O governo Temer encontrou um Estado inchado e aparelhado?

por De Olho no Golpe

O governo interino assumiu afirmando que iria reduzir 4.000 cargos em comissão,1 buscando com isso responder a uma ideia difundida pelos meios de comunicação de que os governos do PT teriam inchado e aparelhado o Estado, aumentando de forma explosiva o número de servidores públicos e multiplicando o número de cargos em comissão generosamente remunerados e ocupados por pessoas sem qualificação indicadas pelo partido. Os dados de fato respaldam esse discurso?


As despesas com pessoal estão descontroladas?

NÃO, nos anos de governos do PT:

  • a população aumentou quase 20%;
  • o PIB cresceu quase 40%.

Os gastos com o funcionalismo no Governo Federal não explodiram. Ao contrário, caíram como proporção do PIB.


O número de servidores disparou?

NÃO, para expandir os serviços públicos, o número de servidores até cresceu, mas se mantém menor que no início dos 1990’s.

Além disso, desses novos servidores, mais de 80% se destinaram à educação, a grande maioria deles como técnicos e professores, porque foram criadas:

  • mais de 400 novas escolas de educação profissional, científica e tecnológica, mais que triplicando o número de unidades existente em 2002;
  • 18 novas universidades em 183 novos campi, mais que dobrando o número de matrículas e de municípios com instituições federais.


O número de cargos em comissão explodiu?

NÃO, o número de cargos em comissão aumentou proporcionalmente menos que o do total de servidores, fazendo com que a relação entre esses cargos e o total tenha caído nos últimos anos.


Os cargos em comissão foram ‘tomados’ por pessoas alheias ao serviço público?

NÃO, a grande maioria dos cargos em comissão, 74% do total, é ocupada por servidores concursados.

Mesmo os cargos mais altos no governo (diretores e secretários) são ocupados, majoritariamente, por concursados. A proporção de concursados nesses cargos é, inclusive, maior hoje do que em 2002.

A obrigação de um percentual mínimo de servidores concursados nos cargos em comissão sequer existia, e foi criada em 2005,2 no primeiro governo Lula.


Os cargos em comissão são ocupados por pessoas pouco qualificadas?

NÃO, tais cargos exigem alto nível de responsabilidade e conhecimento técnico e, por isso, a maioria dos servidores que os ocupam é altamente capacitada.

Contribuindo para isso, foi o governo do PT que, em 2010, vedou explicitamente3 a ocupação desses cargos por familiares das autoridades correspondentes.


Os cargos em comissão são remunerados com salários elevadíssimos?

NÃO, diferentemente do salário da grande maioria do funcionalismo federal, fortemente valorizado durante os governos do PT, os salários médios dos cargos em comissão ocupados por pessoas sem vínculo com o governo caíram em termos reais.


O governo federal ocultava as informações relativas aos cargos em comissão?

NÃO, em linha com as diretrizes de governos que, entre outras ações, criaram o Portal da Transparência em 2004 e sancionaram a Lei de Acesso à Informação4 em 2011, a fonte dos dados aqui apresentados é pública: o Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, publicação mensal que, nos últimos anos, tem sido permanentemente atualizada e disponibilizada no sítio:

http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/BEP

Lamentavelmente, transparência semelhante não é praticada por governos estaduais como, por exemplo, o de São Paulo, o que não os impede de propagandear insistentemente sua gestão.

Se a máquina não estivesse inchada e aparelhada, por que o novo governo anunciou o corte de mais de 4.300 cargos?

Na verdade, o número de 4.301 anunciado para a redução não se refere apenas a cargos, mas também a funções. Estas, que correspondem a quase um quarto (923) do corte total, já são ocupadas exclusivamente por servidores concursados. Não são, portanto, como poderia se pensar, indicados sem vínculo com a administração que perderão estas funções. Por outro lado, no que efetivamente se refere aos cargos que podem ser ocupados por pessoas sem esse vínculo, da redução anunciada de 3.378, mais de um quarto (881) já havia ocorrido no governo Dilma, e o restante somente pôde ocorrer agora graças aos esforços de redesenho das estruturas administrativas dos órgãos empreendidos desde 2015. Finalmente, deve-se saber que a extinção de cargos e funções somente pode ocorrer por meio de alteração legal. Assim, o que se anunciou agora é, na verdade, apenas um remanejamento de cargos e funções, que estavam alocados em vários órgãos e se transferem para o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que, no entanto, a qualquer momento, pode realocá-los por decisão do governo.

Mas, ao menos, a transformação de mais de 10.000 cargos em funções exclusivas para concursados é real, certo?

Não exatamente. A transformação anunciada pelo governo interino de mais de 10.000 cargos de livre provimento, quase 50% do total existente, em funções exclusivas para concursados, terá um impacto muito menor do que poderia se esperar. Isto porque, como se afirmou acima e diferentemente do que muitos creem, hoje, quase 75% dos cargos em comissão já são ocupados por servidores concursados, o que ocorre por dois motivos. Em primeiro lugar, pela edição pelo presidente Lula em julho de 2005, ou seja, há quase onze anos, do Decreto n° 5.497/2005, que pela primeira vez estabeleceu percentuais mínimos de ocupação exclusiva dos cargos em comissão por servidores concursados. E, em segundo, pela política de recomposição do aparelho do Estado implantada nos governos do PT, que permitiu a contratação mediante concurso de servidores capacitados para ocupar esses cargos. Com isso, apenas 5.615 cargos em comissão são hoje ocupados por servidores não concursados. A festejada MP que introduz a transformação dos cargos, isoladamente, permite que esse número, ao invés de se reduzir, aumente para cerca do dobro, 11.238. O que garante que isso não ocorra é, justamente, a existência do Decreto citado editado pelo presidente Lula. É ao futuro desse Decreto e dos que vierem a sucedê-lo que aqueles que reconhecem o valor da profissionalização do serviço público devem estar atentos.


Notas

  1. Os cargos em comissão são necessários para traduzir a decisão política dos governantes eleitos em atos de gestão. Preenchidos por livre escolha da autoridade, são destinados à direção, à chefia e ao assessoramento, podendo ser ocupados por servidores concursados ou por pessoas sem vínculo com a Administração. Os dados se referem à administração direta, às autarquias e fundações.
  2. Decreto nº 5.497, de 21/07/05 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5497.htm)
  3. Decreto nº 7.203, de 04/06/10 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7203.htm)
  4. Lei nº 12.527, de 18/11/11 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm)