transplantes. O retrocesso nos direitos vem pelas mãos de um governo cujo programa não foi validado pelas urnas. A luta democrática contra um governo que não foi eleito se soma à luta pela garantia de direitos. Vamos a elas!

Serviço Público pela Democracia

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