Carta Aberta de Trabalhadoras e Trabalhadores das Secretarias de Políticas para as Mulheres, para a Promoção da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos

Nós, trabalhadoras e trabalhadores do serviço público federal das Secretarias de Políticas para as Mulheres, da Promoção da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e da Juventude, repudiamos o golpe que resultou na instalação de um governo interino chefiado por Michel Temer e nos manifestamos contrárias(os)s às medidas tomadas que resultam em retrocessos nas políticas públicas e na retirada de direitos conquistados pelas mulheres, negros e negras, quilombolas, povos e comunidades tradicionais de matriz africana, povos de terreiro, povos ciganos, indígenas, povos e comunidades tradicionais, gays, lésbicas, transexuais, bissexuais, transgêneros, travestis, população em situação de rua, juventude, pessoas com deficiência, idosos e idosas, crianças e adolescentes e minorias sociais e étnico-raciais.

Na sexta-feira, 13 de maio de 2016, o ex-vice-presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso Nacional a sua primeira Medida Provisória (MP 726/2016). Esse documento revela o projeto conservador, reacionário e liberal. A Medida, que reduziu de 32 para 23 o número de ministérios, extinguiu pastas sociais rebaixando-as a lugares de segunda categoria e de pouca visibilidade e importância. Nessa MP, as pautas relativas às mulheres, à promoção da igualdade racial e aos direitos humanos foram incorporadas ao novo Ministério da Justiça e Cidadania. Ao mesmo tempo, foi nomeado o ex-secretário de segurança pública do estado de São Paulo, Alexandre de Moraes, para assumir a pasta.

Sobre não ter um órgão com status de ministério responsável pelas temáticas

As políticas públicas específicas realizadas coordenadas, acompanhadas e executadas pelas Secretarias de Políticas para as Mulheres, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Juventude e de Direitos Humanos são resultados de uma longa luta histórica dos movimentos sociais negros, de mulheres, da criança e do adolescente, da pessoa com deficiência, LGBT, dos idosos, da população em situação de rua, quilombolas, comunidades tradicionais de matriz africana e de diversos segmentos.

Desde 2003, essas pastas ganharam “status” de ministério, o que permitiu a transversalização e a ressaltou a importância delas para o combate ao racismo, ao sexismo e às demais violações de direitos humanos, que são estruturantes da sociedade brasileira. A transversalidade é fundamental para a abordagem da complexidade dessas pautas, de modo a promover a efetividade das políticas públicas para garantia de inclusão social desses diferentes segmentos da sociedade e de resolução das situações de violação de direitos historicamente instaladas.

O rebaixamento desses ministérios a secretarias especiais e sua incorporação pela estrutura do Ministério da Justiça e Cidadania retira a capacidade de articulação necessária para que as pastas desempenhem efetivamente políticas públicas transversais, reduzindo também o seu potencial de defesa das demandas históricas dos movimentos sociais que as construíram por meio do diálogo e da participação social. A diminuição das estruturas destinadas a estas políticas públicas também incorrerá em um enfraquecimento das pautas, do ponto de vista orçamentário e da priorização de ações.

Outro ponto essencial que fortaleceu as políticas das secretarias foi a possibilidade de espelhamento das demais unidades da Federação na defesa dos direitos em âmbito local. Quando o status é diminuído, influencia-se diretamente a importância das pautas nos governos estaduais, municipais e distrital, desarticulando ações também nesses entes da Federação.

A nomeação de Alexandre de Moraes como Ministro da Justiça para chefiar a estrutura que absorveu as áreas de mulheres, igualdade racial e direitos humanos é a ratificação de que essa agenda será continuamente atacada e esvaziada, já que sua gestão na secretaria de segurança pública de São Paulo é reconhecida por tratar movimentos sociais como caso de polícia, justiça como caso de segurança pública, por impor uma cidadania genérica e homogeneizadora em desrespeito à diversidade étnico racial do país, pela violência gratuita, desmedida e desproporcional contra professores e estudantes e por um desconhecimento profundo da questão de gênero e dos direitos humanos.

Além das questões amplas que a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos acarreta, cabe destacar questões específicas que ocasionaram perdas para cada uma dessas políticas.

Perdas para as Políticas para Mulheres

Em 13 anos de políticas para mulheres no governo federal, houve uma série de direitos estabelecidos que correm grande risco de serem eliminados ou enfraquecidos como: a Lei Maria da Penha e a política de enfrentamento à violência contra a mulher e ao feminicídio, os direitos das empregadas domésticas, o apoio ao fortalecimento dos organismos de políticas para as mulheres, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, o atendimento às demandas das mulheres do campo, das águas e da floresta, os programas de formação de professoras e professores em gênero, reça e sexualidade, o programa Mulher, Viver sem Violência, dentre outras ações.

Para executar esse conjunto de ações, a SPM possuía autonomia e diálogo com diversos movimentos de mulheres e feministas. Com a atual conjuntura, de predominância de um grupo político essencialmente masculino, não aberto ao diálogo, contrário aos movimentos sociais e com a priorização de cortes em prejuízo de diálogo, esse conjunto de ações está sob concreta ameaça.

Cabe destacar ainda que a ausência de uma reflexão profunda sobre quais vêm a ser os direitos das mulheres num país democrático do século XXI é evidente em discursos e comportamentos adotados pelo primeiro escalão formado pela aliança PMDB-PSDB-DEM. Isto se materializa na nomeação, em 03 de maio, da Secretária Especial de políticas para as mulheres, a senhora Fátima Pelaes, que conta com processo de corrupção por desvio de 4 milhões de reais e com declarações públicas que demonstram a incapacidade de distinção entre suas crenças e valores religiosos, o Estado laico e as políticas públicas. Este grupo político conta ainda com a presença de confessos agressores de mulheres e tem se revelado uma visão preconceituosa e retrógrada sobre qual o papel das mulheres na sociedade.

A recente portaria que cria o Núcleo de Proteção à Mulher, que dentro de um mês será transformado em Coordenação de Proteção à Mulher, ligado ao gabinete do ministro interino da justiça e cidadania, é outra demonstração do desmonte da SPM.

Retrocessos para a Promoção da Igualdade Racial

Em que pese o fato de a SEPPIR, desde sua criação, não ter sido munida de orçamento e recursos à altura de sua tarefa, ao longo de sua existência foram consolidados avanços extremamente importantes, como a criação do Estatuto da Igualdade Racial, da Lei de Cotas no Ensino Superior, da Lei de Cotas no Serviço Público, do Programa Brasil Quilombola e do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.

Com a ruptura forçada de projeto político, orquestrada pelo gabinete golpista de Temer, ficam latentes os retrocessos com a supressão de direitos e o estrangulamento das políticas públicas conquistadas pela população negra e pelos povos e comunidades tradicionais.

Além disso, é da base aliada do gabinete golpista que partem os maiores ataques no Congresso Nacional e no STF aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e da população negra como: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239), que questiona o decreto que regulamenta a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras quilombolas; a PEC 215, que propõe que as demarcações de terras indígenas, a titulação dos territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental passem a ser uma responsabilidade do Congresso Nacional; e a PEC 171/93, que reduz a maioridade penal.

Como se não bastasse, há ainda a ameaça de revisão dos atos da Presidenta Dilma, a partir da data de abertura do processo de impeachment, o que pode representar anulação de portarias e decretos relativos à regularização de territórios quilombolas.

Perdas para Direitos Humanos

Criada para articular e formular políticas públicas voltadas à promoção e proteção dos direitos humanos, a SDH possui diversas ações como: o Disque Direitos Humanos (Disque 100), o fomento aos Conselhos tutelares, o apoio a projetos, programas e ações que orientam a promoção dos direitos da criança e do adolescente, da pessoa com deficiência, da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis e Transexuais (LGBT), da população em situação de rua, da pessoa idosa, de pessoas com transtornos mentais, no combate ao trabalho escravo, no combate à tortura e de todos os grupos sociais vulneráveis. Cada uma dessas frentes proporcionaram avanços como: a Política Nacional para a População em Situação de Rua; o Plano contra a Homofobia; a Lei da Busca Imediata de Crianças e Adolescentes desaparecidos; Acessibilidade para pessoas com deficiência; o Estatuto do Idoso; transformação de exploração sexual de crianças e adolescentes em crime hediondo; entre outros.

Sabe-se que a articulação política que trouxe ao poder o ex-vice-presidente Michel Temer tem estreita articulação com setores retrógrados da sociedade que buscam: invisibilizar as questões de direito à verdade; inviabilizar o direito à igualdade da população LGBT; fixar uma visão filantrópica de assistência às populações vulneráveis; aumentar as condicionalidades de programas sociais a fim de tornar o público atendido mais exíguo; fortalecer o corporativismo das forças policiais e militares; revisar do Estatuto do Desarmamento; deixar de punira prática da tortura pelos agentes estatais; inviabilizar uma política de inclusão para pessoas com deficiência em benefício de instituições não públicas; reduzir a maioridade penal; desmantelar a proteção social, em todas as suas esferas, em benefício do enxugamento do Estado; e desrespeitar tratados internacionais garantidores de direitos sociais.

Retrocessos estão em curso e colocam em risco a população mais vulnerável e historicamente discriminada deste país. Convidamos todos os movimentos em prol de direitos para somarem conosco na luta pela volta das Secretarias de Políticas para as Mulheres, da Promoção da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, contra o golpe, pela democracia e por participação social!

ASSINAM ESTA CARTA:

TRABALHADORAS E TRABALHADORES SECRETARIAS DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, DA JUVENTUDE E DOS DIREITOS HUMANOS ;

FRENTE AMPLA DE TRABALHADORAS E TRABALHADORES DO SERVIÇO PÚBLICO PELA DEMOCRACIA